NOTA 7,0 Claustrofobia, pânico, insegurança e melancolia se misturam em suspense que resgata de certa forma a temática e ambientação de Cloverfield - Monstro |
A partir das desconfianças despertadas entre os personagens, mesmo com o pacto dos jovens confinados em acharem alguma forma de escaparem, o diretor Dan Trachtenberg alimenta um clima de tensão psicológica crescente. O principal foco do roteiro é desenvolver o convívio forçado entre os três estranhos, mas quando a situação dentro do abrigo parece estar no limite a trama dá uma virada para lembrar o espectador e alertar a protagonista que as coisas do lado de fora do confinamento também não é das melhores. Pior dentro ou fora do abrigo? Michelle não se conforma com o aprisionamento e resolve se arriscar e tirar sua própria prova dos nove enfrentando não só a realidade desconhecida, mas também a autoridade de Howard. Acostumado a viver papeis cômicos, Goodman surpreende com um personagem que intercala momentos de loucura, outros de extrema racionalidade, alguns ameaçadores e também lampejos de pura amabilidade. Entre o bonachão e o paranoico, o ator consegue plantar a dúvida se é de fato alguém caridoso ou uma ameaça tão perigosa quanto o que está atacando fora do esconderijo. Winstead também se sai bem vivendo uma mocinha que passa longe do estereótipo de fragilidades enquanto Gallagher funciona como um respiro ao embate entre a protagonista e seu protetor, mas em alguns momentos sua presença é quase nula diante da força das demais interpretações. Em Cloverfield - Monstro um dos inconvenientes era que não havia um sólido laço de identificação entre o espectador e os personagens desprovidos de complexidade ou simpatia, apenas estranhos perdidos em meio ao caos e reféns do apelo da tecnologia e da superexposição (a trama acompanha um grupo lutando pela sobrevivência, mas que não perde a chance de registrar videos e fotos no celular do tal mostrengo). O mesmo erro não foi cometido na obra em questão. Michelle conquista rapidamente a empatia do espectador, talvez por facilmente nos imaginarmos em seu lugar, assim sofremos com seus apuros e torcemos para que consiga voltar para casa e à sua rotina normal. Assim o espectador é convidado a ser uma espécie de quarto personagem, alguém onipresente que observa a tudo e se sente tão acuado quanto os enclausurados diante das muitas dúvidas e poucas respostas que o roteiro apresenta.
Além dos personagens e da própria proposta em si mais bem elaborados, tecnicamente Rua Cloverfield 10 também apresenta avanços em comparação com o citado filme do monstrengo. Abre-se mão do já decaído recurso do "found footage", as famosas edições de imagens de gravações caseiras, e há menos exploração de câmera trepidante na mão, assim conferindo à obra um ar de produção mais respeitável. A câmera parada em diversos momentos enquadrando os personagens em conjunto ajuda a narrativa, ressaltando o isolamento e uma falsa sensação de segurança. Todos conversam tranquilamente, mas de repente algo de inesperado acontece e abala os alicerces, inclusive o emocional do espectador. Cenas do tipo se repetem com frequência e a certa altura até uma costumeira música pop dançante é inserida para trazer certa ironia ao suspense construído. Enquanto lá fora o mundo parece literalmente desabar, dentro do abrigo a insegurança acaba cedendo algum espaço para momentos de calmaria, inclusive para brincadeirinhas para ajudar a passar o tempo ocioso. Amparado por uma eficiente campanha de marketing que fez a produção parecer maior do que realmente é, inclusive criando uma analogia explícita envolvendo a palavra Cloverfield em seu título, é certo que ela não é dependente do outro filme. Por si só tem conteúdo e força suficientes para ser apreciada como uma obra isolada, ainda que o ato final adentre com tudo na temática alienígena forçando uma ligação desnecessária entre as fitas. A sugestão de algum elo entre elas era o suficiente para instigar. Mesmo assim, eis um suspense acima da média e que com certeza representará um fardo para Trachtenberg. Então estreando na direção de longas, ele transforma uma história relativamente simples em um exercício de tensão usando com sabedoria o cenário econômico e o talento do elenco que ao mesmo tempo traz diversão e incômodo através das situações que vivenciam. Assim, é natural que em seus próximos trabalhos o diretor venha a sofrer pressão para manter ao menos o mesmo nível de qualidade. Boa sorte a ele!
Suspense - 103 min - 2016
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