segunda-feira, 10 de agosto de 2015

SOMBRAS DA NOITE

NOTA 6,0

Mais uma vez a dupla Depp
e Burton se unem para um
filme bizarro, mas desta vez
o resultado decepciona
Qualquer filme que reúna em seus créditos o ator Johnny Depp e o diretor Tim Burton automaticamente se torna um evento que coloca os fãs da dupla em êxtase. É como se tudo que eles fizessem juntos fosse garantia de sucesso e dinheiro, mas toda regra tem sua exceção. Sombras da Noite é simplesmente uma obra de puro escapismo cuja lembrança após os créditos finais não deve permanecer por muito tempo nas mentes do espectadores. Todo bom profissional falha ao menos uma vez na vida e chegou a hora da dupla mais bizarra do cinema dar sua escorregadela. O cineasta sempre surpreendeu pela maneira como construiu fascinantes histórias colocando no centro das atenções personagens esquisitos ou marginalizados. Também sempre acertou a mão ao misturar seu estilo gótico ao lúdico e encontrou o parceiro perfeito para encarnar seus devaneios na figura de Depp. Neste oitavo projeto em que trabalham juntos todos os ingredientes que deram certo em outras produções da grife foram reaproveitados, porém, parece que o diretor se deixou levar pelo fascínio que o material que tinha em mãos lhe exercia e perdeu o foco, criando um filme que se vale muito mais pelo seu visual que sua narrativa por vezes enfadonha. Ora esquisita, ora empolgante, de qualquer forma este é um produto típico da mente insana e criativa de Burton. O título original, “Dark Shadows”, também era o nome de um seriado de TV produzido entre 1966 e 1971 no qual Burton baseou-se. A história roteirizada por Seth Grahame-Smith e John August tem uma pequena introdução para compreendermos o que ocorrerá depois na década de 1970, mais precisamente em 1972, com um dos descendentes da tradicional família Collins. Séculos atrás, Barnabas (Depp) e sua noiva Josette Dupres (Bella Heathcote) foram amaldiçoados pela bruxa Angelique Bouchard (Eva Green), esta que estava amargurada por não ter seu amor correspondido pelo rapaz. Para se vingar ela mata a rival e transforma Barnabas em vampiro. Acusado de crimes que não cometeu, ele é preso em uma tumba por quase dois séculos e só desperta na agitada época das discotecas. Ele descobre que a mansão de sua família é habitada agora por alguns de seus parentes de sangue, mas existem muitos segredos e infelicidade entre eles. A casa está em ruínas e Barnabas resolve recuperar as finanças e o prestígio de seu clã, ao mesmo tempo em que tem a chance de reviver seu grande amor do passado, hoje na pele da governanta Victoria Winters. Porém, Angelique também está na área e disposta a atrapalhar os planos de seu desafeto. 

A família disfuncional e uma história de amor com inspirações vitorianas são temas comuns na filmografia de Burton, mas não bastam imagens maravilhosas para segurar um filme, é preciso ter um texto consistente e nesse quesito o cineasta depende de bons roteiristas a sua disposição. August já é seu colaborador de longa data, mas Smith estava estreando como roteirista de cinema e sofreu com as pressões da correria das filmagens, as correções no roteiro feitas no próprio set e principalmente para tentar condensar o universo de um seriado que durou cinco anos em apenas duas horas, o que explica o vai e vem de núcleos e o entra e sai de personagens, como as participações de Christopher Lee, uma lenda do cinema de horror, e de Jonathan Frid, o intérprete original de Barnabas no programa de TV. Aliás, curiosamente, o protagonista do longa demorou mais de 200 episódios para surgir na série original, sendo criado para alavancar a audiência que andava baixa. Mas voltando a falar dos problemas da narrativa, quando Barnabas encontra seus descendentes parece que teremos pela frente um empolgante embate de costumes, além é claro do óbvio estranhamento que lhe causaria o contraste de ambientação confrontando o velho e o moderno (para os padrões da época), mas o excesso de subtramas não deixa a espinha dorsal do enredo fluir bem. Claro que algumas piadas são muito boas envolvendo o ar aristocrático e romântico do “mocinho” versus a expansividade conquistada pela geração dos anos 70, o que implica em uma trilha sonora pontuada por sucessos da era disco e referências a marcas de produtos que fizeram história, como uma brincadeira com o logotipo do McDonald’s, mas no geral um sorriso amarelo deve dominar o espectador. Com o humor ácido presente bem mais nos diálogos do que em imagens, crítica e público receberam de forma tímida esta produção. O fato de ser baseada em uma série de TV que hoje em dia poucos ouviram falar, ao menos no Brasil, não é a principal causa da repulsa. Como já dito, o retorno da dupla Burton e Depp já seria o suficiente para garantir o sucesso, mas como a primeira impressão é a que fica muitos que assistiram logo na estreia trataram de esfriar os ânimos dos demais quanto às expectativas desta nova forma de ver a figura do vampiro. Em tempos em que os dentuços conquistam as plateias femininas com discursos melosos, o cineasta quis fazer a sua visão romântica deste monstro clássico.

Como sempre Depp se sai muito bem como o vampiro que se vê obrigado a cometer atos cruéis contra a sua vontade, mas necessários para atender aos anseios de sua condição de morto-vivo. Seu personagem é propositalmente estereotipado, assim como todos os outros, um clichê comum até hoje nas séries de TV. O problema é que o que funciona em um veículo, no outro deixa a desejar. Temos nesta caso um elenco talentoso se esforçando para deixar suas marcas em poucos minutos de cena, como Michelle Pfeiffer e Helena Bonham Carter, mas no frigir dos ovos o que acaba nos chamando a atenção é o visual extravagante de suas vestimentas e dos cenários, sendo o mais utilizado o interior da mansão dos Collins. Por outro lado, além de Depp, Eva Green também se sobressai com sua sedutora e maquiavélica feiticeira. Lembrando o estilo das peças teatrais farsescas, onde o exagero e o confronto de personagens são essenciais, e apostando em efeitos especiais tradicionais e simples, Sombras da Noite poderia ser um trabalho que sintetizaria o estilo Burton de fazer cinema, mas infelizmente o resultado não está à altura. Ora voltando os holofotes para um personagem, ora para outro, depois construindo um gancho interessante, mas logo o esquecendo de desenvolver, o calcanhar de Aquiles desta produção é sem dúvida seu roteiro cheio de altos e baixos que mais parece uma colagem de pequenas cenas escritas aleatoriamente que nos levam a uma conclusão frustrante. Todavia, como puro divertimento, essa comédia de humor negro até que funciona bem. Com o tempo, a obra tem chances de ser aquele tipo de filme que você sabe que é ruim, mas ainda gosta dele. É difícil descrever, mas para quem está acostumado as bizarrices de Burton sabe que um trabalho seu nunca é totalmente desperdiçado e que certamente suas intenções seriam as melhores possíveis. É uma pena que muitos diretores podem até conseguir produzir filmes sozinhos ou ter certa autonomia nos projetos, mas ainda dependam de grandes empresas para financiar filmagens e fazer a distribuição dos mesmos, assim tendo que se sujeitarem as pressões para resultados de bilheteria imediatos. Resumo da ópera neste caso: fracasso nos cinemas, provavelmente fracasso em outras mídias. De qualquer forma, para um passatempo indolor, vale uma espiada.

Comédia - 113 min - 2012 

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