quarta-feira, 19 de agosto de 2015

LULA - O FILHO DO BRASIL

NOTA 4,0

Da infância à fase adulta,
longa enfoca a vida pessoal
do ex-presidente e deixa a
política em segundo plano
As cinebiografias são projetos que podem ser verdadeiras obras-primas ou retumbantes fracassos, tudo depende da forma como o homenageado será retratado, de forma fidedigna ou glorificado ao extremo? Qual versão mais lhe agrada? Geralmente elas são feitas quando as pessoas já faleceram, mas deixaram sua marca na História e esta deve ser registrada cinematograficamente para ser eternizada, porém, tem se tornado cada vez mais comum refazer algumas trajetórias com o homenageado ainda vivo e disponível para ajudar no que for preciso ou para criticar quando as coisas não são mostradas como realmente aconteceram. Contar tais histórias não é fácil, ainda mais quando o protagonista é o próprio presidente da república em pleno exercício de seu governo na época das filmagens. Com Lula – O Filho do Brasil parece que nosso excelentíssimo ex-presidente não interferiu na construção do roteiro ou se intrometeu nas filmagens, mas nos bastidores polêmicas foram geradas. Além do orçamento captado por empresas de renome e ligadas à política, o longa foi feito com uma rapidez inacreditável para os padrões do nosso cinema justamente para ser lançado em um ano eleitoral, época em que Lula se preparava para deixar de ser presidente, mas já preparava um sucessor de seu partido para substituí-lo, ou melhor, uma sucessora, Dilma Rousseff. Os produtores deveriam ter feito o lançamento pelo menos um ano depois da poeira das eleições abaixarem. Obviamente não faltaram pessoas para acusar o longa de ser uma descarada peça publicitária muito bem elaborada em favor de Dilma, já que Lula constantemente estava ao seu lado nos eventos políticos, e a semelhança do título com 2 Filhos de Francisco, sucesso sazonal que contou a emocionante história de vida dos cantores Zezé di Camargo e Luciano, ao invés de atrair público o afastou. Na realidade, este trabalho do diretor Fábio Barreto, de O Quatrilho, não se propõe a discutir a fundo questões políticas, nem mesmo a fundação do PT é abordada, mas sim em emocionar o espectador com a história triste e de superação de um homem do povo que conseguiu chegar ao topo sem perder a humildade, tornando-se um dos políticos mais populares de nossa História, sendo inclusive elogiado fora do país. O que explicaria as baixas bilheterias e a fraca repercussão deste filme? Bem, apesar de muitos aprovarem o governo de Lula, principalmente da classe C que ascenderam socialmente e financeiramente, não são poucos os que o criticavam duramente e sua história de vida já foi pauta dos principais veículos de comunicação, assim não sobrando muitas novidades a serem contadas no cinema. Pior ainda, o trailer de dois minutos acaba por resumir uma narrativa de pouco mais de uma hora e meia.

A fase da vida de Lula em que ele entra de vez no mundo político é descartada pelo roteiro de Daniel Tendler, Fernando Bonassi e Denise Paraná, esta última também responsável pelo livro “A História de Lula – O Filho do Brasil” que inspirou a idéia de realizar o filme. Nem mesmo sua vitória nas urnas foi dramatizada, sendo rapidamente comentada no final com narração em off enquanto passam trechos reais de gravações do dia da posse em seu primeiro mandato. A narrativa linear compreende o período do nascimento de Lula em 1945, em uma miserável região do setor nordestino, até a morte de sua mãe, Dona Lindu, no início dos anos 80. Glória Pires vive o papel materno até sua velhice, sempre ao lado do filho, mas sem se despreocupar de seus irmãos. Na realidade tanto no livro quanto no filme parece que ela é a personagem principal deste drama, talvez porque desconhecemos seu histórico de vida. Ela é o retrato de muitas brasileiras, corajosas mulheres que precisam assumir o papel de chefe de família e que mesmo nos momentos mais difíceis não podem fraquejar para não tirar a esperança de seus filhos em acreditar que um dia terão uma vida melhor. Abandonada pelo marido Aristides (Milhem Cortaz) durante sua sétima gravidez, ela dá a luz à Luiz Inácio da Silva, que imediatamente é apelidado de Lula, e o cria sozinha na companhia de seus outros filhos. Alguns anos depois, o ex volta para Paraíba para buscar Jaime (Maicon Gouveia), o segundo filho mais velho. Em 1952, durante uma terrível seca, Lindu recebe uma carta de Aristides dizendo que se arrependeu e que está disposto a refazer sua vida ao lado da família em São Paulo, a terra das oportunidades. Ao chegarem a Santos descobrem que ele tem uma nova mulher e se entregou de vez ao vício do álcool. Foi Jaime na realidade quem escreveu a carta, pois não aguentava mais os maus tratos do pai. Assim eles partem para São Bernardo do Campo onde Lula, quando adulto interpretado por Rui Ricardo Diaz, perfeito e nada caricato, aproveita todas as oportunidades que surgem, mas não é fácil conseguir trabalho e se manter nele. A narrativa mostra-se um tanto preocupada em ressaltar os dramas vividos por este homem que até existe o uso desnecessário de flashbacks para deixar tudo bem mastigadinho para o público, além da inserção exagerada da trilha sonora melodramática em quase todos os momentos. Quando a trama chega à época da ditadura militar, seguida pelos tempos de greves dos trabalhadores na região do ABC paulista, Barreto acerta ao mesclar cenas ficcionais com imagens reais de arquivos sobre os episódios, assim reforçando a importância deste longa metragem no sentido de ser um registro documental de um período histórico do Brasil, assim não permitindo que ele caia no limbo em que se encontra hoje em dia o já citado 2 Filhos de Francisco que apesar de trazer uma bela história já não desperta mais interesse como outrora.

