NOTA 7,5 Longa atípico promove a reflexão através de três tramas paralelas a respeito da guerra ao terror, mas excesso de diálogos incomoda |
Redford.
Streep. Cruise. Usando os sobrenomes de seus principais nomes do elenco para a
publicidade, Leões e Cordeiros prometia ser um daqueles filmes que marcam
época e conquistam todos os prêmios, contudo, revelou-se uma grande frustração
para o público que, desculpe o trocadilho, sentiu-se comprando gato por lebre.
É compreensível seu fracasso de repercussão entre os populares, assim como
também é justificável a considerável quantidade de elogios que a obra colheu da
crítica especializada. A primeira coisa que é preciso saber é que este é um
filme diferente, um estilo narrativo e uma proposta incomuns no cinema
americano. Será mesmo? Há muitas pequenas produções ianques que não tem medo de
mexer em feridas, mas ainda é preciso que nomes fortes ou o apoio da mídia
ajudem tais mensagens a chegarem ao grande público. Robert Redford, um dos
responsáveis por atrair os holofotes para o cinema independente, quis neste
caso chamar a atenção das pessoas para o rumo que os EUA estava tomando. O ator
parecia estar disposto a causar barulho e espantar os fantasmas da fria
recepção que teve seu último trabalho como diretor, Lendas da Vida, filmado sete anos antes, e adotou como temática a
discussão política sobre a participação de seu país na guerra contra o terror
priorizando a reflexão. Todavia, justiça seja feita, o pontapé inicial do
projeto foi dado pelo roteirista Matthew Michael Carnahan, de O Reino, que teve inspiração para
escrever quando certo dia assistindo aos noticiários da TV se indagou de que
forma as pessoas estavam percebendo os acontecimentos da guerra no Iraque sendo
que as notícias volta e meia estavam sento entrecortadas por fatos esportivos
entre outros. Provavelmente apenas um pequeno número de telespectadores
conseguiria refletir com precisão sobre o assunto e era muito importante que
tal temática se popularizasse. Inicialmente pensado como um roteiro para o
teatro, o que justifica o excesso de diálogos e pouquíssimas mudanças de
cenários, o texto chegou às mãos de Tom Cruise, então iniciando sua carreira
como manda-chuva em uma produtora de cinema. Bem relacionado, conseguiu
facilmente que Redford se interessasse em dirigir e atuar e este agregou Meryl
Streep ao projeto, sua amiga de longa data. Longe de ser um entretenimento
qualquer, esta é uma obra verborrágica e que exige atenção redobrada do
espectador, inclusive mais de uma sessão para aqueles que tiverem a
inteligência de perceberem que a falta de ação é substituída pela abundância de
conteúdo e interpretações fortes e marcantes. Foi uma tentativa arriscada de
Cruise que assumiu um estúdio de cinema estreando com um projeto claramente de
baixo potencial para bilheterias, embora seu título possa indicar algo
interessante. Força versus submissão? Na realidade a junção dessas palavras é
uma alusão a impressão que alemães tinham de suas posições em relação aos
soldados britânicos na Primeira Guerra Mundial, o que já indica que essa obra
faz mais jus a atenção de aficionados por História que certamente sabem
identificar as raízes dos problemas contemporâneos no passado.
O filme é
dividido em três tramas que são desenvolvidas paralelamente e com alguns pontos
em comum. Os trechos de cada uma, basicamente grandes diálogos entre dois
personagens com visões opostas sobre os problemas da guerra ao terror, são
apresentados de forma alternada num minucioso trabalho de edição, afinal de
contas é a mínima mudança de cenários que instiga a curiosidade do espectador a
querer acompanhar a obra até o final, mas não espere uma conclusão arrebatadora
e sim um final reflexivo. A grande sacada é mostrar pontos de vista
diferenciados sobre a guerra, englobando o olhar da juventude, o acadêmico, o
da mídia, o político e o dos soldados que vivem na pele os horrores do conflito.
