Nota 10 Temática do sucesso a qualquer preço ganha cores e brilho em musical sensual e lúdico
Os musicais têm conseguido reencontrar seu público e conquistar novas plateias. O gênero estava há décadas estagnado e sem muita apreciação por parte dos espectadores comuns e críticos, mas Hollywood nunca o esqueceu. Muitos espetáculos que aliavam perfeitamente dramaturgia, dança e cantoria bombavam nos palcos mundo a fora e chamavam as atenções de produtores que desejavam levar toda aquela magia para as telonas, mas faltava alguém se arriscar primeiro para em seguida outros apostarem as fichas. Assim, um ano após os diversos prêmios e a excelente repercussão de Moulin Rouge – Amor em Vermelho, chegava diretamente da Broadway para as telonas, com muito fôlego e brilho, Chicago, um delicioso musical vencedor de dezenas de prêmios. Criado pelo famoso diretor e coreógrafo Bob Fosse, o mesmo de Cabaret e All That Jazz, dois grandes sucessos nos palcos e nos cinemas da década de 1970, muita gente achava impossível levar a história de duas mulheres em busca da fama a qualquer preço para as telonas devido aos diversos números de dança e troca de cenários e figurinos. O então estreante na direção de cinema Rob Marshall aceitou o desafio e saiu vitorioso em parceria com o roteirista Bill Condon.
Claro que os produtores temiam a rejeição por ser um musical, principalmente pelos jovens, mas confiaram que uma dupla de belas e talentosas atrizes como protagonistas seria a solução. E assim aconteceu. Apesar de um ótimo elenco coadjuvante, a alma do longa se deve aos esforços de Catherine Zeta-Jones e Renée Zellweger, respectivamente Velma Kelly e Roxie Hart, ambas obcecadas pelo sucesso e que vão parar atrás das grades. A primeira se apresentava em uma casa noturna junto com a irmã, mas acabou presa após cometer um duplo assassinato contra o namorado e sua parceira de palco. A outra, sonhando em ser famosa, acaba confiando em um mulherengo que lhe promete facilitar seu caminho ao estrelato e quando descobre que tudo era mentira comete o ato impensado de matá-lo. Na cadeia, a vida das presidiárias é mais tranquila quando elas contribuem financeiramente com Mama Morton (Queen Latifah), a chefe das carcereiras, esta que é a ponte para chegarem até Billy Flynn (Richard Gere), um advogado que consegue vencer quase todos os casos que caem em suas mãos, desde que lhe paguem muito bem e sempre se aproveitando ao máximo das situações. No momento, ele divide suas atenções entre Velma e Roxie, clientes que não parecem tão preocupadas em se livrar da prisão, mas sim em continuar em evidência na mídia... Isso até uma próxima assassina surgir e roubar os holofotes para si.
Costurando a trama, temos interessantes reviravoltas, boas tiradas de humor e deliciosos números musicais com edição frenética e muito bem fotografados e iluminados. A trama é baseada em fatos reais acerca de uma jovem aspirante a dançarina e atriz que matou o amante e seu caso ganhou as manchetes de todos os jornais impressos e espaço até nas rádios em meados da década de 1920, a mesma retratada no filme. Anos depois, o que era verídico ganhou toques fantasiosos ao receber uma versão teatral pelas mãos da repórter responsável pela cobertura dos fatos, papel representado por Christine Baranski como a sensacionalista Mary Sunshine. Apaixonado pela obra, Fosse escreveu seu próprio livro a respeito do caso e conseguiu uma fracassada adaptação para a Broadway, mas por anos acalentou o desejo de uma versão cinematográfica, inclusive cogitando Madonna para ser uma das protagonistas, porém, faleceu sem realizar seu sonho. O projeto teatral foi resgatado com sucesso em 1996 e reacendeu o interesse de produtores e, surpreendentemente, o que já era bom ficou melhor. Marshall aproveitou o roteiro e as canções do espetáculo e conseguiu manter o clima teatral para a sua adaptação. Grande parte das cenas de dança faz parte da imaginação de Roxie, transportando as situações reais para um palco imaginário onde não há limites, podendo um tribunal se transformar em uma arena de circo e um enforcamento ser comparado a um show destinado ao deleite da imprensa.
O recurso do teatro vaudeville, um tipo de comédia na qual os personagens não têm aprofundamento psicológico e músicas são inseridas intermediando a trama, é usado da primeira a última cena com muita precisão e eficiência. Muita gente repudia os musicais justamente pelo recurso de substituir diálogos por canções que misturam versos rimados com outras frases que traduzem ações, pensamentos ou sentimentos dos personagens, mas aqui a coisa é diferente. A passagem das cenas normais para as de dança são muito naturais e convidam o espectador a sonhar junto com os personagens em números de canto e dança muito bem executados e que proporcionam um deleite visual indescritível. Destacam-se a sequência de abertura com Velma deslumbrante e mostrando porque sua intérprete foi selecionada para o elenco (Zeta-Jones é protagonista também, mas nas premiações ficou classificada como coadjuvante para aumentar suas chances de vencer); a apresentação da personagem Mama, com todos os dotes vocais possíveis de Latifah que até então parecia fadada a fazer comédias bobocas; e a última cena, com uma deliciosa melodia e um senso de humor incrível. Gere e Zellweger tiraram a sorte grande e conseguiram bons números, como o do ventríloquo e o sapateado intermediando o julgamento da loirinha com cara de anjo. É impossível descrever tais cenas, só vendo para compreender, até porque elas mesclam fantasia e realidade de uma forma formidável, caracterizando-se como mais um recurso narrativo e de humor visual de criatividade ímpar.
É importante ressaltar que os números musicais não são inseridos apenas para divertir e dar um colorido à obra, mas são partes essenciais da narrativa e o grande trunfo do longa. Sem eles, provável que o roteiro fosse apenas razoável ou nem isso. A ascensão ao estrelato de Roxie, por exemplo, só funciona por causa do bom humor impresso nas canções, danças e elementos visuais que servem para expor rapidamente sua mudança de vida repentina. Só cremos na eficiência do advogado Flynn graças a apresentação de suas armas (lábia e charme) em um agradável número em que ele é a estrela rodeado de belas mulheres que sucumbiram ao seu poder de sedução. Claro que se analisarmos os personagens e situações com enfoque realista nada se tornará crível e começaremos a detonar o trabalho. É preciso se embriagar da atmosfera boêmia e circense que Marshall nos oferece para curtirmos plenamente Chicago, um grande espetáculo cinematográfico que conta com uma parte técnica invejável, mas que não permite que suas forças se concentrem apenas em cenografia, figurinos, iluminação ou afins. A importância deste trabalho está na dedicação de um elenco excepcional que não se fez de rogado e vestiu literalmente a fantasia necessária para transportar o público para um ambiente sensual e lúdico no qual a palavra de ordem é diversão. Para aqueles que ainda são resistentes ao gênero musical, esta é uma boa pedida para começar a mudar de ideia.
Vencedor do Oscar de filme, atriz coadjuvante (Catherine Zeta-Jones), edição, direção de arte, figurino e som
Musical - 100 min - 2002
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Um comentário:
Chicago é musical encantador, no entanto não valeu receber aquele Oscar que era destinado ao filme Moulin Rouge que álias, foi o filme que trouxe novamente os musicais em alta.
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