NOTA 6,0 Mais uma vez a dupla Depp e Burton se unem para um filme bizarro, mas desta vez o resultado decepciona |
Qualquer filme que reúna em seus
créditos o ator Johnny Depp e o diretor Tim Burton automaticamente se torna um
evento que coloca os fãs da dupla em êxtase. É como se tudo que eles fizessem
juntos fosse garantia de sucesso e dinheiro, mas toda regra tem sua exceção. Sombras
da Noite é simplesmente uma obra de puro escapismo cuja lembrança
após os créditos finais não deve permanecer por muito tempo nas mentes do
espectadores. Todo bom profissional falha ao menos uma vez na vida e chegou a hora
da dupla mais bizarra do cinema dar sua escorregadela. O cineasta sempre
surpreendeu pela maneira como construiu fascinantes histórias colocando no
centro das atenções personagens esquisitos ou marginalizados. Também sempre
acertou a mão ao misturar seu estilo gótico ao lúdico e encontrou o parceiro
perfeito para encarnar seus devaneios na figura de Depp. Neste oitavo projeto
em que trabalham juntos todos os ingredientes que deram certo em outras
produções da grife foram reaproveitados, porém, parece que o diretor se deixou
levar pelo fascínio que o material que tinha em mãos lhe exercia e perdeu o
foco, criando um filme que se vale muito mais pelo seu visual que sua narrativa
por vezes enfadonha. Ora esquisita, ora empolgante, de qualquer forma este é um
produto típico da mente insana e criativa de Burton. O título original, “Dark
Shadows”, também era o nome de um seriado de TV produzido entre 1966 e 1971 no
qual Burton baseou-se. A história roteirizada por Seth Grahame-Smith e John
August tem uma pequena introdução para compreendermos o que ocorrerá depois na
década de 1970, mais precisamente em 1972, com um dos descendentes da
tradicional família Collins. Séculos atrás, Barnabas (Depp) e sua noiva Josette
Dupres (Bella Heathcote) foram amaldiçoados pela bruxa Angelique Bouchard (Eva
Green), esta que estava amargurada por não ter seu amor correspondido pelo
rapaz. Para se vingar ela mata a rival e transforma Barnabas em vampiro.
Acusado de crimes que não cometeu, ele é preso em uma tumba por quase dois
séculos e só desperta na agitada época das discotecas. Ele descobre que a
mansão de sua família é habitada agora por alguns de seus parentes de sangue,
mas existem muitos segredos e infelicidade entre eles. A casa está em ruínas e
Barnabas resolve recuperar as finanças e o prestígio de seu clã, ao mesmo tempo
em que tem a chance de reviver seu grande amor do passado, hoje na pele da
governanta Victoria Winters. Porém, Angelique também está na área e disposta a
atrapalhar os planos de seu desafeto.
A família disfuncional e uma
história de amor com inspirações vitorianas são temas comuns na filmografia de
Burton, mas não bastam imagens maravilhosas para segurar um filme, é preciso
ter um texto consistente e nesse quesito o cineasta depende de bons roteiristas
a sua disposição. August já é seu colaborador de longa data, mas Smith estava
estreando como roteirista de cinema e sofreu com as pressões da correria das
filmagens, as correções no roteiro feitas no próprio set e principalmente para
tentar condensar o universo de um seriado que durou cinco anos em apenas duas
horas, o que explica o vai e vem de núcleos e o entra e sai de personagens,
como as participações de Christopher Lee, uma lenda do cinema de horror, e de
Jonathan Frid, o intérprete original de Barnabas no programa de TV. Aliás,
curiosamente, o protagonista do longa demorou mais de 200 episódios para surgir
na série original, sendo criado para alavancar a audiência que andava baixa.
Mas voltando a falar dos problemas da narrativa, quando Barnabas encontra seus
descendentes parece que teremos pela frente um empolgante embate de costumes,
além é claro do óbvio estranhamento que lhe causaria o contraste de ambientação
confrontando o velho e o moderno (para os padrões da época), mas o excesso de
subtramas não deixa a espinha dorsal do enredo fluir bem. Claro que algumas
piadas são muito boas envolvendo o ar aristocrático e romântico do “mocinho”
versus a expansividade conquistada pela geração dos anos 70, o que implica em
uma trilha sonora pontuada por sucessos da era disco e referências a marcas de
produtos que fizeram história, como uma brincadeira com o logotipo do
McDonald’s, mas no geral um sorriso amarelo deve dominar o espectador. Com o
humor ácido presente bem mais nos diálogos do que em imagens, crítica e público
receberam de forma tímida esta produção. O fato de ser baseada em uma série de
TV que hoje em dia poucos ouviram falar, ao menos no Brasil, não é a principal
causa da repulsa. Como já dito, o retorno da dupla Burton e Depp já seria o
suficiente para garantir o sucesso, mas como a primeira impressão é a que fica
muitos que assistiram logo na estreia trataram de esfriar os ânimos dos demais
quanto às expectativas desta nova forma de ver a figura do vampiro. Em tempos
em que os dentuços conquistam as plateias femininas com discursos melosos, o
cineasta quis fazer a sua visão romântica deste monstro clássico.
Como sempre Depp se sai muito bem
como o vampiro que se vê obrigado a cometer atos cruéis contra a sua vontade,
mas necessários para atender aos anseios de sua condição de morto-vivo. Seu
personagem é propositalmente estereotipado, assim como todos os outros, um
clichê comum até hoje nas séries de TV. O problema é que o que funciona em um
veículo, no outro deixa a desejar. Temos nesta caso um elenco talentoso se
esforçando para deixar suas marcas em poucos minutos de cena, como Michelle
Pfeiffer e Helena Bonham Carter, mas no frigir dos ovos o que acaba nos
chamando a atenção é o visual extravagante de suas vestimentas e dos cenários,
sendo o mais utilizado o interior da mansão dos Collins. Por outro lado, além
de Depp, Eva Green também se sobressai com sua sedutora e maquiavélica
feiticeira. Lembrando o estilo das peças teatrais farsescas, onde o exagero e o
confronto de personagens são essenciais, e apostando em efeitos especiais tradicionais
e simples, Sombras da Noite poderia ser um trabalho que
sintetizaria o estilo Burton de fazer cinema, mas infelizmente o resultado não
está à altura. Ora voltando os holofotes para um personagem, ora para outro,
depois construindo um gancho interessante, mas logo o esquecendo de
desenvolver, o calcanhar de Aquiles desta produção é sem dúvida seu roteiro
cheio de altos e baixos que mais parece uma colagem de pequenas cenas escritas
aleatoriamente que nos levam a uma conclusão frustrante. Todavia, como puro
divertimento, essa comédia de humor negro até que funciona bem. Com o tempo, a
obra tem chances de ser aquele tipo de filme que você sabe que é ruim, mas
ainda gosta dele. É difícil descrever, mas para quem está acostumado as
bizarrices de Burton sabe que um trabalho seu nunca é totalmente desperdiçado e
que certamente suas intenções seriam as melhores possíveis. É uma pena que
muitos diretores podem até conseguir produzir filmes sozinhos ou ter certa
autonomia nos projetos, mas ainda dependam de grandes empresas para financiar
filmagens e fazer a distribuição dos mesmos, assim tendo que se sujeitarem as
pressões para resultados de bilheteria imediatos. Resumo da ópera neste caso:
fracasso nos cinemas, provavelmente fracasso em outras mídias. De qualquer
forma, para um passatempo indolor, vale uma espiada.
Comédia - 113 min - 2012
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