NOTA 8,0 Drama de época tem mensagem atual com protagonista que almeja vida de luxúria e riquezas, mas se decepciona com seu sonho |
O que é ser um nobre? Uma pessoa
que não tem nada para fazer e que gasta seu tempo ocioso com festas,
bebedeiras, comendo de tudo do bom e do melhor, além de estar sempre adornado
por belas roupas e jóias? Talvez esta fosse a visão de Robert Merivel, o
protagonista do drama de época O Outro Lado da Nobreza.
Interpretado pelo ator Robert Downey Jr. em um momento em que os excessos de
sua vida pessoal ainda não chamavam mais a atenção que seus trabalhos, o
personagem é um jovem e talentoso estudante de medicina londrino do século 17,
época em que sua profissão estava sendo muito requisitada, mas a ciência era
desafiada pela superstição visto que até os mais ricos eram em sua maioria
desprovidos de cultura. Merivel acabava se destacando entre seus colegas da
área por sua coragem em realizar tarefas com total naturalidade, como tocar o
coração de um paciente que estava com o órgão exposto, porém, o que ele tinha
de competente também tinha de mulherengo, tanto que até penhorou sua caixa de
instrumentos para pagar suas diversões. Observando atentamente o citado
episódio do toque no coração, o rei Charles II (Sam Neil) resolve chamá-lo para
ajudar a salvar a vida de alguém que está morrendo e sem a qual não pode viver.
Se conseguir curá-la ele se tornaria o médico oficial da corte. Aceito o
desafio, Merivel se espanta ao descobrir que a tal Lulu não é uma mulher e sim
a cadela de estimação do rei. Seus conhecimentos de medicina não eram tão
amplos a ponto de recuperar um animal, mas a sorte estava do seu lado e
repentinamente a paciente dada como morta começa a gemer e a latir. A partir
desse dia sua vida muda completamente deixando sua vocação de lado e permitindo
que a cegueira da ambição o atingisse. Vivendo de luxo, diversão e fazendo
todas as vontades do rei, inclusive diverti-lo com palhaçadas, há quem diga que
o médico se tornou um bobo da corte sem se dar conta, todavia, dos mais bem
pagos. Seu amigo de faculdade, John Pearce (David Thewlis), tentou lhe abrir os
olhos sobre a realidade da vida entre os nobres, mas Merivel preferiu virar as
costas e ir morar no palácio. Mal sabia que a vida de regalias lhe custaria um
preço alto.
Certo dia Merivel fica sabendo
que Celia Clemence (Polly Walker), uma das amantes do rei, está prestes a se
casar, mas se espanta com a calmaria do monarca com a notícia. A tranquilidade
é justificada pelo fato de que o próprio Charles II é quem deseja o casamento,
inclusive escolherá o noivo. Como não pode abandonar a esposa, não consegue
viver com apenas uma mulher e não quer que as amantes fiquem mal faladas, o rei
arranja casamentos para as moças com pessoas de sua confiança e é claro que o
mais novo membro da corte é a bola da vez. Em troca ele ganhará um título de
nobreza e uma casa própria em região afastada do centro de Londres, porém, terá
que abandonar de vez a medicina e prometer jamais tocar na esposa, mantendo um casamento
de fachada. Pearce novamente tenta abrir os olhos do amigo para a armadilha
desta proposta, mas seduzido pela ganância o rapaz aceita. Os primeiros dias de
casado já são atípicos. Celia fica com o monarca enquanto o marido parte
sozinho para a casa nova onde acredita ter a liberdade para se divertir, ainda
mais acobertado pelo Sr. Will Gates (Ian Mckellen), fiel serviçal que lhe
arranja companhia feminina. Quando a esposa chega o clima na casa fica mais
pesado, pois ela se estranha com o marido inicialmente, mas é óbvio que ele irá
se apaixonar e será correspondido. Para não magoar a amante com sua ausência, o
rei envia à casa dela o pintor Elias Finn (Hugh Grant) que deveria pintar um
retrato dela e assim que estivesse pronto entregar-lhe e aproveitando a
situação levar a amada para revê-lo. Merivel sabia que o rei desejava que a
pintura demorasse a ficar pronta, tempo suficiente para desfrutar das demais
amantes, e ele próprio faz o que pode para retardar o término procurando fazer
com que a esposa esqueça o monarca. Como a ambição parecia imperar na época,
Finn decide apostar na recompensa a sua lealdade e conta a Charles II o que
realmente estava acontecendo para atrasar tanto a entrega do quadro. Eis que a
vida do fanfarrão muda completamente. Merivel perde tudo o que conquistou e
precisa voltar a exercer a medicina longe da nobreza, mas a Peste está se
espalhando pela Inglaterra e isso o aflige.
Há males que vem para o bem.
Longe da luxúria, das riquezas e da vida de ilusões palaciana, Merivel começa a
se tornar uma pessoa melhor. Ele passa a atender em um sanatório cuidando de
pessoas com problemas mentais e aos poucos recupera a sua competência e o
prazer em exercer a medicina, força que aumenta ainda mais quando se apaixona
por Katherine (Meg Ryan), uma das internas com uma triste história em seu
passado. Contudo, o final feliz para a vida deste homem está longe de acontecer
e muitas emoções ele ainda vivenciará. A narrativa criada por Rupert Walters
segue um caminho bastante previsível, mas consegue envolver o espectador graças
a sua perfeita cadência e ao conjunto de elementos reunidos pelo diretor
Michael Hoffman, de produções de estilos distintos como Um Dia Especial e O Clube do
Imperador. Além de um elenco de primeira, também temos em cena imagens de
encher os olhos, mérito da equipe de fotografia, direção de arte e figurinos,
estes dois últimos merecidamente premiados com o Oscar. Surpreende o fato do
longa abordar de forma branda os podres da vida dos nobres, uma temática rica
para uma exploração mais polêmica, mas Hoffman estava mais interessado em criar
um fiel retrato da época com o básico para o espectador compreendê-la. O título
original “Restoration” tem um duplo sentido. Na época em que a trama se
desenvolve, Charles II voltava ao trono da Inglaterra após mais de uma década
de governo do puritano Oliver Cromwell. Era um tempo literalmente de
restauração do poder da monarquia, mas somada a descobertas científicas, novas
manifestações artísticas e a explosão da luxúria, ainda que os desastres
naturais, a Peste e as práticas médicas arcaicas se fizessem presentes para
atenuar a euforia. Por uma restauração também passa o protagonista que após
experimentar um mundo de sonhos percebeu que ele não é eterno e que é preciso
se anular praticamente para sobreviver dentro dele. A decepção com a nobreza
acabou sendo benéfica transformando-o em um ser humano melhor, mais caridoso e
mais centrado em suas ações. Ninguém é bom completamente e também é
praticamente impossível ser uma ovelha negra em tempo integral. O que temos é a
opção de escolher o caminho do bem ou do mal e nessa decisão muitos fatores
influenciam, principalmente as más companhias. Trazendo a tona a boa e velha
lição de moral a respeito da preservação de valores, O Outro Lado da Nobreza,
mesmo sendo uma produção de época, traz uma mensagem perfeitamente
apreciável para a contemporaneidade, tempos em que ter é mais importante do que
ser.
Vencedor do Oscar de direção de arte e figurinos.
Drama - 117 min - 1995
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