NOTA 7,0 Adaptação de clássico literário infantil pode soar inocente demais para os novos tempos, mas sua essência ainda é encantadora |
Já faz algum tempo que os
adultos estão invadindo a praia das crianças e curtindo desenho animado. Aliás,
essas produções às vezes agradam mais aos pais que os próprios filhos ou
propositalmente os estúdios já realizam as animações visando essa ampliação
espontânea de público. Porém, quando a magia do universo infantil deixa o
colorido dos desenhos de lado e é transportada para os filmes com atores de
carne e osso o resultado não é o mesmo. Os adultos tendem a não se entreter com
piadas batidas, enredo melancólico próprio para dar lições de moral aos
pequenos e atuações consideradas fracas, a receita que frequentemente é
utilizada neste tipo de produção. Pior ainda quando há bichinhos falantes na
trama e os realizadores se concentram tanto em tornar críveis tais criaturinhas
que acabam conseguindo um resultado frustrante, pois se esquecem de encontrar
um equilíbrio com os demais elementos da produção. Contudo, algumas vezes esses
filminhos água-com-açúcar podem ser perfeitamente assistidos e com prazer pelos
mais crescidinhos graças ao trunfo da nostalgia que carregam em sua essência. É
nesse ponto que A Menina e o Porquinho, protagonizado por
Dakota Fanning, consegue um reforço. Esta é mais uma adaptação do clássico
livro infantil "A Teia de Charlotte", de E. B. White, que já ganhou
uma famosa versão em desenho animado em 1973 que foi repetida a exaustão na TV
pelas duas décadas seguintes em todo o mundo. A garotinha que outrora era uma
grande promessa de Hollywood interpreta Fern, uma das poucas pessoas a perceber
que Wilbur não é um simples porquinho da fazenda onde vive, mas sim um animal
muito especial. Com seu carinho e atenção, a garota ajuda o bichinho, que era o
menor membro de sua família, a se tornar um porco vistoso e radiante. Quando se
muda para um novo celeiro, Wilbur faz amizade com a aranha Charlotte e os laços
de amizade entre eles influenciam para que os demais animais da fazenda vivam
como se fizessem parte de uma grande e feliz família. Porém, o tempo passa e
Wilbur cresce e está a caminho do triste fim de qualquer porquinho criado com
tudo de bom e do melhor: virar assado. Quando surge a notícia de que em breve
ele será abatido, a esperta e sensível aranha arma um plano para retardar a
morte de seu amigo suíno.
Lançada em 1952, a obra
original é um sucesso literário indiscutível traduzido para mais de vinte
países e com índices de vendagem recordes que não param de crescer visto que
constantemente o livro volta ao mercado para arrebatar novas gerações. Os
próprios pais incentivam suas crias a conhecerem essa história previsível e
clonada das mais diversas formas possíveis, porém, encantadora e emocionante. O
citado desenho animado até foi relançado na época de estreia do longa
live-action, mas apenas como opção para curiosos e nostálgicos não chegando a
ser sucesso. E o filme em si resistirá a ação do tempo? Infelizmente já há
evidências que não. Para agradar as novas plateias, o diretor já falecido Gary
Winick, o mesmo que cativou crianças e adultos com a comédia De Repente
30, escolheu fazer esta nova versão com atores de verdade e animais
adestrados e depois dublados, assim o resultado é bem parecido ou dependendo do
ponto de vista idêntico ao agradável Babe - O Porquinho Atrapalhado,
o que certamente atrapalhou a carreira do filme. Com uma fazenda como cenário
principal, animais fofinhos e falantes e um porquinho simpático e cativante correndo
o risco de virar assado, fugir do estigma de cópia é complicado, embora a
própria fábula que causou frisson na metade dos anos 90 e vencedora do Oscar de
efeitos especiais tenha sido inspirada no livro de White. Contudo, o peso do
título e a história conhecida contornam a situação apoiando-se, como já dito,
na nostalgia dos que hoje são adultos e se emocionaram com a história de Wilbur
em versão animada quando pequenos. Agora é a vez de seus filhos se encantarem
com este conto que atravessa gerações passando lições edificantes de amizade e
respeito ao próximo. Todavia, esta nova adaptação cinematográfica deveria ter
adotado o título original do livro, “A Teia de Charlotte”, visto que é a
aranhinha a principal responsável por salvar o porquinho de ser servido na ceia
de Natal. Pequena e desacreditada, ela consegue ajudar o amigo tecendo algumas
palavras comoventes a seu respeito, o incentivo que não só ele precisava para
lutar por sua vida, mas uma necessidade compartilhada por todos os moradores do
celeiro, até mesmo pelo rato Templeton que aparentemente surge na história como
um vilãozinho. Tais expressões acabam extrapolando as cercas da fazenda e
conquistam também os moradores da região que passam a torcer para que Wilbur
escape do abate.
