NOTA 6,0 Voltado para os adolescentes, drama reafirma a importância do diálogo, mas mesmo com tema polêmico em pauta longa não se aprofunda |
O processo de extinção das videolocadoras físicas
infelizmente já vem acontecendo há alguns anos, mas aquelas que conseguiram se
manter ativas entre 2008 e 2013 certamente se beneficiaram do fenômeno Crepúsculo.
Além da renda gerada pela série, também deve ter sido verificado o interesse
dos fãs pela filmografia dos protagonistas, sendo que Kristen Stewart levava
ligeira vantagem nesse quesito na comparação com seus pretendentes no romance
sobrenatural mesmo com uma carreira curta até então. Para as lojas que não
tinham o costume de vender o acervo inativo, provavelmente deve ter gerado
algum lucro certos títulos desconhecidos, mas que só por ostentar o nome da
estrelinha teen já despertariam o interesse de muitos. O Silêncio de Melinda é
um bom exemplo. Lançado em 2004, este
drama juvenil é uma adaptação do romance “Speak”, de Laurie Halse Anderson. O
roteiro de Annie Young Frisbie e Jessica Sharzer, esta que também assina como
diretora, conta a história da adolescente Melinda Sordino (Stewart) a partir do
primeiro dia de aula de um novo ano letivo. Embora já estudasse no colégio, ela
aparenta ser uma completa estranha no ambiente e seu estado de espírito em nada
se assemelha a euforia dos demais estudantes. Sentindo-se deslocada e considerando
seus professores completamente excêntricos, ela só relaxava quando estava na
companhia do Sr. Freeman (Steve Zahn), o novo professor de artes que por ser
também jovem parecia compreender melhor os alunos e dava a liberdade para que
todos se expressassem através de desenhos livres. Ela também admirava o jeito
contestador de Dave Petrakis (Michael Angarano), aluno com coragem para expor
opiniões e contrariar professores, não raramente dizendo as coisas que estavam
engasgadas na garganta dela. A narração em off da protagonista procura deixar
claras suas sensações, expectativas e angustias, mas chama a atenção quando ela
comenta sobre Rachelle Bruin (Hallee Hirsh), aquela que viria a ser a sua
ex-melhor amiga. Hã? Sim, isso mesmo. O início do filme é um pouco confuso por aparentemente
narrar a adaptação da garota a um novo colégio, o que não deixa de ser verdade
de certa forma visto que para ela tal ambiente está completamente mudado.
Entrecortando a narrativa, temos rápidos flashbacks com
cortes desconexos nos quais Melinda estaria em uma festa bem entrosada com seus
colegas, porém, ela chama a polícia indicando que algo errado aconteceu neste
evento. Mais adiante, ao vermos seu flerte com Andy Evans (Eric Lively), um
jovem metido a conquistador, não é muito difícil imaginar o que aconteceu
naquela noite. Pouco tempo depois ele está namorando Rachelle, o que poderia
justificar o estranho comportamento da protagonista pelo receio de acabar com a
alegria da amiga revelando quem é realmente o rapaz, mas o pouco que fala é o
bastante para abalar a relação delas. Vingativa, a ex-melhor amiga faz questão
de menosprezar o quanto pode a garota e incentiva outros estudantes a fazerem o
mesmo, não faltando a clássica cena de humilhação no refeitório. Contudo, algo
bem mais grave parece ter acontecido naquela baladinha, mas Melinda não tem
coragem de revelar a ninguém. A sensação é que as chacotas ocorrem porque ela ficou
marcada como uma estraga festas como se algo repreensível tivesse acontecido e
fosse a única a não compactuar a manter o sigilo, porém, seu estado melancólico
denuncia que seja o que for que aconteceu tal fato manchou sua reputação. Por
um ano preferiu guardar este segredo, assim seus poucos amigos a preferiam
longe por conta de seu jeito deprimente de ser. Aparentemente ela não tem
problemas com os pais, Joyce (Elizabeth Perkins) e Jack (D. B. Sweeney), mas
não tinha uma relação muito próxima a ponto de revelar seus problemas, assim
sua tristeza inerente era interpretada por eles como algo normal da idade cheia
de novidades e transformações. E é nessa ignorância que parece generalizada que
está o grande trunfo do filme: propor o diálogo entre pais e filhos,
professores e alunos e entre amigos. Quantos casos reais sobre adolescentes que
se suicidam, sofrem de depressão ou se entregam às drogas surgem todos os dias?
