Nota 8,0 Premissa convencional ganha fôlego com enredo reflexivo sobre rejeição
Embora o cinema independente tenha conquistado público
e espaço consideráveis nos últimos anos, ainda existem centenas ou talvez
milhares de títulos espalhados por todo o mundo que ainda são desconhecidos e
nem mesmo o público cativo desse tipo de produção as vezes toma conhecimento de
certas obras. É raro, por exemplo, alguém conseguir
encontrar o filme Yes, inédito nos cinemas brasileiros e
lançado em DVD sem publicidades, mas se você tiver a sorte de achá-lo e for
apreciador de obras reflexivas não pense duas vezes. Dirigido e escrito pela
inglesa Sally Potter, que ficou conhecida na década de 1990 por Orlando,
este longa aparentemente pode ser apenas mais uma variação do tema triângulo
amoroso, mas a trama segue caminhos bem mais profundos. She (Joan Allen) e
Anthony (Sam Neil) são duas pessoas muito bem sucedidas na vida profissional,
mas na pessoal são fracassados. Há anos eles vivem uma relação desgastante e
estão vivendo um casamento de fachada. O que antes era a união de duas pessoas
em busca de um relacionamento aberto e sem segredos, acabou se tornando uma
relação metódica, melancólica e extremamente fria. Ambos escondem alguns atos e
vontades e a comunicação entre eles basicamente é feita através de recados
escritos em papel e o contato pessoal é o mínimo possível. Sentindo-se
rejeitada, She acaba traindo o marido ao aceitar os galanteios de He (Simon
Abkarian), um libanês exilado em Londres. Esta relação extraconjugal acaba se
tornando cada vez mais sólida, mas não forte o suficiente para vencer barreiras
ideológicas e preconceituosas. O roteiro não coloca em xeque apenas a
insatisfação de um casal com o rumo que suas vidas tomaram, mas também é
questionada a soberania da cultura americana e o receio quanto a outros povos,
principalmente os de origem árabe, embora a cineasta fuja do clichê de tocar na
questão do fatídico episódio de 11 de setembro de 2001 para apresentar o pulo
do gato de sua história.
O personagem libanês, que mantém
inicialmente uma postura de amante latino, fica com o orgulho ferido durante
uma discussão com colegas de trabalho. Religião, costumes e aspectos físicos
são os elementos chaves de diálogos inflamados nos quais são expostos todos os
preconceitos que os americanos têm dos árabes e um pobre representante da etnia
ofendida tenta a todo custo defender seus pontos de vistas e tradições, mas
tudo em vão. Toda a raiva que ele sente após a briga e por ter perdido o
emprego ele acaba descontando na mulher que ama. Mais uma vez frases repletas
de críticas são despejadas, mas desta vez é o árabe quem levanta a voz para
esbravejar sua raiva de ser tratado de forma diferenciada por respeitar sua
religião, ter a pele com coloração mais escura e traços faciais bem definidos e
nem sempre simpáticos. Enquanto isso, sua amante escuta tudo quase
passivamente. Loira, de olhos claros, pele branca e com uma profissão na qual
brinca de ser Deus (ela é cientista), a mulher tenta se defender, mas sabe que
inevitavelmente é a representante ideal da sociedade americana racista e
manipuladora. Acostumada a sempre receber a resposta “sim”, agora ela está
tendo que engolir o mais doloroso “não” de sua vida. Joan e Abkarian dão um
show de interpretação conseguindo transmitir na medida certa todo o fogo da
paixão que o primeiro ato exige e que depois se transforma em rancor e mágoa na
segunda parte. Introduzindo e concluindo o filme, a atriz Shirley Henderson
interpreta uma empregada doméstica que declama frases contundentes cheias de
verdades, críticas e ao mesmo tempo poesia como se estivesse fazendo confidências
ao espectador. Vale a pena conferir Yes, uma obra intimista que ganha
ainda mais destaque pelo uso de planos e ângulos diferenciados para captar as
cenas, escolhas potencializadas também pela edição que imprime à narrativa uma
aura poética e contemplativa. Com este trabalho mais uma vez temos a chance de
dizer com orgulho “yes” ao cinema independente.
Drama - 100 min - 2004
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