Nota 4,0 Longa surpreende com mudança de foca na metade, mas transição é mal construída
Um colégio interno instalado em um antigo e isolado prédio, onde as
crianças são comandadas a punhos de ferro e histórias assombrosas percorrem os
amplos corredores. Esse é o cenário ideal para uma trama de horror e Dorm
– O Espírito tenta tirar partido disso. Bem, pelo menos até certa
altura. A trama escrita por Chollada Teaosuwan, Vanridee Pongsittsak e Songyos
Sugmakanan, este último também assinando a direção, narra a adaptação de
Chatree (Charlie Trairat) à rotina de seu novo colégio só para garotos, local
que seu pai acredita que o obrigará a ser mais aplicado nos estudos e o
ensinará a ser um homem de verdade assumindo responsabilidades agora que estará
longe da família. O menino não parece empolgado em ter que mudar de escola em
plena metade do ano letivo, ainda mais quando conhece a Srta. Pranee (Chintar
Sukapatana), a inspetora dos dormitórios que parece ser o terror de todos os
alunos. Em vários momentos, o novato sente a presença de alguém o seguindo ou o
observando e seu pavor aumenta quando os seus colegas começam a contar
histórias de arrepiar sobre o colégio. A que mais lhe impressiona é a de um
garoto que morreu afogado na piscina que ficava nos fundos e que há anos foi
desativada. Dizem que seu espírito aparece no banheiro na calada da noite e que
sua cama, até então guardada no depósito, foi recolocada em um dos dormitórios,
sendo justamente o leito destinado a Chatree. Enquanto se apavora diariamente
por ficar impressionado com as lendas que cercam a escola, o novo aluno
constata que o comportamento estranho de Pranee é verídico. Desde a morte de
Vichiem (Sirachuch Chienthaworn) a inspetora mudou completamente seu
comportamento tornando-se amarga e com o hábito de diariamente ouvir uma música
melancólica enquanto chora observando o fundo de uma gaveta que ela jamais
deixou alguém ver o que tinha dentro. É óbvio que Chatree vai se sentir
instigado a descobrir qual a relação de Pranee com a morte do aluno e para
tanto vai ter a ajuda especial de ninguém menos que o próprio espírito dele.
Existe neste caso uma inversão de expectativas ao mesmo tempo benéfica
e negativa para o longa. Sem dúvidas a produção só chegou a ser lançada no
Brasil, diga-se de passagem, com um péssimo e apelativo título, para aproveitarem
os últimos suspiros da onda de horror orientais que marcou boa parte dos anos
2000. Todavia, certamente irá se decepcionar aqueles que desejam levar altos
sustos com espíritos que gemem, caminham com ar melancólico e com rostos
cobertos por cabelos escorridos. Sugmakanan até procura criar um clima de
tensão convincente e consegue fazer isso sem precisar de cenas impactantes, no
entanto, da metade para o final a obra se transforma em um drama sobre valores
acerca da amizade, o que a tira do lugar comum e de quebra oferece uma bela e
edificante mensagem ao público. O problema está justamente na maneira como essa
transição de gêneros é feita. Não é possível identificar claramente quando
Chatree se dá conta que fez amizade com o fantasma. Não é uma observação
preconceituosa, mas é inegável que as semelhanças entre as crianças dificultam
o pleno envolvimento do espectador que fica no aguardo daquele grito profundo e
olhos esbugalhados do protagonista ao se deparar com um fantasminha, mesmo que
ele seja camarada. Todavia, tal cena é exibida sem clímax. Em determinado
momento os garotos são levados para uma sessão de cinema para verem uma
produção de terror. A curiosidade em vermos o filme dentro do filme sobre um
vampiro asiático acaba nos distraindo a ponto de não percebermos que Vichiem se
aproxima de Chatree que até esboça uma reação de pavor, mas muito tímida. Só
cai a ficha mesmo sobre esta amizade do outro mundo quando um dos meninos
comenta com os amigos que o novato da turma tem o costume de falar sozinho,
quando na realidade já vimos em uma cena anterior ele conversando com o
falecido e até lhe ensinando a jogar videogame (!). Com a parte final destoando
inclusive no visual que adota o tom sépia para marcar a mudança de rumos da
trama, Dorm – O Espírito é um passatempo razoável, desde que você não
seja muito criterioso principalmente com partes técnicas, mas que já
demonstrava o desgaste da fórmula que aproximou o Oriente do Ocidente e a
necessidade de renovação, o que não veio a acontecer.
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