domingo, 13 de junho de 2021

MATILDA


Nota 9 Repleto de lições de moral e de vida, longa conquista com trama crítica, divertida e atemporal


As crianças prodígios já foram temas de diversos filmes destinados a divertir toda a família, mas é uma pena que na maioria das vezes elas sejam retratadas de forma estereotipadas que acabam tornando-as chatinhas e pouco críveis. Foi preciso o olhar anárquico de Danny DeVito para ganharmos um simpático modelo de menor super inteligente no cinema. Conhecido por suas atuações cômicas e geralmente secundárias, o baixinho com cara de palerma se dá muito bem atrás das câmeras unindo humor inocente ao negro e ainda adicionando em seus trabalhos generosas doses de sarcasmo e crítica à sociedade, embora as pessoas comumente se refiram apenas ao longa A Guerra dos Roses como um bom trabalho de direção do ator. É preciso dar um voto de confiança e reavaliar seu desempenho segurando as rédeas de Matilda, produção que diverte, traz ensinamentos para crianças e adultos e conta com um irresistível apelo nostálgico.  A garota do título é interpretada com vigor e graciosidade pela talentosa Mara Wilson, que foi literalmente uma criança prodígio. Desde muito novinha ela já atuava no cinema, tendo participado de filmes como Uma Babá Quase Perfeita e da refilmagem do clássico natalino Milagre na Rua 34, e era apontada como uma das grandes promessas de Hollywood, mas não foi o que aconteceu, embora ela ainda se dedique as artes dramáticas em projetos teatrais. Como aconteceu com tantas outras estrelas mirins, o encanto com a fama acabou com o amadurecimento.

A trama começa nos apresentando um breve resumo dos primeiros anos de vida de Matilda Wormwood que ainda bebê já demonstrava uma inteligência acima da média, algo curioso levando-se em consideração o caráter e a cultura de seus pais e o próprio ambiente em que é obrigada a crescer. A mãe Zinnia (Rhea Perlman) é uma deslumbrada e desocupada que só pensa em futilidades graças a razoável boa vida que seu marido Harry (DeVito) lhe oferece vivendo de trambiques para vender carros baratos e com defeitos a preços exorbitantes. Ambos realmente se merecem e combinam tanto nos hábitos rudimentares quanto na ignorância, características que também foram passadas ao primogênito Mickey (Brian Levinson). Com uma família dessas nem parece que Matilda faz parte do clã e é exatamente assim que ela se sente, passando a maior parte do tempo sozinha, ou melhor, na companhia dos livros. Desde os quatro anos de idade já costumava ir até a biblioteca pública e pouco a pouco conseguiu ler praticamente todos os livros de seu interesse disponíveis e essa foi sua pré-escola. Tudo que aprendeu até então foi viajando através das páginas de obras literárias e pedagógicas. Um dia, enquanto estava entretida lendo, a família da garota se divertia um bocado com um programa de TV imbecil de gincanas e então veio o estopim que mudaria para sempre a vida de Matilda. Forçada a abandonar a leitura para ver televisão e passar a se comportar como qualquer membro daquele desconjuntado lar, a garota consegue com a força do pensamento explodir o televisor e a partir de então uma série de estranhos acontecimentos ocorrem até que Harry decide matriculá-la em um colégio, não por reconhecer seu potencial, mas apenas para se ver livre da filha por algumas horas diárias.

E assim começa uma nova fase da vida da menina prodígio que precisará não apenas colocar seus pais na linha, mas também dar umas boas lições na diretora da escola, a cruel Agatha Trunchbull (Pam Ferris), que inferniza a vida das crianças com seus maus tratos e castigos. O porto-seguro da nova aluna é a bondosa professora Honey (Embeth Davidtz), uma mulher que tem algo de misterioso em seu passado e que precisa se libertar para poder viver em paz e corrigir injustiças. Com este enredo bastante inteligente em se tratando de uma produção infantil, gênero em que imperam as ideias batidas e bobinhas, DeVito consegue fazer humor e crítica simultaneamente e deixar no ar mensagens importantes a serem assimiladas e refletidas por crianças e adultos, tanto no ambiente escolar quanto no familiar. O roteiro, que compreende com perfeição o universo das crianças e como elas enxergam o mundo confuso e de pernas pro ar dos adultos, só poderia ser baseado em um livro escrito por alguém que entende essas pequenas e criativas mentes. Roald Dahl já teve outras obras suas adaptadas com sucesso para o cinema, como Convenção das Bruxas e A Fantástica Fábrica de Chocolate, o que só prova o seu talento para escrever textos fantasiosos, mas que sempre deixam importantes lições de moral e conduta.  A adaptação foi feita por Nicholas Kazan e Robin Swicord, dupla que soube equilibrar com perfeição a seriedade e a magia do conteúdo literário para conquistar crianças e adultos.
Já é um costume das pessoas deixar a parte da educação em todos os sentidos sob responsabilidade total da escola que, falando francamente, nem a mais conceituada ou mais cara do mundo tem condições de ensinar tudo o que é necessário para a formação de um indivíduo inteligente e de caráter. O que se aprende dentro de casa e o que se assimila de conhecimento por meio de produtos culturais, tais como livros, jornais, revistas, filmes, músicas e programas de TV, também vão determinar o que uma criança será no futuro. Os pais de Matilda são ignorantes, rudes e de caráter duvidoso justamente por não terem tido uma base sólida de educação. A senhora Trunchbull, a diretora que deixa qualquer um de cabelo em pé com suas atitudes grotescas e sem o mínimo de respeito ao próximo, é outra provável vítima de uma péssima estruturação na infância. Apesar de datado de 1996, o filme já mostrava o quanto a deficiência de cultura pode destruir um ser humano, levando-o a ter hábitos e condutas totalmente reprováveis. Se no filme apenas a televisão é mostrada como uma destruidora de cérebros quando mal consumida (e olha que na época nem se pensava em realities shows), hoje temos ainda a internet, os jogos de videogames e celulares para fazer cabeças. Nada contra o uso das tecnologias, aliás é praticamente impossível se viver alheio ao universo digital, mas o problema é quando tais recursos são utilizados por pais ausentes como tática para suprirem o tempo que não podem dispensar aos filhos. Não posso brincar com você, mas te comprei algo que muitos gostariam de ter e não podem comprar, eis a falsa compensação.

O que poderia ser considerado uma simples comédia com temática infantil, com um pouco de esforço pode se revelar um trabalho muito mais profundo e é possível desvendar as suas mensagens subliminares e passá-las adiante. Claro que ninguém na vida real conseguiria fazer os truques mágicos da protagonista, mas ser tão inteligente quanto ela é possível sim, basta fazer o mesmo que a garota: saber usar o que se tem à disposição para adquirir cultura e deixar de lado o que não presta, salvo nas ocasiões em que o objetivo seja realmente apenas uma distração para relaxar. Clássico familiar absoluto, Matilda é uma obra atemporal, um exemplo que prova que educar pode ser divertido, principalmente quando os papéis se invertem e os menores passam a ensinar os mais velhos. Deveria ser adotado como conteúdo obrigatório para aqueles que desejam formar uma família e também em todas as escolas, inclusive para os próprios professores que precisam se adaptar à modernidade para ministrar aulas, mas sem deixar de lado conceitos básicos que só se aprendem em sala de aula e com o contato social.
Comédia - 98 min - 1996 

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Um comentário:

GustavoPeres99 disse...

Matilda vai tá sempre marcado no coração ❤️