Nota 8 A obsessão em diferentes níveis é trabalhada a partir de um acidente que une desconhecidos
O ser humano é um bicho esquisito. Todos provavelmente já ouviram ou mencionaram esta frase diversas vezes e o cinema, por sua vez, tratou de transformar o seu sentido em imagens, e isso não é uma referência aos inúmeros filmes infantis que exploram a manjada temática do ser humano encarnado em um animal. Além do drama e do suspense, os conflitos psicológicos já inspiraram comédias, terrores, romances, enfim já trafegaram por todos os gêneros, afinal de contas só temos uma história para contar caso os personagens tenham um mínimo de memórias ou referências emocionais, ainda que sejam as mais toscas possíveis. Felizmente existem enredos que seguem o viés de se aprofundar no mundo misterioso dos pensamentos e emoções humanas e Amor Obsessivo é um bom exemplo abordando o tema obsessão sob vários aspectos. Baseado no livro "Amor Para Sempre" do inglês Ian MacEvan, a trama começa em um agradável dia ensolarado e o professor e escritor Joe Rose (Daniel Craig) decide com sua namorada Claire (Samantha Morton) fazer um piquenique. Tudo corria bem até que ocorre um acidente com um balão nos arredores do parque e o rapaz tenta ajudar assim como um outro frequentador do local, Jed Perry (Rhys Ifans), mas não conseguem salvar a vida da vítima.
O rápido e casual encontro entre esses dois homens desconhecidos acaba se transformando em um pesadelo para ambos, cada um vivenciando de uma forma diferenciada um conflito que os une. De alguns poucos minutos e algumas palavras trocadas, Perry cria em sua mente uma inesperada e mórbida relação de fanatismo ou desejo sexual que pretende vivenciar a todo custo. Para tanto, ele passa a seguir Rose por onde quer que ele vá e em todos os locais tem uma desculpa na ponta da língua para justificar a coincidência de estarem sempre se esbarrando. O rapaz demonstra ter claros sinais de demência que podem levá-lo a colocar em prática atitudes extremas e impensáveis. Com o passar do tempo, a situação passa dos limites tirando a concentração do professor e atrapalhando inclusive sua relação com Claire que se esforça para entender tudo que está acontecendo com o companheiro desde o fatídico dia no parque. Além da sensação de estar sendo perseguido por um louco, Rose fica atormentado pelo fato de ter sido o primeiro a abandonar o local da desastre e assim acredita ter colaborado para a morte de uma pessoa por não ter prestado a ajuda necessária. Já esposa do falecido no acidente, a Sra. Logan (Helen McCrory), encontra um lenço de mulher no carro do marido e encasqueta que estava sendo traída e agora quer descobrir quem seria a tal amante.
Com este material denso em mãos e personagens complexos, o diretor Roger Mitchell conseguiu imprimir seu ritmo inglês de fazer cinema dando um clima contemplativo ao longa que em certos momentos parece filmado com câmera na mão para realçar a sensação de voyeurismo, como se o espectador observasse as ações como alguém onipresente. Dito isto, muitos podem pensar que esta produção é arrastada e chata, mas quem der um voto de confiança pode se surpreender. O cineasta mistura ritmo relativamente lento com enquadramentos sombrios e outros que privilegiam sequências insólitas. Por outro lado, não faltam diálogos restritos e muitos olhares de contemplação, além de uma ambientação melancólica e tão fria quanto as relações estabelecidas entre os personagens. Todos esses recursos são utilizados para mostrar as diversas maneiras que um mesmo fato pode ser interpretado ou documentado. Por exemplo, no caso do acidente que movimenta a trama, quem se envolveu tentando ajudar percebe os fatos de uma maneira. Quem acompanhou tudo a distância vê com outros olhos, assim como quem sofreu indiretamente com a ação terá sua visão particular para contar. Complexo não é? Assim é o ser humano e, consequentemente, a sociedade como um todo.
Mesclando drama e suspense, é curioso saber que Mitchell é o responsável pelos agradáveis Quatro Casamentos e Um Funeral e Um Lugar Chamado Notting Hill. O nome original do livro chegou a batizar o filme no Brasil, o que até ajudaria a fazer uma associação desta obra com a filmografia do diretor como marketing, contudo, ao ser lançado em mídia física o longa foi rebatizado como Amor Obsessivo que, embora bastante genérico, é uma opção bem mais conveniente já que o enredo aborda o tema da obsessão em diversos níveis nos relacionamentos. Se no citado romance passado em Notting Hill o sucesso da personagem de Julia Roberts e o jeito pacato do boa praça vivido por Hugh Grant resultaram em um relacionamento positivo, aqui Mitchell optou pelo viés da neurose que se estabelece entre a quase invisibilidade de um anônimo e sua fixação pelo certo prestígio de um professor para explicitar seus pensamentos quanto ao que o acaso pode provocar. O roteiro de Joe Penhall é intrigante, cheio de tensão e angústia e narrado de forma peculiar, uma opção bastante madura e para um nicho específico de público tal qual o romance de McEvan. Ainda assim, o texto final apresenta diversas diferenças em relação ao livro, mas preservando o principal: a essência tristonha e cruel.
Vale destacar o bom desempenho dos protagonistas. Craig, cujo rosto é ambíguo deixando transparecer inocência e ao mesmo tempo um certo quê de misterioso, se sai muito bem no papel de vítima, tanto de um possível psicopata quanto também de seus próprios receios. Ifans também entrega uma boa atuação compondo um personagem invasivo e perturbador. Amigável no início, aos poucos ele muda radicalmente suas atitudes revelando a exata dimensão do progresso de sua loucura. Seus constantes encontros previamente planejados com sua paixão platônica evidenciam o final trágico desta mórbida relação. O elenco feminino é praticamente figuração em meio ao conflito travado entre estes dois homens que o acaso uniu, mas de forma torpe. Um bom estudo sobre comportamentos humanos, mas que não recebeu a devida atenção.
Drama - 100 min - 2004
Um comentário:
Adoro o contexto obsessão e adoro a atriz Samantha.
Boa opção.
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