Nota 8,0 De modo singelo e natural, longa aborda a descoberta do amor e o amadurecimento
Falar de amor pela ótica infantil inerentemente carrega um irresistível quê de inocência, algo que infelizmente perdemos na vida adulta. Justamente por traduzir tão fielmente esta pureza ABC do Amor cativa crianças e adultos com a mesma facilidade, afinal quem nunca sofreu e fantasiou pensando em amar e ser amado? Para tanto, a escolha da dupla de protagonistas mirins é um trunfo e tanto da produção, nem parecem que estão atuando tamanha a naturalidade. A história é narrada por Gabe Burton (Josh Hutscherson), um garoto de 10 anos que adora esportes, se divertir com os amigos e assim como todos os meninos de sua idade tem verdadeira repulsa por garotas, afinal eles querem jogar bola e brincar de carrinhos e de bonecas e casinhas desejam ficar bem longe.... Isso até ele reparar em Rosemary Telesco (Charlie Ray), uma colega de classe desde o jardim de infância que agora será sua parceira nas aulas de karatê. Ele nunca teve amizade com ela, mas procurando um rosto conhecido nesta turma para não se sentir deslocado a simpatia dele é correspondida de imediato.
Todavia, certa vez que a acompanha em uma prova de vestido de daminha de honra o garoto tem um estalo e passa a enxerga-la com outros olhos e percebe sentimentos que não consegue entender, ou melhor, não sabe apenas se expressar, pois tem certeza que é amor. Ele sofre, chora, tem ciúmes e aproveita ao máximo cada gesto de atenção de sua amada, enfim, vivencia o mesmo que um rapaz adulto sente quando gosta de alguém, mas não sabe se é correspondido e tampouco tem a coragem para se declarar. Por vezes Gabe exagera nas reações, mas quando se é criança tudo parece mais intenso, então se é para extravasar alegria que solte uma gostosa gargalhada e se é para expressar tristeza cair no choro sem pudor é a melhor solução. E assim ele vai cometendo erros e acertos, perde oportunidades de se declarar, mas de qualquer forma, o menino esquece todos os preconceitos que tinha quanto ao sexo oposto e torna-se amigo inseparável de Rosemary que inclusive vira sua confidente para certos assuntos, assim como ela sabe que pode contar com o amigo, ainda que o roteiro não apresente o ponto de vista dela quanto a essa relação, apenas sugestiona suas emoções e pensamentos.
Paralelo ao início deste seu primeiro romance, Gabe também vivencia o fim de um amor em sua casa. Seus pais, Adam (Bradley Whitford) e Leslie (Cynthia Nixon), há mais de um ano estão atravessando um processo de divórcio, mas continuam vivendo sob o mesmo teto por puro comodismo do rapaz que vive adiando sua mudança. O filho não se incomoda com a situação, mas toma para si a tarefa de encontrar um novo endereço para o pai simplesmente para ter uma desculpa para passar mais tempo na companhia de Rosemary que se oferece para ajudar nessa procura. Tal gesto entre tantos outros só alimentam as esperanças do garotinho que tem certeza do que quer. Só é preciso agora encontrar uma maneira de fazer com que ela também se apaixone por ele. Facinho, facinho. Em meio ao furacão de sentimentos, Gabe descobre que seu amor está ameaçado por conta de uma travessura do destino. Quando sente que sua amada está prestes a revelar que também o ama ela vem com a notícia de que irá para um acampamento de verão e ao término poderá ser transferida para uma outra escola. É agora ou nunca! Ou o moleque se declara ou perderá seu primeiro grande amor sem que talvez ela saiba o que ele realmente sente.
Sem apelar para qualquer tipo de insinuação sexual, o roteiro de Jennifer Flackett conduz este romance juvenil com delicadeza investindo na construção dos sentimentos dos protagonistas, como um passa a fazer parte da vida outro de forma natural, nos fazendo relembrar o clássico das sessões da tarde Meu Primeiro Amor. Além do flerte inocente, eles brincam, vivem aventuras e até se metem em enrascadas pela cidade de Nova York ou mais especificamente pelo bairro de Manhattan que de certa forma torna-se um personagem onipresente da trama e observador do amadurecimento destas crianças. O local é apresentado como se fosse um grande quintal, uma extensão da casa dos protagonistas, ou até mesmo como uma cidade do interior, um pequeno refúgio verde e ensolarado em meio ao concreto. Pela lente do diretor Mark Levin, então estreando na direção de longas-metragens, Manhattan surge idealizada na tela. Ainda que seja uma selva de pedra com seus imponentes arranha-céus, não vemos o trânsito congestionado e nem percebemos a correria e o estresse típicos de quem vive em uma grande metrópole. As ruas são arborizadas e as crianças podem brincar à vontade pelos parques sem a necessidade de um adulto vigiando. Esta pequena Manhattan, como ostenta o título original, também recebe a todos de braços abertos. Um dos meninos do karatê é de origem árabe, a babá de Rosemary é afrodescendente, o cantor que se apresenta no restaurante cinco estrelas é indiano e assim, por meio de conceitos e ideias passados nas entrelinhas da narrativa ou visualmente, Levin desenha seu mundo perfeito, capricho que chama a atenção por ser uma produção de pequeno porte e teoricamente destinada ao público infanto-juvenil. Felizmente a inteligência dos espectadores é respeitada e até afagada podemos assim dizer.
No currículo de Levin consta os créditos como produtor e roteirista de alguns episódios da cultuada série de TV “Anos Incríveis” que marcou o início da década de 1990. Fica evidente algumas semelhanças entre o filme e o programa. Além de apresentar as decepções e conflitos como instrumentos fundamentais para a construção do caráter, as narrações em off apresentando as percepções do mundo pela visão de um pré-adolescente remetem ao seriado imediatamente. Isso sem falar no carisma e fácil identificação com o personagem principal, mais um ponto em comum entre as obras. Apesar do estranho início, com direito a uma grotesca cena de vômito coletivo, ABC do Amor logo entra nos eixos e deixa claro a que veio. É um programa familiar delicioso e que pode ajudar pais e jovens no diálogo quanto a entrada da adolescência visto que além da descoberta do amor a fita toca em alguns outros pontos pertinentes a essa fase. O melhor de tudo é o final realista, uma boa lição para aqueles que almejam amadurecer antes da hora, mas também deixa uma mensagem de esperança para aqueles que acreditam ter perdido sua alma gêmea ou temem nunca a encontrar.
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