Nota 6 Abordando episódio esquecido da Guerra Fria, trama gira em círculos para preencher tempo
A Guerra Fria, tal qual a Segunda Guerra Mundial, já serviu e continuará servindo como cenário de inúmeros filmes, seja pelo enfoque da espionagem ou nas corridas armamentistas e especiais dos EUA e da antiga União Soviética. A diretora Kathryn Bigelow, anos antes de consagrar-se a primeira mulher a vencer o Oscar de direção por Guerra ao Terror, já demonstrava apreço por histórias densas e de conflitos políticos como revela K-19 - The Widowmaker, baseado em fatos reais narrados pelos sobreviventes do submarino homônimo ao filme. Suas versões do episódio só vieram à tona após o fim da URSS, visto que antes disso foram obrigados a selar um pacto de silêncio sobre o ocorrido para não mancharem o nome de uma nação. O roteiro lança mão de todos os clichês possíveis de fitas envolvendo submarinos desde o clássico O Encouraçado Potemkim e passando obviamente a referências a Caçada ao Outubro Vermelho, um dos título mais representativos quando o assunto é a Guerra Fria. Motins armados, atos exageradamente heroicos, questões políticas e as siglas complexas e os nomes difíceis que envolvem o comando de um submergível contribuem a manter certo distanciamento entre a obra e o espectador que se entedia antes mesmo da narrativa completar uma hora de duração.
Logo na sequência inicial somos apresentados ao K-19, o primeiro submarino nuclear soviético que seria enviado até as geleiras do Pacífico Norte pata testes com mísseis. Estamos em 1961 e os comunistas competem com os norte-americanos pela supremacia bélica mundial. Mikhail Polenin (Liam Neeson), o capitão da embarcação, era contra lançar o submarino ao mar, afinal ainda faltavam reparos para garantir a segurança total, mas seus apelos não foram considerados. Após a falha ser constatada em um primeiro teste, o posto de comando é passado para Alexei Vostrikov (Harrison Ford), que fica encarregado da primeira missão do K-19 que seria lançar um míssil-teste em região de alcance a Nova York e Washington de forma que a máquina de guerra funcionasse como um elemento dissuasivo impedindo um possível ataque americano aos soviéticos. Contudo, as coisas se complicam quando o veículo começa a apresentar consecutivos problemas colocando em risco a vida de toda a tripulação. Logo no momento do embarque, um médico que acompanharia o trajeto morre atropelado e é prontamente substituído por um senhor com inclinação a enjoos. Sinal de alerta aceso. A tripulação empreende uma desesperada corrida contra o tempo não somente para salvar suas próprias vidas como também para evitar o início de uma Terceira Guerra Mundial. Em pleno auge da Guerra Fria, um acidente nuclear poderia ser interpretado como uma agressão militar.
Passada majoritariamente dentro de um ambiente escuro e claustrofóbico, a ambientação da trama por si só já carrega elementos sufocantes, mas Bigelow faz questão de filmar com planos mais fechados, assim não permitindo ao espectador ter uma visão completa do espaço interno do submarino. Mesmo assim, a tensão é mantida constantemente, pois desde os minutos iniciais temos a sensação de que a qualquer momento algo pode dar errado ali dentro. A embarcação mal é lançada ao mar e já aparecem goteiras e infiltrações. Não demora muito até que ela receba o apelido de Widowmaker, na tradução literal algo como "fabricante de viúvas" em referência as eminentes mortes que estariam para acontecer. O roteiro de Christopher Kyle busca manter a tensão sempre em alta, alternando defeitos inesperados do submarino com os testes aplicados por Vostrikov à sua tripulação. Cria-se então uma atmosfera de instabilidade e incerteza que dialoga com a própria disposição da tripulação, todos incertos em relação às atitudes do novo capitão que é consideravelmente mais rígido que Polenin. Fica no ar a expectativa de um possível motim ao mesmo tempo em que nós próprios questionamos se Vostrikov faz o certo ao cobrar tanto de seus subordinados.
O clima de oposição entre os dois oficiais torna-se crível pelos esforços de seus intérpretes. Fora o estranhamento de personagens russos falando em inglês, ambos atuam em suas zonas de conforto como homens durões e com grandes responsabilidades em suas mãos. O interessante é que a trama jamais se posiciona a defender qual deles está agindo corretamente, permitindo que quem assiste tome suas próprias decisões. Todavia, é ruim com tanta gente em cena termos apenas dois pontos de referências. Com uma tripulação inflada, não distinguimos seus rostos e o roteiro não faz questão alguma de trabalhar seus perfis. Não há empatia com os personagens, não torcemos por eles e, consequentemente, é muito fácil se desinteressar rapidamente por aquele bando de gente presa embaixo d'água. O problema maior é que o longa não se define entre o drama, o suspense e a ação, além do fato do enredo pecar pela lentidão excessiva, principalmente na primeira metade. As mais de duas horas de duração se arrastam além do necessário. Surgem ao menos três boas oportunidades para a trama ser encerrada, mas Bigelow insiste em prolongar a narrativa em nome de um reforço de ideias patrióticas. Muitos trechos tornam-se repetitivos, prejudicando nossa imersão na narrativa como um todo. Por outro lado, somos capitaneados pelos efeitos visuais, tanto mecânicos quanto computadorizados. Vale destacar que alguns submarinos de verdade foram utilizados para certas sequências, o que aumenta consideravelmente o realismo da obra.
Produtores dos EUA, Alemanha e Inglaterra uniram forças para levantar uma considerável soma de milhões de dólares para levar o projeto adiante, mas amargaram um grande fracasso. K-19 - The Widowmaker não chegou a arrecadar nem metade dos seus custos e foi esquecido com o passar dos anos. De qualquer forma, é preciso reconhecer sua importância em termos de resgate histórico. Ilustra com riqueza de detalhes um fato absurdo que os livros de História fizeram questão de excluir. Foi feito para louvar os marinheiros soviéticos que se comportaram como heróis, não foram reconhecidos e obrigados a ficarem calados sobre o episódio por quase trinta anos. Você pode apreciar a obra pela tensão propiciada pelos inúmeros problemas que o submarino apresenta ao longo de sua viagem ou pelo clima de rivalidade que se instaura entre Polenim e Vostrikov, cada um a seu modo defendendo o que acha certo ou buscando massagear seus egos. Curioso que enquanto o outrora herói de fitas de ação Ford via sua popularidade cair, Neeson tardiamente passou a garimpar espaço nesta seara. Queda de um, ascensão do outro.
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