quarta-feira, 31 de março de 2021

NINE


Nota 6 Longa é um luxuoso espetáculo visual, mas falta conteúdo para prender a atenção

Os musicais já foram um dia o símbolo do glamour e do sucesso de Hollywood. O Mágico de Oz, A Noviça Rebelde, Mary Poppins e tantos outros títulos até hoje são lembrados como grandes clássicos do cinema. Cabaret, que deu o Oscar a Liza Minelli e faturou diversos outros prêmios, talvez tenha sido a última produção de grande êxito desse gênero antes dele voltar a cair no gosto popular no início do século 21 com a ousadia de Moulin Rouge. O cinema então descobriu uma vertente lucrativa, a transposição de espetáculos teatrais para as telonas, assim ganhamos mais uma versão de O Fantasma da Ópera, o humor carnavalesco de Os Produtores e voltamos à época das discotecas embalados pelos hits de Mamma Mia. Esses títulos mais recentes dividiram opiniões, mas certamente se apoiaram no sucesso dos palcos para tentar angariar público para as salas de exibição. Talvez esta pudesse ser uma das explicações para a recepção fria de Nine, produção que se inspirou em um espetáculo da Broadway, que por sua vez encontrou em um clássico da sétima arte suas sementes. Porém, a produção teatral não causou frisson, mas ainda assim acreditava-se que o cinema poderia recuperar o projeto. Com algumas indicações a prêmios, maioria técnicos, e um elenco invejável de belas e talentosas mulheres, o filme gerou expectativas além do que poderia suprir. Todos que se interessaram pelo projeto esperavam ver um grande espetáculo e um memorável encontro de talentos, afinal o diretor é Rob Marshall que também comandou Chicago, uma arrebatadora mistura de comédia, drama e gênero policial que faturou seis Oscars.  O longa não é necessariamente ruim, pelo contrário, mas no conjunto é difícil dizer que a obra nos satisfaz totalmente. Visualmente é deslumbrante e refinada, mas no conteúdo é vazia e desinteressante.

 A trama faz referência ao clássico italiano 8 ½, de Frederico Fellini, tendo como ponto de partida o drama vivido por um cineasta sofrendo por conta de um bloqueio criativo que recorre a importantes mulheres que marcaram ou ainda marcam sua vida em busca de inspiração. Daniel Day-Lewis é o encarregado a dar vida a Guido Contini, que não está apenas com problemas no trabalho, mas também passa dificuldades em sua vida particular, principalmente por estar vivendo a famosa crise de meia idade. Após vários fracassos de crítica e público, o diretor surge com a ideia de um filme chamado Italia, porém, ele tem apenas o título, mas nem imagina como será o enredo. Mesmo assim, o estúdio responsável já começa a divulgar o projeto, o que aumenta a pressão sobre Contini. Se faltam ideias para o trabalho, por outro lado sobram mulheres na vida do cineasta. Ele é casado com Luisa (Marion Cotillard), com quem vive um casamento de aparências, o fogo do amor apagou, mas ainda assim uma relação necessária para manter sua imagem respeitável. O que não encontra em casa ele acha fora dela nos braços de sua amante Carla (Penélope Cruz). Correndo por fora existe Claudia (Nicole Kidman), sua atriz predileta musa inspiradora, e Stephanie (Kate Hudson), uma animada e fogosa jornalista. Mesmo com tantos affairs, é com Lilli (Judi Dench), sua fiel colaboradora como figurinista, que Contini encontra a compreensão e o colo que tanto deseja. Ainda carente, o diretor busca em suas memórias os conselhos de sua mãe (Sophia Loren) e a força da juventude nas lembranças da prostituta Saraghina (Stacy Ferguson, mais conhecida como a cantora Fergie).

