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sábado, 17 de setembro de 2016

YES

Nota 8,0 Premissa convencional ganha fôlego com enredo reflexivo sobre rejeição

Embora o cinema independente tenha conquistado público e espaço consideráveis nos últimos anos, ainda existem centenas ou talvez milhares de títulos espalhados por todo o mundo que ainda são desconhecidos e nem mesmo o público cativo desse tipo de produção as vezes toma conhecimento de certas obras. É raro, por exemplo, alguém conseguir encontrar o filme Yes, inédito nos cinemas brasileiros e lançado em DVD sem publicidades, mas se você tiver a sorte de achá-lo e for apreciador de obras reflexivas não pense duas vezes. Dirigido e escrito pela inglesa Sally Potter, que ficou conhecida na década de 1990 por Orlando, este longa aparentemente pode ser apenas mais uma variação do tema triângulo amoroso, mas a trama segue caminhos bem mais profundos. She (Joan Allen) e Anthony (Sam Neil) são duas pessoas muito bem sucedidas na vida profissional, mas na pessoal são fracassados. Há anos eles vivem uma relação desgastante e estão vivendo um casamento de fachada. O que antes era a união de duas pessoas em busca de um relacionamento aberto e sem segredos, acabou se tornando uma relação metódica, melancólica e extremamente fria. Ambos escondem alguns atos e vontades e a comunicação entre eles basicamente é feita através de recados escritos em papel e o contato pessoal é o mínimo possível. Sentindo-se rejeitada, She acaba traindo o marido ao aceitar os galanteios de He (Simon Abkarian), um libanês exilado em Londres. Esta relação extraconjugal acaba se tornando cada vez mais sólida, mas não forte o suficiente para vencer barreiras ideológicas e preconceituosas. O roteiro não coloca em xeque apenas a insatisfação de um casal com o rumo que suas vidas tomaram, mas também é questionada a soberania da cultura americana e o receio quanto a outros povos, principalmente os de origem árabe, embora a cineasta fuja do clichê de tocar na questão do fatídico episódio de 11 de setembro de 2001 para apresentar o pulo do gato de sua história.

O personagem libanês, que mantém inicialmente uma postura de amante latino, fica com o orgulho ferido durante uma discussão com colegas de trabalho. Religião, costumes e aspectos físicos são os elementos chaves de diálogos inflamados nos quais são expostos todos os preconceitos que os americanos têm dos árabes e um pobre representante da etnia ofendida tenta a todo custo defender seus pontos de vistas e tradições, mas tudo em vão. Toda a raiva que ele sente após a briga e por ter perdido o emprego ele acaba descontando na mulher que ama. Mais uma vez frases repletas de críticas são despejadas, mas desta vez é o árabe quem levanta a voz para esbravejar sua raiva de ser tratado de forma diferenciada por respeitar sua religião, ter a pele com coloração mais escura e traços faciais bem definidos e nem sempre simpáticos. Enquanto isso, sua amante escuta tudo quase passivamente. Loira, de olhos claros, pele branca e com uma profissão na qual brinca de ser Deus (ela é cientista), a mulher tenta se defender, mas sabe que inevitavelmente é a representante ideal da sociedade americana racista e manipuladora. Acostumada a sempre receber a resposta “sim”, agora ela está tendo que engolir o mais doloroso “não” de sua vida. Joan e Abkarian dão um show de interpretação conseguindo transmitir na medida certa todo o fogo da paixão que o primeiro ato exige e que depois se transforma em rancor e mágoa na segunda parte. Introduzindo e concluindo o filme, a atriz Shirley Henderson interpreta uma empregada doméstica que declama frases contundentes cheias de verdades, críticas e ao mesmo tempo poesia como se estivesse fazendo confidências ao espectador. Vale a pena conferir Yes, uma obra intimista que ganha ainda mais destaque pelo uso de planos e ângulos diferenciados para captar as cenas, escolhas potencializadas também pela edição que imprime à narrativa uma aura poética e contemplativa. Com este trabalho mais uma vez temos a chance de dizer com orgulho “yes” ao cinema independente.

Drama - 100 min - 2004 

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