Apesar de esteticamente este filme a primeira vista parecer uma mistura do que as pessoas mais abominam em nossa cinematografia, a exploração da miséria do território nordestino e as passagens sujas dos submundos de nossas cidades grandes, é preciso ressaltar que tecnicamente o filme surpreende. A fotografia, a iluminação e o som são de primeira qualidade e os cenários são realísticos e retratam bem o ambiente humilde em que Lula foi criado. A edição de cenas também merece atenção, pois ajudam a dar ritmo a uma narrativa que poderia se resumir a um amontoado de episódios da vida do homenageado. Sendo assim, pequenos detalhes, como o movimento de uma máquina industrial que faz a transição do Lula adolescente para o adulto, fazem toda a diferença. Todavia, algumas passagens de sua vida poderiam ter sido mais bem exploradas, mas isso prolongaria demais o filme, o que acarreta gastos extras. Assim, Lula – O Filho do Brasil deve decepcionar aqueles que gostariam de ver em película sua trajetória a partir do momento em que decidiu fazer parte da política e lutar pelos direitos de seus companheiros. Vários fatos importantes e históricos ficaram de fora culminando em uma conclusão abrupta e decepcionante. Sabemos de antemão qual o final desta história, mas a maneira de apresentá-la foi das mais preguiçosas. Por outro lado, o final frio colabora para não mitificar o protagonista, mantendo assim viva em nossa memória as lembranças de seu histórico de vida privada que passamos a conhecer. Porém, os envolvimentos amorosos do ex-sindicalista não empolgam. Poucos sabem, mas antes de se casar com dona Marisa, vivida no longa de maneira muito rápida e sem graça por Juliana Baroni, ele foi casado com a simplória Lurdes, mas esse amor acabou de forma trágica. A escalação de Cléo Pires para o papel não é das mais acertadas, ainda mais quando equivocadamente é inserida uma cena em que Lurdes e Lindu estão dividindo o mesmo sofá enquanto assistem televisão. Mãe e filha na vida real, Glória e Cléo passam pela saia justa de interpretarem sogra e nora apesar da gritante semelhança física. Mesmo com essa derrapada, se armando com todas as armas possíveis para levar o espectador às lágrimas e o enredo esnobando as passagens mais famosas da vida pública de Lula, esta cinebiografia não faz feio e cumpre bem seus propósitos analisando pelo viés emocional. Certamente até hoje muita gente não deve ter assistido nem um pedacinho desta produção por puro e simples preconceito. Deixe-o de lado e se entregue a esta emoção que vale a pena. 

Drama - 130 min - 2009

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2 comentários:

Bússola do Terror disse...

Bom, eu assisti o filme no outro dia e gostei.
Mas acho que a atuação da Glória Pires acaba ofuscando bastante o resto do filme. Aliás, meus aplausos pra ela!

renatocinema disse...

Achei que o filme poderia ter sido melhor. A atuação da Glória Pires realmente é o alicerce da obra.

A trama ficou frágil ao parar antes da eleição. Eu acho.

abraços