A atriz Julia Roberts emprestou
sua voz na dublagem original para a aranha Charlotte, a responsável por
transformar de maneira positiva a vida todos os animais da fazenda e que foi
retratada da forma o mais próxima possível da espécie aracnídea. Os traços
grotescos foram respeitados e ajudam a codificar a mensagem de que as
aparências enganam, assim passamos a enxergá-la com os olhos bondosos de
Wilbur. Bem, essa identificação é possível, no entanto, não se pode negar que é
difícil de ser estabelecida. Apesar de todos os esforços em termos de elementos
visuais, Winick não consegue transportar totalmente o espectador para o
universo do filme, com exceção de crianças bem pequenas que certamente se
sentirão atraídas pelas imagens e nem fazem ideia do conteúdo desenvolvido. A
trama tem uma duração já acima da média para produções destinadas ao público
infantil, mas o ritmo vagaroso parece que duplica esse tempo, sensação
intensificada para aqueles que implicam com enredos clichês. Parece que a cada
nova cena já se antevê o que vai acontecer, sendo possível prever até o
conteúdo dos diálogos. Todavia, a grande falha é que a interação entre o
bichinho e a garota do título tem efeito praticamente nulo. Fanning tem lá sua
importância na história, mas sua participação é pequena, ficando a sensação de
que seu nome foi usado apenas para fins comerciais, atrair público. Qualquer
menina com rostinho meigo e um mínimo de desenvoltura e simpatia poderia
interpretar Fern que após os minutos iniciais só volta a ser requisitada com
mais força na reta final quando sua família resolve prolongar a vida do
leitãozinho encontrando uma nova forma de lucrar com ele sem precisar
sacrificá-lo. O longa também peca por não ter nenhum momento de clímax, aquela
sequência de tensão que nos faz torcer para o protagonista, mesmo sabendo que
seu happy end está garantido. A vibração que falta na narrativa obviamente é
dada na trilha sonora que soará retumbante na conclusão para tentar arrancar
algum arrepio de emoção de quem assiste. Muito recomendável para as crianças
pequenas, A Menina e o Porquinho talvez não agrade as
mais grandinhas que podem considerar uma obra bobinha. Que vão dizer então os
pais hoje tão ligados em adrenalina e piadinhas sarcásticas quanto seus
pimpolhos? De qualquer forma, vale a pena dar um voto de confiança à história
clássica readaptada por Susannah Grant e Karey Kirkpatrick. Com experiência no
universo infantil (colaboraram no roteiro respectivamente de A Fuga das Galinhas e Os Sem-Floresta), a dupla tentou ser tão
fiel a inocência da trama original que a fazenda onde Wilbur vive parece um
pedacinho do paraíso protegido por uma redoma de vidro. Em meio a tantas
produções recheadas de efeitos especiais gritantes e corre-corre que não levam
o espectador a lugar algum, ver uma obra infantil com ares de bucolismo e
elevando valores morais é um respiro muito bem vindo.
Drama - 97 min - 2006
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