Nota 4 Obra entrega todo o enredo rapidamente sem guardar surpresas e abusando de clichês
Nicolas Cage construiu um nome no mundo do cinema de relativo respeito, mas pouco a pouco a viu seus filmes virarem alvo de críticas e chacotas. Parece que o público já está predisposto a falar mal de suas atuações seja em drama, comédia, romance ou qualquer outro gênero. Está certo que O Sacrifício é um trabalho extremamente irregular, mas a má fama que Cage atrai contribuiu para que o longa fosse massacrado, mas será que alguém parou para refletir que existem produções bem piores para serem achincalhadas? As raízes do projeto demonstram que ao menos ele não foi realizado como um simples caça-níquel. Este suspense é uma refilmagem de O Homem de Palha, longa inglês datado de 1973, um dos filmes prediletos do lendário Christopher Lee, ator que praticamente é sinônimo de cinema de horror. O longa não é dos mais famosos do estilo, mas é cultuado por uma grande legião de fãs, além de ter um conteúdo relevante implícito. Pensando em suavizar o teor sexual da obra original e adicionar mais sustos, mudanças no remake foram necessárias e justamente elas tornaram a produção do diretor Neil LaBute um mero passatempo que só não é totalmente esquecível por conta de seu final que, embora seja fiel a seu antecessor, é atípico para os padrões hollywoodianos. Contudo, não espere sustos sobrenaturais e trama acelerada.
A narrativa, apesar de algumas situações dispensáveis, é propositalmente lenta para envolver o espectador que, apesar de não encontrar surpresas, de certa forma se sente atraído a acompanhar a história até o final, seja para tecer um mínimo elogio ou para juntar mais detalhes que justifiquem suas críticas negativas. Baseado no roteiro original de Anthony Shaffer, o diretor reescreveu praticamente toda a história de Edward Malus (Cage), policial que faz rondas em estradas e que fica arrasado ao ver uma mãe e sua filha morrerem carbonizadas em um acidente. Essa introdução é uma das liberdades da atualização do texto, diretamente não acrescenta nada à trama, mas talvez a culpa que o protagonista carrega o impulsione a aceitar um desafio. Decidido a se afastar do trabalho por um tempo, ele volta à ativa, mais especificamente como uma espécie de investigador, após receber uma carta de uma antiga namorada, Willow (Kate Beahan), que diz que sua filha pequena Rowan (Erika Shaye Gair) está desaparecida e que só ele poderia ajudá-la. Malus então parte para Summersisle, longínqua ilha da costa do Maine, nos EUA, para reencontrar a grande paixão da sua vida, uma mulher que surgiu inesperadamente e o abandonou da mesma forma. Detalhe, a carta não tinha sinais de ter sido enviada pelo correio. Um pedido de socorro praticamente entregue em mãos, mesmo oriundo de um lugar distante, somado ao equivocado e explícito título nacional, quem ainda teria dúvidas de que o policial está prestes a cair em uma armadilha?
Com a charada matada em cerca de quinze minutos, não há muito que se esperar desta produção, mas LaBute ainda se esforça para tentar prender a atenção investindo no clima de mistério da tal ilha. Praticamente como uma sociedade e uma região paradas no tempo, Summersisle tem uma grande população de mulheres que se vestem e cultuam hábitos como camponesas de séculos atrás, os homens são em pouca quantidade e parecem submissos, além do local ser fechado a visitantes, sendo que Malus faz valer a autoridade de sua profissão para adentrar no vilarejo que chama a atenção por suas construções idílicas e linguajar antiquado de seus habitantes. A cada pessoa que cruza seu caminho, o policial tenta descobrir alguma pista sobre o desaparecimento de Rowan, mas ninguém sabe de nada. Ou será que não querem falar? É até ensaiada a possibilidade de que Willow estaria louca e imaginando ter uma filha, mas todos os elementos narrativos e visuais denunciam a fragilidade do argumento e apontam para uma só explicação: Malus foi atraído para este remoto lugar, mesmo que a primeira vista a comunidade se mostre avessa a presença de estranhos. Desprovido de elementos surpresas, é natural que a trama se torne enfadonha e sem atrativos ao espectador que não consegue nem mesmo criar vínculos com os personagens, tampouco se envolver com a trama principal, afinal está claro que o protagonista está sendo feito de bobo. Só ele não percebe, talvez por ainda nutrir alguma esperança de poder reatar laços afetivos com seu antigo amor e a solução do caso do desaparecimento ajudaria bastante.
Para fanáticos pelo gênero, também não deve surpreender os motivos deste homem ter sido aliciado, basta saber que os habitantes da ilha cultuam uma religião pagã e tem como forma de sobrevivência a agricultura. Para uma boa colheita é preciso... Ah, você já sabe! Apesar da previsibilidade, com a trama agregando elementos que remetem a Colheita Maldita e A Vila, por exemplo, LaBute compensa com a construção de uma atmosfera desolada na qual se destacam as belas imagens da natureza que evidenciam a reclusão da ilha e a fotografia e a direção de arte em tons ocres e amarelados que acentuam a sensação de estar em um lugar guiado por regras e conceitos ultrapassados. O longa original tinha como protagonista um cristão fervoroso que ficava abismado com o modo de vida dos habitantes de um lugar isolado onde uma seita pregava a liberação sexual, uma temática polêmica para os anos 1970. A fim de conseguir uma censura mais branda para seu trabalho, LaBute eliminou por completo os rituais, praticamente orgias em que mulheres nuas dançavam músicas medievais, e procurou investir em um conteúdo mais familiar, porém, talvez sem perceber, acabou com um emaranhado de clichês em mãos. A atualização do texto é extremamente feminista, retratando uma sociedade matriarcal onde as mulheres costumam se chamar de irmãs e tem uma líder, Summerslsle (Ellen Burstyn), que revela os fundamentos desse mundo a parte, uma espécie de refúgio que seus antepassados criaram para proteger as novas gerações dos podres da modernidade, de tudo aquilo que corrompe o ser humano.
Adeptos da apicultura, outra atividade bastante comum por lá, o grupo se organiza como as abelhas, sendo que os machos não passam de meros reprodutores e trabalhadores, apenas as fêmeas tem poder de tomar decisões. Summerslsle atua como guia política e espiritual das demais mulheres e é a responsável por organizar um tradicional ritual oferecido aos deuses que cultuam em troca dos pedidos de uma boa colheita. É interessante observar o contraste do protagonista nesta situação. Em seu lugar de origem, Malus tem uma profissão que reforça o caráter de superioridade do macho na sociedade, mas quando se depara com uma comunidade às avessas seu distintivo e seu terno escuro não implicam autoritarismo algum e o medo desta afronta o torna um homem vulnerável. Se há alguma mensagem em O Sacrifício talvez seja justamente em relação a essa guerra dos sexos, o velho medo masculino das mulheres dominarem e suas funções sejam resumidas à procriação. Também serve para cutucar os adeptos exagerados de crenças e religiões que acabam ficando cegos e surdos para o que acontece a sua volta, não percebendo a manipulação que sofrem, algo que fica bem claro pela personagem Honey (Leelee Sobieski), claramente uma ferrenha defensora dos costumes ancestrais. No geral, a proposta em si tinha tudo para render um bom filme, mas o problema é a condução do roteiro que acaba arrancando mais risos ou roncos do espectador do que soluços de tensão. De qualquer forma, a conclusão pode ser um deleite para quem odeia Cage.
Suspense - 102 min - 2006
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