NOTA 5,0 Falta humor, criatividade, apuro visual e personagens carismáticos à releitura de conto clássico, mas ao menos a lição de moral é preservada |
Um desenho animado destinado ao
público infantil não pode ser apenas divertido, também precisa necessariamente
de uma mensagem edificante para o programa ter algum valor, algo que possa
auxiliar na educação dos pequenos. Com o tema bullying em evidência nos
primeiros anos do novo milênio, cada vez mais os temas a respeito de beleza e
aparência física tem sido inseridos no universo infantil e consequentemente o
cinema segue tal tendência, mas não para idolatrá-la, mas sim para provar que
imagem não é tudo, o que importa é o seu conteúdo, ou seja, os valores morais e
o caráter dos indivíduos. Shrek é um
dos exemplares mais evidentes desta corrente. Podemos voltar no tempo e
relembrar o caso de A Bela e Fera. E
por que não citar Putz! A Coisa Tá Feia? O quê? Realmente, esse título é doer,
mas esta é uma produção dinamarquesa que faz uma releitura do conto clássico “O
Patinho Feio”, de Hans Christian Andersen. Com direção de Karsten Kiilerich e
Michael Hegner, o longa não fez sucesso, pelo contrário, angariou uma
quantidade surpreendentes de críticas negativas. É certo que não é um trabalho excepcional
e conta com vários equívocos, a começar por sua terrível nomeação no Brasil,
mas é triste ver como vários comentários insistem em compará-lo com produções
da Pixar ou Dreamworks. Isso é uma covardia e tanto, afinal basta observar sua
curta duração e país de origem para perceber que o projeto é de porte pequeno,
porém, os recursos escassos não justificam a falta de criatividade, principalmente
quanto ao texto redigido pelos próprios cineastas em parceria com Mark
Hodkinson. Ratso é um rato da cidade grande obcecado pela ideia de ganhar
dinheiro como artista e seu grande sonho é realizar um show em um parque de
diversões, porém, ele vai parar em uma região mais campestre e a forma que
encontra para sobreviver é explorando o trabalho da minhoca Wesley, a quem
apresenta como sendo o maior de sua espécie graças a trucagens ordinárias.
Raramente alguém os aplaude, mas depois que já pagaram o ingresso nada mais
importa. Certa vez, a apresentação é interrompida por Phyllis, uma ratinha
literalmente topetuda e acompanhada de dois capangas que começam a
persegui-los. A dupla acaba conseguindo escapar, mas a rata parece ter razões para
sua raiva e promete caçar Ratso onde quer que ele esteja.
No meio da fuga, Ratso é obrigado
a se separar de Wesley que acabou ficando preso dentro de uma garrafa de vidro,
mas o ganancioso empresário logo encontra uma nova atração. Caindo de gaiato em
uma fazenda, ele tenta convencer os patos e galinhas locais de que também é uma
ave só que um pouquinho diferente, mentira absurda defendida pela patinha
Daphne, sabe-se lá por que. Para quem gosta de historinhas com tudo no lugar
esses primeiros minutos já começam a lhe custar a paciência pela rapidez que se
desenrolam e alguns fatos mal explicados, mas a quem interessar o plano de
Ratso acaba dando certo quando ele se depara com um ovo que se rompe em seus
braços e de dentro surge uma estranha criatura, um filhote de pato diferente de
todos os outros que automaticamente passa a ser chamado de Feio e considera o
rato embromador o seu pai. Inicialmente, o bebê seria apenas uma desculpa para
o roedor escapar ileso da situação, mas não demora muito e ele enxerga a
oportunidade de ganhar dinheiro com a feiúra de seu filho adotivo apresentado-o
em shows como uma espécie de aberração, contudo, não esperava que conforme o
tempo passasse o patinho passaria por grandes transformações e que realmente
surgiria um sentimento fraterno entre eles. Embora atrapalhado e longe de ser
um exemplo de boa índole, Ratso procura dividir com seu filhote os seus
conhecimentos sobre o mundo a fim de prepará-lo para futuramente ele viver
sozinho e saber enfrentar as críticas quanto a sua aparência. No entanto, Feio
aceita a afirmação de que é uma aberração sem contestar por não ter parâmetros
de comparação. Sem ver seu reflexo e sem contato com outros de sua espécie, ele
se acostuma a viver a margem da sociedade, ainda mais com um pai que tentando
fazer o bem acaba sempre enfiando os pés pelas mãos lembrando-o de sua
aparência diferenciada. Conforme vai crescendo, o corpo e a voz do patinho vão
mudando drasticamente, revelando que ele na verdade pode fazer parte de uma
família de cisnes, contudo, a mudança do personagem é muito rápida, descartando
assim momentos de convivência entre ele e seu pai que seriam importantes para
mais a frente dar credibilidade à redenção da ratazana.
Ratos na vida real são criaturas
que causam repúdio a muita gente, mas o cinema várias vezes procurou
retratá-los de forma mais amigável, como em O
Pequeno Stuart Little e Ratatouille,
mas no caso desta animação a ideia falhou. Ratso não consegue ser carismático e
em alguns momentos chega a ser um pouco irritante, ao contrário de Feio que
causa empatia com o espectador, muito pela piedade que instiga com seu visual
atípico, mas também pode cansar com seu excesso de ingenuidade que acabam
colocando-o como um ser frágil em praticamente todas as situações, assim não funcionando
o gancho romântico da trama. Jessie, uma patinha que é salva do ataque de uma
raposa, acaba reencontrando Feio quando ele se torna um adulto de uma hora para
a outra. Além de não demonstrar espanto pela drástica mudança, não se sabe o
que a levou a se apaixonar pelo pato, parecendo que foi uma personagem criada
de última hora para gerar um providencial desfecho para aquele que deveria ser
o protagonista da trama, mas é o roedor quem rouba a cena, até porque fala
pelos cotovelos. Os demais personagens secundários também não têm muito que
dizer, não se destacando como tem se tornado frequente nas animações mais
moderninhas. Até a minhoca Wesley, com seu jeito revoltado e o acidente com uma
garrafa de bebida, poderia ter sido mais bem explorada dando brecha para
diálogos divertidos. O pior, no entanto, é na reta final forçar um
relacionamento amigável entre Ratso e o primo Emmy, um gato (!), este que
incentiva a exploração de Feio em shows assumindo tardiamente a posição de
vilão da trama, visto que a ameaça de Phyllis revela-se uma tremenda piada. Putz!
A Coisa Tá Feia no final das contas só tem o mérito de apresentar um
conto clássico a novas gerações, já que não existe a sua versão Disney,
mantendo a moral de que a aparência não é o mais importante e que ser diferente
não é anormal, pelo contrário, pode se revelar algo positivo. Com texto sem
inovações e devendo em humor, contudo, o que mais trabalha contra a produção é
seu visual que peca pelo excesso de cores escuras nas ambientações e
personagens com visuais pouco inspirados. Pensado primeiramente como um filme
com animais de verdade, para diminuir custos e tempo de produção optou-se pela
animação, inclusive com a aplicação de técnicas 3D, mas o resultado estético e
narrativo infelizmente ficou parecendo datado como aqueles desenhos antigos que
lotavam prateleiras de locadoras tentando servirem de substitutos aos produtos
Disney. Uma pena.
Animação - 78 min - 2006
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