NOTA 5,5 O desenvolvimento da amizade de dois jovens é temperado com temas polêmicos, mas longa os apresenta de forma superficial |
O comportamento desregrado na
adolescência pode ser apenas um problema passageiro, algo motivado pela
ansiedade dos jovens em quererem experimentar inúmeras sensações. Colhidos os
frutos e os danos, a maturidade nos ensina a escolher as melhores opções, mas
viver é estar pronto para mudanças constantes. O que é bom hoje pode não ser
amanhã e vice-versa. A Casa do Fim do Mundo fala
justamente sobre transformações, emoções e escolhas, vivências que marcam nosso
passado, ajudam a explicar o presente e podem influenciar o futuro. Pena que é
muito assunto envolvido com polêmicas para se abordar em pouco tempo de arte,
assim o resultado acabou sendo relativamente superficial. O roteiro de Michael
Cunningham é baseado no romance homônimo de sua própria autoria e narra a
história da evolução da amizade de dois grandes amigos. Bobby Morrow (Erik
Smith) teria tido um início de vida normal se não fosse o acúmulo de óbitos que
assolou sua família. Em Clevelend, em meados dos anos 60, ele teve seus
primeiros contatos com drogas e foi incentivado a começar precocemente sua vida
sexual graças aos conselhos do irmão mais velho, Carlton (Ryan Donowho). O
rapaz aparece pouco no filme, mas sua participação é importante para ditar os
rumos da vida do caçula. Ainda criança Bobby o viu perder a vida em um estúpido
acidente doméstico devido ao seu estado de embriaguez durante uma festa. Logo
sua mãe também falece devido a tristeza causada pelo episódio e não tarda para
que ao pai aconteça o mesmo. Dessa forma, o garoto cresceu sem apoio familiar,
fazia o que queria e não dava satisfação a ninguém, mas quando a última morte
de seu clã ocorreu ele já era um adolescente e totalmente adaptado à família de
Jonnathan (Harris Allan), seu melhor amigo da escola. Na frente dos pais, Alice
(Sissy Spacek) e Ned Glover (Matt Frewer), os dois eram uns santinhos, mas
quando estavam sozinhos eles usavam drogas, ouviam músicas pesadas e viviam
experiências homossexuais. A Sra. Glover, como toda boa mãe, achava que quando
eles se trancavam no quarto estavam apenas curtindo inocentes brincadeiras, mas
um dia se surpreende ao vê-los fumando. Bobby, sem um pingo de vergonha, chega
a oferecer um baseado a ela que para o espanto do próprio filho acaba
aceitando. Pode soar estranho que uma tradicional dona de casa dos anos 70
pudesse ser tão cuca fresca, mas a naturalidade da atriz ajuda a tornar essa
ideia crível, inclusive o fato dela encarar sem estresse a descoberta da
relação amorosa entre os garotos.
Bobby não é tão despudorado
quanto parece. Tentou se explicar com Alice quanto ao beijo que deu em seu
filho, mas recebeu em troca um carinho que talvez nem a sua própria mãe um dia
chegou a lhe oferecer. Ela confessa que não sabe bem como agir com esta
situação, porém, mostra-se amigável e desconversa ensinando o garoto a preparar
uma torta, um gesto simples que ajudou a direcionar a vida dele que no futuro
tornou-se padeiro, mesmo ostentando uma cabeleira pouco usual para quem lida
com alimentos. Vale ressaltar que Alice é uma das protagonistas na obra
literária expondo também seu ponto de vista diante dos acontecimentos presentes
e dos que vem a seguir, mas o filme a reduz a uma participação muito pequena,
sendo acionada futuramente apenas para plantar uma sementinha de discórdia
entre os garotos então já adultos. Tudo que foi descrito até aqui acontece no
primeiro ato de forma muito ligeira, mas ainda assim usando um pouco de nossas
memórias de vida e até a respeito de outros filmes com foco na adolescência é
possível se inteirar da vida dos protagonistas. Com os problemas familiares,
Bobby cresceu sem amarras enquanto Jonathan tinha uma família bem estruturada,
mas ansiava por experiências novas e isso se tonou possível com o apoio de um
grande amigo, no entanto, é ele mesmo quem procurou colocar um ponto final
nessa relação dúbia. O loirinho desejava ir estudar em uma cidade grande e
seguir o caminho “correto” de um homem, mas isso não impediu que Bobby
continuasse vivendo com os pais dele por vários anos até que um dia Ned o
aconselha a conhecer o mundo que existe fora da pacata vizinhança. Nesse ponto,
