sábado, 1 de julho de 2017

O CADÁVER DE ANNA FRITZ

Nota 8,0 Fita espanhola prende atenção com trama sobre questionamentos morais, culpa e desejo

Já faz algum tempo que o cinema espanhol é considerado o berço do horror, tanto que Hollywood rapidinho começou a assediar diretores e roteiristas espanhóis que ganharam fama com suas produções de terror e suspense ou até mesmo passou a financiar projetos estrangeiros do estilo. Guillermo Del Toro sem dúvida é o nome de destaque dessa onda graças a seu trabalho não só de direção, mas principalmente como produtor, e assim bons produtos com sotaque latino conseguiram distribuição em outros países. O caminho foi aberto para tantos outros realizadores, entre eles muitos jovens talentos que com orçamentos enxutos e muita criatividade lançam pequenas jóias, como é o caso de O Cadáver de Anna Fritz. Interpretada por Alba Ribas, a mulher do título (fictícia, fique bem claro) foi uma jovem e bela atriz que teve uma carreira curta, porém brilhante e os mais conceituados cineastas do mundo todo desejavam trabalhar com ela, trunfo que poucos tiveram o privilégio. Sua morte prematura e repentina inevitavelmente acabou virando notícia de destaque e aguçou a curiosidade de muita gente. Pau (Albert Carbó) trabalha no hospital em que o corpo dela foi levado para autópsia, mas antes que o médico legista a veja ele não resiste e a fotografa nua para enviar as imagens aos amigos Javi (Bernat Saumell) e Ivan (Christian Valencia). Drogados e inconsequentes, os rapazes correm para a clínica e ficam extasiados com a beleza da atriz. É quando Javi tem a péssima ideia de realizar um mórbido fetiche: transar com o cadáver. Pau, mais sensato e tímido, tenta resistir a tentação, mas acaba também praticando necrofilia e no clímax da relação é surpreendido por algo inimaginável e que vai transformar a noite deles em um verdadeiro pesadelo.

Escrito e dirigido pelo catalão Hèctor Hernández Vicens, estreando em cinema, não se trata de uma fita de temática sobrenatural e sim um intrigante e claustrofóbico thriller a respeito de medo, culpa e desejo reais, instintos primitivos que colaboram para despertar o que há de pior no ser humano em situações limites. Para quem procura sustos fáceis o filme deve decepcionar por seguir uma linha mais alternativa investindo em uma narrativa onde diálogos, olhares e expressões injetam apreensão ao espectador que fica vidrado para saber como esta noite angustiante vai acabar. Pelo fato do grande trunfo do roteiro ser revelado antes mesmo da metade do filme, diga-se de passagem, relativamente curto, Vicens não faz rodeios e vai direto ao ponto. Apesar de a trama não ser complexa, o diretor a desenvolve de maneira cadente e a certa altura quem assiste se sente na pele dos personagens e se perguntando o que faria se vivenciasse a mesmo situação. É interessante que os protagonistas apresentam visões bastante distintas quanto a moralidade sobre o episódio, tanto antes quanto depois da violação do cadáver. Um deixa latente seu caráter imoral e tem poder de persuasão para convencer os demais a repetirem seus atos. Os outros dois sabem distinguir o que é certo e errado e demonstram sensibilidade, embora um deles acabe ignorando a razão a favor de seu próprio desejo, mas mais do que isso como se compactuar com o ato ilícito fosse a prova necessária para ser aceito pelo líder natural do grupo. O trio então acaba entrando em um perigoso jogo de ações e intenções onde cada um tenta fazer valer a sua vontade enquanto o medo da dúvida perturba suas mentes. Com baixo orçamento, elenco enxuto e basicamente um mesmo cenário e ação transcorrida em um curto espaço de tempo, por si só fatores já bastante limitadores para uma narrativa idem, O Cadáver de Anna Fritz é mais uma prova de que o cinema espanhol é o atual celeiro das fitas de horror e suspense. Certamente, não vai demorar para Hollywood correr atrás de Vicens para sugar seu talento e criatividade. Se isso acontecer tomara que consiga fugir das amarras da indústria ianque e continuar com seu estilo autoral de fazer filmes: minimalista e reflexivo, mas ainda assim intrigante e angustiante.

Suspense - 76 min - 2015

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Um comentário:

Marcelo Keiser disse...

Eu ainda não assisti, mas pretendo procurar. Gostei das impressões sobre a obra. Também concordo sobre a criatividade e a força de algumas fitas de horror e suspense espanhol contemporâneas.

abraço