Nota 10 Obra não apenas diverte, como também é um registro afetivo, histórico, social e cultural
Hoje quando se fala em filme de aventura para toda a família os títulos que surgem em nossas mentes certamente são aqueles protagonizados por super-heróis ou então as narrativas desenvolvidas em reinos fantásticos onde tudo pode acontecer. Alguns deles são realmente excelentes, mas não há como negar que a maioria só existe para colocar em teste alguma nova tecnologia. É claro que se você questionar alguma criança ou adolescente, já impregnados dos vícios negativos da geração imagem é tudo, vão dizer que tais produções são excepcionais e que os efeitos especiais são essenciais. Por outro lado, se a mesma questão for feita a quem viveu intensamente a década de 1980 a resposta tende a ser diferente. Muitas produções da época se tonaram icônicas, filmes que misturavam diversos gêneros, predominando a aventura, mas que além de oferecerem um visual arrebatador também continham histórias que dialogavam plenamente com seu público-alvo que, ao mesmo tempo que procurava manter o espírito infantil vivo, também era obrigado a amadurecerem precocemente assumindo responsabilidades, mesmo que simples tarefas do dia-a-dia. Os Goonies se encaixam perfeitamente nessa explanação e não faltam justificativas para atestar sua importância, não só afetiva, mas também histórica e cultural.
Com produção e roteiro assinados por Steven Spielberg e direção de Richard Donner, dois nomes emblemáticos da cinematografia oitentista, este é um daqueles filmes únicos que surgem de tempos em tempos para marcar época. Em cada cena estão impressos importantes elementos que ajudaram a caracterizar a tão saudosa época como a trilha sonora, os figurinos, hábitos de consumo e, claro, a ingenuidade e o companheirismo inerente a qualquer grupo de jovens que se reuniam em uma espécie de clubinho param se divertirem, compartilharem sonhos e ajudarem uns aos outros. Coroteirista, Chris Columbus, que futuramente criaria a franquia Esqueceram de Mim, já demonstrava conhecer bem o universo infantil e criou um roteiro bem simples e ingênuo, mas com ótimos momentos e gags. Em uma narrativa de cerca de duas horas de duração, está sintetizado o que era ser criança nos anos 1980. As brincadeiras, os sonhos, os personagens imaginários, as dúvidas e medos, tudinho que povoava a mente e ocupava o cotidiano da gurizada das antigas está registrado neste longa. A trama tem como ponto de partida um problema real e que até hoje é um incômodo social. Com os prédios e casas antigas do bairro de Goondocks estando prestes a serem demolidos e os residentes em apuros financeiros, o grupo dos Goonies, jovens entre 10 e 16 anos que cresceram juntos, resolve se organizar para evitar que eles sejam forçados a se separem.
Mikey (Sean Astin), Bolão (Jeff Cohen), Bocão (Corey Feldman), Data (Jonathan Ke Quan), Brand (Josh Brolin), Andy (Kerri Green) e Stef (Martha Plimpton) por acaso encontram um mapa do tesouro no porão da casa de um deles. Essa seria a solução para seus problemas, pois poderiam salvar suas casas quitando os débitos. Eles partem em busca do tesouro escondido pelo lendário pirata Willy Caolho, porém, acabam indo parar em em um restaurante capenga que na verdade é o esconderijo dos Fratelli, uma família de bandidos que também vai se interessar nessa busca. Assim, começa uma verdadeira aventura dos Goonies que terão que enfrentar, além de Jake (Robert Davi), Francis (Joe Pantoliano) e Mama Fratelli (Anne Ramsey), diversas armadilhas em cavernas e túneis subterrâneos deixadas pelo próprio pirata. O humor se faz presente em momentos pontuais, como as tentativas frustradas de Dado testar suas mirabolantes invenções para salvar o grupo de diversas situações de apuros, reforçando que os garotos são destemidos e corajosos, mas não super-heróis infalíveis. E não se pode deixar de mencionar divertidas sequências e diálogos protagonizadas por Bocão que tem um talento natural para se meter em encrencas, como ficar preso em uma câmera frigorífica na companhia de um cadáver ou encontrar por um acaso o desfigurado e mentalmente debilitado Sloth (John Matuszak) que, apesar de ser um membro do clã dos Fratelli, é um doce de pessoa e vive enclausurado e tratado como uma aberração.
Logo no início, a turma dos Goonies é apresentada deixando evidente características das personalidades de cada um deles, além de tomarmos conhecimento do conflito que dará início a toda a aventura da garotada: o progresso desenfreado das cidades visando lucros sem levar em consideração questões de ordem pessoal, característica marcante dos longas da época que já apresentavam sociedades desequilibradas, até porque eram os tempos da explosão do consumismo, do crescimento da violência, da afronta a certas regras tradicionais, das famílias separadas e dos pais e mães trabalhando desesperadamente para manter padrões de vida acompanhando com certa distância o crescimento dos filhos. É nesse mundo e época caóticos e de transição de costumes que a trama se desenvolve, mas ainda assim parece que os Goonies viviam em uma realidade paralela na qual a fantasia ainda estava viva, os vizinhos se ajudavam mutuamente e era possível brincar na rua até tarde da noite sem grandes preocupações. O longa então retrata de forma eficiente a transição da infância para a adolescência, mantendo resquícios de infantilidade nos personagens, mas em alguns deixando aflorar novos sentimentos, como o interesse amoroso. Aliás, as duas únicas garotas do grupo entraram por um acaso, já que os Goonies é um grupo predominantemente masculino, mas para o roteiro expor mais um dos dilemas inerentes a adolescência era preciso ter esse contraponto, além da inserção de tais personagens colaborar com o humor da trama, com os previsíveis gritos e expressões de espanto.
Além do enredo esperto e ágil que abre espaço para que todos os personagens infanto-juvenis literalmente cresçam e apareçam em meio a diversos desafios, o longa tem o mérito de criar situações de perigo e armadilhas usando trucagens mecânicas e artesanais que dão uma sensação de realidade incrível. Em nenhum momento o espectador é surpreendido por algum efeito especial que destoe do restante, assim mantendo o clima realístico e de suspense. E olha que na época o cinema já usava e abusava do colorido e da agilidade proporcionados pelos efeitos computadorizados, mas Donner preferiu investir em um estilo inverso, portanto, comparações com os truques visuais de hoje em dia é covardia, embora para quem consiga embarcar no espírito aventureiro do longa seja até benéfico o mínimo uso de qualquer ferramenta virtual. Se para o espectador, por exemplo, já é de arrepiar a sequência em que os Goonies encontram o famigerado navio do pirata, imagine a reação do elenco ao se deparar com a gigantesca e detalhada construção em tamanho natural somente no momento da gravação da cena. As expressões de surpresas foram captadas com entusiasmo por Donner instantaneamente, o que nos reforça a ideia de que esta é uma obra calcada em sonhos. Os Goonies continua cativante e com um jeitinho de inocência perdida que precisa ser resgatado com urgência. Para quem nunca vivenciou essa experiência, sempre é tempo para se tornar o mais novo gooniemaníaco.
Aventura - 117 min - 1985
Um comentário:
Este filme me acompanha a vida inteira! Amo esse filme! Parabéns pelo blog e pelos comentários!
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