Quando começaram os boatos de que seria feito o filme baseado no espetáculo teatral homônimo os cinéfilos ficaram extasiados. Homenagem merecida à Fellini, recurso da metalinguagem (um filme dentro de outro, algo muito apreciado), um elenco espetacular e conforme o longa ganhava corpo mais aguçada ficava a curiosidade de quem já aguardava com ansiedade seu lançamento, já que a cada nova foto ou trailer divulgados parecia que estávamos presenciando o nascimento de mais um vencedor do Oscar. No fim, o resultado final ficou aquém do esperado, algo pouco memorável, mas ainda com alguns pontos relevantes. Obviamente os figurinos, maquiagem e a fotografia fazem toda a diferença neste caso, mas não deixa de ser curioso que no quesito cenário optou-se por algo mais clean, certamente um recurso para enaltecer as estrelas que desfilam pelas cerca de duas horas emolduradas por efeitos de iluminação caprichados que ressaltam a beleza de cada uma delas. Chama a atenção também como elas entram em cena e a maneira escolhida para inserir os números musicais, opções que dividem opiniões. Cada atriz tem seu momento exclusivo para brilhar ao lado do protagonista e tem a chance de soltar a voz em um número musical próprio, destacando a relação individual que possuem com o cineasta. Muitos elogiam a ideia de dividir o roteiro de acordo com a aparição das damas, mas para outros tal iniciativa só colabora para deixar o filme ainda mais desinteressante e desconexo. Day-Lewis, embora seja conhecido por ser um ator que se preocupa em aceitar bons papéis em produções ainda mais interessantes, parece que se deixou seduzir pelo elenco de beldades. O personagem poderia render muito mais, mas a todo o momento parece que ele é um homem inseguro e desesperado a encontrar um roteiro pronto vindo das mentes dessas mulheres que o cercam, tanto na realidade quanto em sua imaginação.

A arte imita a vida ou é a vida que imita a arte? Neste caso ambas as combinações são válidas. Marshall parece ter vivido a mesma situação que Contini durante a produção e filmagens deste musical. Ambos com prazos e obrigações a cumprir, principalmente entregar ao mercado obras marcantes, os dois parecem não saber qual caminho a seguir para tanto. Visto por este viés, pode até ser que esta obra se torne um pouco mais interessante, afinal é preciso dar um crédito a quem tenta concluir um filme de forma digna ao invés de empurrar qualquer lixo ao público, mas é certo que a falta de uma unidade, de uma linha narrativa contínua, continuará torna-se um empecilho. Alternando números musicais intensos e animados, como os protagonizados por Kate Hudson e Fergie, com outros insossos, como de Nicole Kidman, Judi Dench e Marion Cotillard, no final das contas parece que Marshall filmou cada sequência sem saber no que a junção resultaria. Uma exaltação a honra de ser italiano? Um elogio às mulheres? Uma homenagem ao cinema? Tudo isso e algo mais, porém, a mistura de passado e presente e da realidade e do imaginário no máximo consegue criar um caos luxuoso que tenta embriagar o espectador, que não cai na lorota totalmente e não se permite nem mesmo em uma primeira apreciação deixar-se levar pelo brilho e agito de um ou outro número musical concentrados na primeira hora de filme.

Somente a introdução deve corresponder ao que os espectadores querem ver, pois é o único momento em que todas as atrizes dividem o palco com o protagonista. O restante da narrativa não deixa brechas para acreditarmos que ainda iremos nos surpreender, pois fica nítido que não há espaço para o romantismo no estilo Moulin Rouge, para o humor datado de Os Produtores e tampouco para a vibração e a criatividade de Chicago. O negócio é se divertir com as sequências musicais, prestar atenção nas curvas e rebolado de Penélope Cruz ou ainda matar as saudades de ver Sophia Loren atuando, ainda que em um péssimo momento, e não levar a produção muito a sério. Em suma, Nine é uma aposta muito mais visual e no espetáculo do que no conteúdo e nos requisitos básicos para se fazer cinema. Praticamente um show diferenciado que termina sem fogos de artifícios e deixando um gosto de decepção ao espectador. Este é mais um título para figurar naquelas listas de filmes em que registramos as produções que nos deixam com o coração partido e a mente inquieta, pois queremos elogiá-la, mas é impossível esconder seus equívocos. Uma pena.   

Musical - 112 min - 2009 


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