NOTA 7,0 Ficção e realidade se misturam para narrar os eventos de um dia comum de um grupo de pessoas, mas elas não imaginavam que tal data seria histórica |
As narrativas do tipo mosaico, aquelas que trabalham com um
grande número de personagens distribuídos em diversas tramas paralelas que
acabam convergindo no final ou se interligam por meio de uma temática
semelhante, tornaram-se muito populares nos últimos anos, embora já fosse uma
tendência defendida há tempos pelo cultuado Robert Altman, diretor com quem os
atores sonhavam trabalhar, mesmo que fosse só para literalmente fazer uma ponta
em suas obras. O problema é que esse tipo de produção pode ser uma armadilha
para quem faz e a rejeição do público é quase certa, salvo em casos que o longa
é indicado a prêmios e ainda assim as pessoas só conferem para não ficarem por
fora do assunto. Estamos acostumados a tramas com poucos personagens que nos
permitem avaliar simplesmente se o filme é bom ruim. Quando há muitas situações
e perfis a serem desenvolvidos provavelmente nos identificamos com alguns
núcleos, mas fatalmente a avaliação do conjunto é no máximo regular, pois
sempre tem algum ator ou passagem que foi mal explorado. Talvez justamente por
também ser ator é que Emílio Estevez quase chegou a perfeição com o drama Bobby,
o qual roteirizou e também dirigiu. Tecnicamente uma produção perfeita e sem
dúvidas calcada na força de um elenco de peso que faz o que pode para tornar
atrativo o relato de um dia na vida de pessoas desconhecidas, mas tal data não
é qualquer uma. A trama se passa em 04 de junho de 1968, dia em que o então
candidato à presidência dos EUA Robert F. Kennedy estava sendo aguardado no
Ambassador Hotel, em Los Angeles, para fazer um discurso em um evento
comemorativo à sua campanha, porém, ele acabou sendo baleado. Cerca de quatro
anos antes seu irmão mais velho John F. Kennedy já havia sido assassinado, mas
um novo membro do clã tentando chegar ao comando do país entusiasmava muitas
pessoas, principalmente os estrangeiros que lá viviam. Há poucos meses Martin
Luther King, o defensor das minorias, havia sofrido um atentado e muitos se
sentiam desamparados até este novo candidato surgir e devolver a esperança pregando
a ideia de um governo justo e em busca da paz e igualdade. Estevez não dedica
atenção propriamente ao atentado, mas sim as situações vividas horas antes por
22 personagens fictícios que estavam de alguma forma envolvidos com o hotel ou
ao evento. Hóspedes, funcionários, convidados e voluntários da campanha mais
especificamente. Todavia, o diretor passou anos pesquisando detalhes para
reconstruir com perfeição o clima de entusiasmo da época abalado pela tragédia
também dramatizada minuciosamente nos minutos finais.
John Casey (Anthony Hopkins) é o porteiro aposentado do
hotel que não consegue ficar longe de seu antigo local de trabalho e passa
horas jogando xadrez e conversando com o amigo Nelson (Harry Belafonte), outro
funcionário inativo. Paul Ebbers (William H. Macy) é o atual gerente e sua
esposa Miriam (Sharon Stone) tem um salão de beleza no prédio para atender os
hóspedes, mas mesmo assim este homem mantém um caso às escondidas com Angela
(Heather Graham), a telefonista do hotel que acredita que o relacionamento pode
lhe render uma promoção no trabalho. Na área da copa temos o cozinheiro
afro-americano Edward Robinson (Laurence Fishburne), seus ajudantes latinos
José (Freddy Rodriguez) e Miguel (Jacob Vargas) e a garçonete Susan (Mary
Elizabeth Winstead) que sonha em ser uma grande estrela de cinema. Daryl
Timmons (Christian Slater) é o gerente da cozinha que não gosta de ter
estrangeiros entre seus subalternos e não perde oportunidades para injuriá-los.