A primeira história apresentada acontece em Washington no gabinete do senador republicano
Jasper Irving (Cruise) que pretende lançar uma nova estratégia para a guerra
dos EUA contra o Afeganistão e para tanto precisa do apoio da mídia para
divulgá-la. Em tom de bate-papo informal ele tenta convencer a conceituada
jornalista Janine Roth (Streep), contrária a guerrilhas bélicas, a redigir uma
matéria favorável ao plano. Muito ambicioso, caso a estratégia de guerra desse
certo, este seria um grande passo para Irving se candidatar à presidência. A
tática idealizada pelo senador seria o emprego de pequenos grupos de combates
em pontos estratégicos do território afegão. Em um outro gabinete, só que de
uma instituição de ensino na Califórnia, acompanhamos Stephen Malley (Redford),
um professor idealista, tentando dar novo rumo à vida de Todd (Andrew
Garfield), um de seus alunos mais brilhantes, mas que nos últimos tempos parece
desinteressado nos estudos. Usando exemplificações envolvendo o conflito armado
contra o terrorismo, o experiente educador quer provar a seu aluno que não é
somente manejando uma arma que se faz um futuro melhor, pelo contrário. Muitos jovens
largaram os estudos para se alistarem no exército, o que desmotivou Todd a
acreditar no poder da educação. Por fim, fazendo a ponte entre as duas tramas,
conhecemos Ernest (Michael Peña) e Arian (Derek Luke), soldados que estão
lutando nas montanhas geladas do Afeganistão e buscam agora entender o porquê
de terem escolhido a carreira militar mesmo com todos os pontos negativos que
ela implica. Ex-alunos de Malley, este que tentou desencorajá-los de irem para
a guerra, a dupla já faz parte da tática de guerrilha pensada por Irving, mas
se encontra em perigo quando é cercada pela milícia Talebã. Redford, com um
currículo com diversas obras que discutem política e poder da mídia, inclui
então mais um projeto do tipo à lista. A obra mostra como o jornalismo pode
influenciar e ser influenciado, a importância da persuasão para um político que
vende com convicção a vitória norte-americana como forma de reafirmar a
soberania de sua nação e o egoísmo e a ignorância da juventude que prefere
cruzar os braços e ver o mundo ruir esquivando-se da responsabilidade de fazer
algo para impedir tal catástrofe. Embora enraizado em questões a respeito dos
EUA, é fato que o conteúdo quando bem assimilado é de caráter universal. No
Brasil também somos influenciados pela mídia, políticos tentam vender a imagem
de um país vencedor mesmo quando passamos por crise e nossa juventude está mais
preocupada com baladas e consumismo (ok, muitos foram as ruas fazer
manifestações, mas certamente boa parte por causa da euforia do “oba-oba”).
O roteiro
propõe uma reflexão sobre o papel e a responsabilidade do governo, da mídia e
até dos próprios populares nos rumos que a guerra contra o terrorismo tomaria,
consequentemente fatos que também influenciariam o futuro dos norte-americanos.
Em tempos em que o enredo de um filme é talvez um dos últimos quesitos a serem
levados em conta até mesmo pelas produtoras que visam lucro rápido e abundante,
reflexos negativos da sedução do culto exagerado à imagem, é louvável a coragem
de lançarem uma produção que dê atenção aos diálogos. Só por esse motivo já
valeria uma conferida por curiosidade. É de conhecimento público que muitas
pessoas que trabalham em Hollywood são contrárias à política praticada nos EUA
e até rejeitam a fama de manda-chuva mundial do país. Após um breve recesso
quando todos estavam comovidos com os atentados de 11 de setembro de 2001, a partir
das invasões feitas a países árabes a vontade de expor os reais pensamentos
voltou a pulsar entre atores e diretores e assim começou uma onda de produções
independentes que refletem a indignação da classe artística, mas infelizmente a
maioria acabou restrita a um pequeno público ou teve seu poder de fogo
diminuído pela crítica ser suplantada pela parte dramática das histórias. Leões
e Cordeiros surgiu com proposta diferente. Não apresenta soluções, não
têm vilões e mocinhos e o pouco que sabemos dos personagens é o que vemos em
cena a partir de suas falas e posturas. O grande objetivo é colocar a mente do
espectador para funcionar, algo raro no cinema norte-americano atual que mesmo
quando tenta trazer uma dose extra de intelectualidade às produções acaba
deixando com que o glamour se sobressaia. Redford adotou uma estética
praticamente sem firulas. Usando basicamente sua câmera no esquema plano e
contra-plano (foco em um personagem alternado com a imagem do outro), os únicos
momentos em que o longa ganha certo movimento são nas sequências dos soldados
em ação no Afeganistão, portanto, não é de se estranhar a repulsa do grande
público. Exaustivo visualmente, a aversão certamente ainda é maior para aqueles
que, não sendo preconceituoso, são intelectualmente menos privilegiados.
Desconhecer o contexto político dos EUA compromete bastante a compreensão do
enredo parecendo que o longa só existe para as platéias norte-americanas, mas é
sempre bom lembrar que como grande potência qualquer acontecimento na terra dos
ianques pode impactar outros países. Para
ter tal conhecimento, pelo menos um mínimo, basta acompanhar os noticiários,
mas não se sinta desprestigiado caso não consiga. Tenha certeza que milhões de
estudantes também estão alheios ao conflito da guerra entre os EUA e o
Afeganistão, resumindo o problema a uma desculpa para serem produzidos filmes
que certamente eles só acompanharão forçados a realizar algum trabalho escolar,
salvo nos casos em que possam ser superproduções protagonizadas por Will Smith,
Jamie Foxx, Colin Farrell... A trama pouco importa. O que vale é “o cara” que
encabeça os créditos. Cruise, Streep e Redford infelizmente podem soar como
peças de museu para novas gerações.
Drama - 91 min - 2007
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