já nos anos 80, Colin Farrell assume o papel do padeiro descolado que decide ir
morar em Nova York reatando a amizade com Jonathan, agora vivido por Dallas
Roberts. O reencontro é amistoso, mas o anfitrião deixa claro que embora vão
dividir a mesma cama ele não deseja mais viver as aventuras sexuais da
adolescência. Em um primeiro momento, pensamos que ele está com Clare (Robin
Wright), uma garota com quem já divide o apartamento a algum tempo, mas não
demora muito para percebermos que ele virou um gay enrustido, apesar de seus
trejeitos denunciarem sua opção. A ausência do rapaz por conta de uma dessas
noitadas é a deixa para a extrovertida companheira de lar provar a carne nova
do pedaço. Estranhamente, Bobby que antes era um tremendo cara-de-pau, até
então era virgem e chorou de emoção ao viver sua primeira relação sexual
concreta tardiamente. Os amigos inverteram os papéis. O mais recatado virou um
conquistador promíscuo e o rebelde foi domado. Um experimentou a tão sonhada
liberdade com seus bônus e ônus enquanto o outro vivenciou o que é um lar e uma
família de verdade. É uma pena que todas essas experiências só podemos imaginar
quando paramos para analisar o conjunto. O diretor Michael Mayer não teve
sensibilidade suficiente para conduzir uma história de tanto peso emocional e
psicológico. A sensação é que simplesmente alinhavou as cenas de olho no
cronômetro para não estourar muito o limite de uma hora e meia de filme, assim
passagens importantes como um simples olhar, gesto ou um diálogo rápido foram
sendo cortados de forma a condensar ao máximo a trama.
Se a amizade dos protagonistas já
soava estranha na adolescência, quando adultos eles parecem muito mais
distantes, mas alguns momentos nos fazem crer que existe certa tensão e atração
entre eles, situações que o roteiro parece ter medo de explorar para não cair
nos clichês ou para evitar polêmicas. Com a entrada de uma garota na relação,
poderíamos jurar que os rapazes iam ficar em pé de guerra, mas o máximo que o
roteiro esboça é uma leve rusga por conta da sensação que Jonathan tem de que
Bobby quer tudo que é seu, desde a família até a sua namorada. Como? Pois é,
não fica claro se o rapaz fica enciumado por conta de estar apaixonado por
Claire ou por ainda sentir algo por Bobby. O fato é que uma notícia surpresa
acabará unindo o trio formando uma atípica família feliz, vivendo na tal casa
do título, até que um deles perceba que dois é bom, mas três é demais. É nesse
ponto que percebemos como uma imagem vale mais que mil palavras e o diretor deveria
estar atento a isso desde o início. A fase inicial dos personagens dá a
impressão de que Mayer quis fazer uma introdução que remetesse ao estilo de
filmes alternativos calcados em famílias disfuncionais. A estrutura se parece
muito. Cenas e diálogos rápidos salpicados com ironias contrastando com bases
dramáticas. Exposto tal universo, aí sim os conflitos e personalidades poderiam
ser melhores desenvolvidos, mas infelizmente não é o que temos aqui. A
Casa do Fim do Mundo não é um filme ruim, porém, a sensação de que
tinha muito mais a mostrar é inquestionável. Dez ou quinze minutos de cenas
adicionais e bem construídas seriam essenciais para dar uma melhor visão do
conjunto e ainda assim permitir ao espectador tirar suas próprias conclusões
sobre as algumas passagens. Alguns podem dizer que o elenco é o problema, mas
não parece o caso. O fraco desenvolvimento dos personagens é o calcanhar de
Aquiles, o que não deixa de ser estranho visto que Cunningham é o autor do
romance “As Horas”, obra vencedora do prêmio Pulitzer e que originou o longa
homônimo que deu o Oscar de Melhor Atriz para Nicole Kidman. Os perfis dos
rapazes, razoavelmente bem delineados, são prejudicados pela rapidez das cenas
que tornam suas emoções mecânicas, enquanto Clare acaba sendo utilizada apenas
como um acessório para fechar um triângulo amoroso que se desfaz sem causar
grande impacto. De qualquer forma, em tempos em que os relacionamentos amorosos
estão cada vez mais alternativos, vale a pena conhecer histórias do tipo e quem
sabe o próprio espectador preencher os espaços em branco com seus julgamentos e
experiências.
Drama - 97 min - 2004
Nenhum comentário:
Postar um comentário