Entre os hóspedes temos a cantora Virginia Fallon (Demi Moore), que apresentará
o senador na festa das eleições preliminares na Califórnia. Alcoólatra, ela
está acompanha do marido e empresário Tim (o próprio Estevez acumulando uma
terceira função no longa), um homem frustrado por viver às custas do trabalho
da esposa. Diane (Lindsay Lohan) é uma jovem que está prestes a se casar com o
amigo William (Elijah Wood), uma união arranjada apenas para evitar que o rapaz
seja enviado para a Guerra no Vietnã. Jack (Martin Sheen) é um milionário que
colaborou financeiramente com a candidatura de Kennedy e que está em uma
espécie de segunda lua-de-mel forçada com a fútil esposa Samantha (Helen Hunt),
mais preocupada em fazer combinações de roupas e acessórios. No hotel ainda
temos circulando os integrantes da campanha presidencial, como os jovens
assistentes Wade (Joshua Jackson) e Dwayne (Nick Cannon) e também Lenka
(Svetlana Metkina), uma jornalista da Tchecoslováquia louca por uma declaração
de Kennedy ao povo de seu país que o tem como um ídolo por seus conceitos
pacíficos. Os novatos voluntários Jimmy (Brian Geraghty) e Cooper (Shia
LaBeouf) são os representantes da rebeldia da época na trama. Ao mesmo tempo em
que trabalham na organização do evento também estão querendo conseguir droga
fácil com Fisher (Ashton Kutcher), o hóspede ovelha negra do hotel. Claro que
entre essas histórias surgem alguns outros personagens com menor importância,
apenas para dar mais naturalidade à narrativa, sendo que apenas os atores
Jeridan Frye e Dave Fraunces encarnam figuras reais, respectivamente Ethel e
Robert, o casal Kennedy. Detalhe, ele aparece sempre de costas ou a distância e
sem falas propositalmente. Embora fictícios, todos os personagens poderiam
perfeitamente estar nas dependências do hotel na ocasião da morte de Robert
Kennedy. Quantos anônimos sofreram a angústia daquele momento? No entanto,
somente o ajudante de cozinha José remete a uma figura que entrou para a
História por acaso. Ele representa Juan Romero, o jovem que foi fotografado
segurando o corpo do senador imediatamente após os disparos que ainda feriram
outras pessoas, todas que felizmente sobreviveram.
Apesar do elenco numeroso, todos tem chance de desenvolver
seus personagens e dramas de forma correta, ressaltando que não há espaço para
estrelismos de ninguém, mas sim um equilíbrio notável entre as interpretações
que misturam jovens e veteranos atores. Dessa forma, uma espécie de painel
social da época é destacado sob o verniz de histórias aparentemente tolas. O
ano de 1968 foi marcado por conflitos políticos e sociais acirrados. A guerra
no Vietnã que a maioria não compreendia, o crescimento do preconceito e
segregação racial, a falta de perspectivas para os idosos, a liberação
feminina, a decadência das estruturas familiares, a rebeldia representada pelo
consumo de drogas e álcool e a invasão de estrangeiros na terra dos ianques em
busca do tal sonho americano. Pode-se dizer que Estevez tentou representar a
época através dos perfis dos personagens e das situações que vivenciam e
conseguiu um resultado bastante satisfatório, sem precisar ser didático, e
escolheu uma boa forma de reunir todos os núcleos na reta final. Enquanto
acompanhavam emocionados o discurso do senador, independente de sexo, raça,
religião, nível intelectual ou poder aquisitivo, todos estavam em uma mesma
sintonia: na esperança de que dias melhores viriam. É interessante que o filme
tem praticamente dois finais. O primeiro mostra o desfecho das histórias
pessoais dos personagens sem recorrer a diálogos, apenas imagens ilustrando uma
melancólica canção. O segundo já mostra a reação das pessoas à notícia do
atentado. Um memorável discurso de Kennedy narrado em off acompanha tal colagem
de cenas mostrando a comoção que o episódio gerou. Talvez seja nisso que Bobby perca
pontos. A todo o momento é exaltada a boa imagem de Robert Kennedy, que
inclusive aparece em cenas reais de documentários e jornalísticos de TV que
mostram como ele era querido entre a população mais necessitada. Toda a trama
fictícia é costurada por esses momentos de arquivo, mas talvez tenha faltado o
outro lado da história. Quem eram os opositores do senador à presidência? Qual
o perfil do cidadão contrário aos seus ideais? Estevez aparentemente não
desejava mesmo apresentar este outro lado da moeda, apenas exaltar a imagem de
um político popular e que queria o mesmo que a maioria do povo. Pena que não
teve a chance de provar sua idoneidade. Apesar de muitos criticarem este
trabalho, principalmente porque mesmo com toda sua pinta de vencedor foi
ignorado pelas principais premiações, ele merece ser apreciado com mais
cautela, sendo possível até traçar paralelos entre o ano de 1968 e 2007, época
de seu lançamento em que a Guerra ao Terror também despertava inflamadas
reações populares tal qual o conflito do Vietnã no passado.
Drama - 116 min - 2006
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