Nota 8 Longa ainda gera curiosidades quanto a seu modelo de produção e campanha de marketing
Para fazer cinema basta uma câmera na mão e uma boa ideia na cabeça. Levando a sério tal lema, a dupla Daniel Myrick e Eduardo Sanchez criou um modesto filme em termos financeiros, mas gigantesco em suas ambições. Contudo, talvez não imaginassem que estariam lançando um produto que revolucionaria a indústria cinematográfica. Lançado em 1999, A Bruxa de Blair despertou a curiosidade do mundo inteiro através de uma engenhosa campanha de marketing aliada a uma história vendida como verídica e com potencial para fazer o público perder o sono por várias noites. Bem, isso se a farsa não tivesse vindo à tona tão logo a produção fosse lançada. Antes de mais nada, não custa recapitular o enredo que é facilmente descrito em poucas palavras logo na introdução. Em outubro de 1994, três estudantes foram até a floresta de Burkittsville, nos EUA, para filmar um documentário sobre a lenda de uma bruxa e jamais foram vistos novamente. Um ano depois as fitas das gravações que realizaram foram encontradas e a partir destes registros é que o longa foi realizado tentando dar algum sentido a uma compilação de imagens amadoras. Sem dúvidas a produção merece elogios por trazer realismo e o estilo documentário para um público mais amplo, conseguindo invadir as salas de cinemas dos shoppings com todas as pompas de um milionário blockbuster.
Os cineastas criaram todo um histórico a respeito da entidade do título abordando fatos datados desde o século 18 e uma cronologia até a data da descoberta das fitas dos jovens foi publicada no site oficial do filme, o pontapé inicial para um dos maiores fenômenos midiáticos lançados até então. O apuro das informações, repleta de detalhes sinistros, trouxeram credibilidade à publicidade do baseado em fatos reais e fomentaram o boca-a-boca de populares em uma época em que o mundo virtual ainda era pequeno e para poucos. A mídia tradicional também colaborou para aumentar a curiosidade em torno da produção que teve sua première no Festival de Sundance, o berço dos filmes independentes. De imediato já surgiu uma empresa disposta a pagar uma boa quantia para poder distribuir a fita nos EUA e alguns veículos especializados na área já começaram a soltar notas sobre o fenômeno que estava por vir. Era o reconhecimento para um trabalho fruto de anos de dedicação de uma dupla criativa e apaixonada por cinema. Em 1990, Sanchez e Myrick estavam no início da faculdade de audiovisual, mas já planejavam criar um longa fazendo de um orçamento limitadíssimo um recurso característico e essencial. As poucas câmeras, por exemplo, seriam aproveitadas ao máximo e incorporadas à trama sendo colocadas nas mãos do próprio elenco que se encarregaria de gravar as fitas que supostamente seriam encontradas por terceiros e transformadas em um filme com o mínimo de edição. A impressão seria que o roteiro fosse criado conforme as imagens das gravações eram descobertas, mas obviamente os atores foram minimamente instruídos antes de serem abandonados na floresta.
Os desconhecidos Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams ganharam papéis batizados com seus próprios nomes para ajudar a manter toda a farsa, com direito a cartazes com suas fotos espalhados por vários cantos denunciando seus desaparecimentos, e tiveram que improvisar ao máximo a partir de um argumento inicial que não lhes revelava muitos detalhes. A intenção era capturar reações expressivas e reais dos jovens diante de sustos forjados e armadilhas psicológicas colocadas pelos próprios diretores no local. Por essa razão sobressaem-se as respirações ofegantes do trio fatigados pelas longas caminhadas, condições precárias de sobrevivência e pressão de terem que lidar literalmente com o desconhecido. Após entrevistar moradores próximos à floresta, devidamente informados para alimentar a lenda da bruxa, os atores passam a ouvir e encontrar coisas estranhas pelo caminho. Contudo, a suposta vilã nunca é mostrada fisicamente, mas sua presença é evidenciada praticamente do início ao fim. Tudo fica mais horripilante com a ausência de trilha sonora e de apuro fotográfico, assim a sensação é de que a qualquer momento os jovens podem ser atacados ou ter surpresas assombrosas. Embora os diretores quisessem fazer do projeto o momento mais apoteótico de suas vidas e estivessem dispostos a impedir a intervenção de terceiros contrários ao método de trabalho que adotaram, eles não eram loucos a ponto de deixarem os atores entregues a mercê da sorte e trataram de dar algum suporte, apesar da escassa alimentação e do desconforto para dormirem.
Os intérpretes receberam treinamento de sobrevivência, aprenderam a utilizar equipamentos de orientação e também a manipular as câmeras para que os enquadramentos e áudios, embora amadores, tivessem um mínimo de qualidade. Voltar à floresta para refazer ou gravar cenas adicionais era fora de cogitação. Como em um reality show, os atores eram vigiados dia e noite, porém, eles não sabiam disso, o que manteve a espontaneidade em suas ações. Os diálogos foram totalmente improvisados e os ruídos, gritos e objetos de feitiçaria que assustam os jovens eram todos forjados pela produção, assim eles não tinham noção do que poderia acontecer a cada novo dia de filmagens e nem mesmo a noite quando as câmeras deveriam permanecer ligadas. E dessa forma, A Bruxa de Blair popularizou o estilo do found footage, a colagem de imagens amadoras que na verdade exigem uma superprodução por trás. Bem, isso quando se deseja o máximo de realismo possível. Os anos seguintes trataram de desgastar tal recurso, com Atividade Paranormal sendo o título que mais se aproximou à estratégia de marketing criada por Myrick e Sanchez, inclusive quanto a esclarecer toda a fantasia em torno da produção rapidamente. Nos dois casos, milhões de pessoas ficaram pasmas ao saber que suas expectativas foram subvertidas a puro escapismo, uma imersão a uma realidade que de certa forma zomba da inocência e das crenças dos seres humanos.
De qualquer forma, a quantidade de sustos e o clima ímpar de angústia e tensão oferecidos compensam qualquer frustração quanto a lenda forjada, mas hoje, distante de todo frisson da época de lançamento, é natural que a produção venha a interessar a um grupo mais restrito, como amantes do gênero e interessados por processos e cultura cinematográfica. O tempo passou, o impacto cessou, a careira dos envolvidos não decolou, mas o projeto continua sendo único. Nunca outro do tipo chegou ao mesmo nível de proximidade de tamanho realismo. Com o tremendo sucesso, os produtores já pensavam em criar ao menos uma trilogia, mas a primeira continuação foi um fracasso retumbante desprezando as conquistas do original: contar uma história assustadora e interessante sem adotar firulas hollywoodianas, entre elas a necessidade dar um rosto ao Mal.
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