Na maioria constata-se um comportamento reprimido derivado de problemas que
para muitos podem parecer bobagem, como o fim de um namoro, a pressão para
escolher uma profissão, sentimento de inferioridade por conta de algum detalhe
físico ou classe social ou a falta de convívio com os pais que acreditam suprir
a ausência com dinheiro e bens materiais, mas para os jovens esses dilemas
podem alcançar proporções gigantescas. Contar as grandes revelações dos filmes
não é algo legal, mas em alguns casos é inevitável para comprovar seu valor. É
possível que com a leve dúvida plantada até aqui quem nunca tenha ouvido falar
sobre este longa esteja intrigado, porém, é mais fácil acreditar que a grande
maioria ainda deve achar uma bobagem qualquer que só deve interessar aos fãs de
Crepúsculo para ver a estrela que idolatram em início de carreira.
As opiniões podem mudar se falarmos que todo sofrimento de
Melinda é por conta de um estupro. Teria ela engravidado? Contraído alguma
doença? Essas dúvidas podem permanecer até o final, como se já não fosse o
bastante para justificar tanto o título nacional quanto o original, “Speak”
(Fale), a mescla de sentimentos de vergonha e culpa. Sim, a garota se sente mal
porque de certa forma procurou aquilo que acredita ter desgraçado sua vida. Se
sentiu o máximo ao receber a atenção do garoto mais desejado do colégio na tal
festa, mas sua inexperiência a ludibriou e nem passou pela sua cabeça que a
extensa lista de conquistas dele se deve ao fato de levar os relacionamentos
até certo ponto, ou seja, até a cama. No caso de Melinda foi tudo em velocidade
recorde e dentro do carro dele mesmo, ainda que na hora H ela tenha tentado
resistir, mas ele como boa raposa soube fazer tudo sem traços de agressão.
Assim como grande parte das vítimas de estupro, a adolescente foi abusada por
um conhecido e apesar de ter chamado a policia a vergonha venceu a coragem e
ela foi embora sem prestar queixa, ficando apenas marcada como aquela que
cortou o barato da galera. Uma série de motivos a impediram de contar a verdade
para alguém, mas pesou bastante o medo de ser apontada como o pivô da situação,
afinal há o estereótipo de que mulheres assediadas geralmente provocam os
homens. Já Andy não sente remorso algum e continua sua vida com a altivez
característica de quem goza de sua posição, inclusive indicando em uma cena que
estaria disposto a mais uma vez abusar de Melinda. Qual rapaz não gosta de se
gabar de suas conquistas amorosas? Infelizmente é um costume arcaico e o jeito
“pegador” de ser é motivo de orgulho na roda de amigos e até aprovado por
algumas famílias, situações que incentivam a precoce vida sexual das novas
gerações e o aumento de casos de estupros, afinal o sexo virou algo banal e
constante na vida dos jovens. Contudo, justamente por ser direcionado ao
público juvenil e criticar o comportamento promíscuo, O Silêncio de Melinda é
bastante recatado. Abre-se a ferida, mas é evitado colocar o dedo
profundamente. A impressão é que tanto as roteiristas quanto a autora da obra
original quiseram apenas abrir uma porta para o diálogo, cabendo aos adultos
desenvolverem o assunto com os adolescentes ou até mesmo entre os grupos de
jovens surgirem reflexões. A interpretação apática de Stewart por fim é
totalmente justificada, ainda que fique a sensação de que a atriz poderia
extrapolar um pouco mais as emoções da personagem. De qualquer forma, ela se
sai melhor que Zahn que mesmo mais experiente ou justamente por ter seu rosto
associado a comédias e aventuras não consegue convencer como o mestre que incentiva
a aluna, mesmo sem saber nada sobre seu dilema, a enfrentar o mundo de cabeça
erguida.
Drama - 89 min - 2004
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