quinta-feira, 17 de junho de 2021

IGUAL A TUDO NA VIDA


Nota 7 Woody Allen busca o público jovem, mas sem deixar de lado seu estilo e características


Gostem ou não de suas obras, não se pode desrespeitar a trajetória do cineasta Woody Allen que poderia ter se aposentado na década de 1990, mas continua sua carreira com o mesmo ritmo da juventude. Lançando praticamente um filme por ano, é natural que a maioria deles fique restrita aos seus fãs que já estão acostumados e apreciam seu estilo característico de contar histórias. Não é a toa que Igual a Tudo na Vida é lembrado com carinho por muitos "woodymaníacos", mas passou longe de ser um sucesso de repercussão. Na verdade, nem os mais aficionados consideram um dos melhores trabalhos de Allen, mas após uma sucessão de filmes medianos que se valiam mais pelo elenco, ele então voltava a mostrar equilíbrio entre a direção de atores e o texto afiado, talvez até porque de certa forma se inseriu na narrativa duplamente. Além de atuar, ele tem um improvável alter ego: Jason Biggs. Sim, aquele cara que protagonizou American Pie e mais um punhado de comédias que não vingaram entrou para a seleta lista do diretor. Ele interpreta Jerry Falk, um roteirista em início de carreira que não está vivendo um bom momento em vários aspectos. Ironicamente, o trabalho de Falk é justamente voltado ao campo da comédia, mas sua vida sem graça em nada o inspira. 

O rapaz é apaixonadíssimo por Amanda (Christina Ricci), mas rompem constantemente e mesmo entre tantas idas e vindas não consegue esquecê-la, assim como também não tem coragem de abandonar seu empresário Harvey (Danny DeVito) que não lhe arranja bons contratos, porém, ele é seu único cliente e o baixinho lhe apoia toda vez que rompe com a namorada. O jovem na realidade sofre de sérios problemas afetivos e esquiva-se de terminar relações, sejam amorosas ou de amizade, por medo de se sentir sozinho, tanto que nem mesmo consegue abandonar a terapia com um incompetente psiquiatra (William Hill). Para completar o inferno astral, sua sogra Paula (Stockard Channing), uma cantora decadente de barzinhos, mudou-se provisoriamente para sua casa e não o deixa se concentrar para escrever, mas por que aguentá-la se a sua própria companheira o rejeita? Para reafirmar que o problema é indiscutivelmente ele mesmo, Amanda o libera para dormir com outras mulheres e não perde a chance de sair casualmente com homens que lhe atraem para ver o que acontece com sua libido. Constantemente travando irônicos monólogos com a câmera para tecer críticas e comentar sobre o medo do fracasso e de sofrer por amor, assuntos corriqueiros do cineasta, o grande trunfo da produção é que para aconselhar Falk o próprio Allen está em cena. Ele interpreta David Dobel, um artista, pensador e experiente escritor que escolhe o jovem para ser seu protegido. Em corriqueiros passeios pelo Central Park, em Nova York, eles conversam sobre artes, cotidiano, terrorismo, amor e os problemas que o atormentam o rapaz. Segundo o mentor, o que parece impossível na verdade é igual a tudo na vida, ou seja, depende de certo esforço para ser conquistado. 


Em determinado momento em que estão em cena usando uma camisa idêntica percebemos uma brincadeira: Falk quer ser como Dobel e este, por sua vez, recorda a si mesmo na boa alma do jovem. No fundo ambos são Allen, aquele entusiasta das artes de outrora se encontrando com sua versão forçosamente rejuvenescida que precisa cativar seu espaço no cinema do século 21. Colocar atores para personificar a si mesmo nas histórias não é um recurso original no currículo do cineasta. John Cusack e Kenneth Branagh já assumiram tal missão no passado (respectivamente em Tiros na Broadway e Celebridades), mas o bastão foi passado ao jovem Biggs que aparentemente não agradou na função. Há quem diga que a escolha faz parte do subtexto do filme. Querendo fazer as pazes com críticos e populares e de quebra meio que exaltar sua trajetória profissional, além de entrar na narrativa como um sábio conselheiro (embora às vezes pareça um lunático), Allen escalou um ator jovem e com conexão com público de faixa etária semelhante e que estava fadado a viver preso a um estilo engessado de humor e, diga-se de passagem, de gosto duvidoso. Assim, além de procurar renovar seu grupo de fãs, a opção também revelaria o desejo do diretor em mostrar que poucos entendem de comédia quanto ele. Outros já extrapolaram e chegaram a dizer que Biggs se tornaria figurinha carimbada nos trabalhos futuros do cineasta, o que não ocorreu. 

Sem mudar absolutamente nada fisicamente desde os tempos em que se masturbava usando tortas ou meias, demora um pouco a nos acostumarmos com Biggs em uma comédia mais cabeça, no entanto, o roteiro tem uma brincadeirinha para deixá-lo mais confortável. Se em American Pie Biggs só pensava em sexo e não raramente se dava mal, com Falk não é diferente, porém, ele não está atrás de diversão com qualquer uma, mas sim de uma única garota que parece ir para a cama com meio mundo, menos com o homem que faz tudo para vê-la feliz, mas que diante da rejeição se sente cada vez mais desolado. Os conflitos vividos pelo jovem casal cairiam melhor a personagens com um pouco mais de idade e experiência de vida, todavia, as loucuras desta vida a dois ganham um tratamento deliciosamente exagerado nas mãos de Allen que acaba aproximando o espectador que pode até se identificar com algumas situações. A relação é conturbada desde o início. Quando se conheceram ambos namoravam, mas abandonaram seus parceiros para viver um amor aparentemente baseado em mentirinhas para forçar a conquista. Contudo, dividir uma casa e as intimidades diariamente é bem diferente que sustentar uma farsa em encontros esporádicos. Pela natureza volátil da moça, tentar levar uma vida de casada e não dar certo pode não causar grandes impactos, embora aparentemente enquanto judia do namorado também não quer a separação, mas para o rapaz o trauma é dos grandes. Ele está entregue de corpo e alma à relação e espera o mesmo da parceira, o que justifica sua paciência para aguentar as loucuras da moça. 


Para quem é fã do diretor esta comédia guarda um elemento extra de diversão: caçar referências à sua própria filmografia. Do início ao fim é possível encontrar semelhanças com outros de seus filmes, o que no caso de um currículo tão extenso torna-se um atrativo a mais. Falar sobre neuroses individuais e/ou coletivas sempre foi um dos temas prediletos de Allen, mas talvez Igual a Tudo na Vida faça uma alusão mais explícita ao premiado Noivo Neurótico, Noiva Nervoso. Assim como no filme de 1977, aqui também temos uma mulher com o poder de enlouquecer um homem apaixonado e uma série de situações que pouco a pouco envenenam a relação a ponto do casal não se dar conta que a paixão está minguando rapidamente. Ricci repete o perfil que fora de Diane Keaton como a moça instável que não sabe o que quer da vida e Biggs, mais que fazer papel de alter-ego, tem a difícil tarefa de evocar Allen nos seus bons tempos como ator revivendo o papel do homem que faz de tudo para agradar a mulher que ama, mas quanto mais se esforça menos atenção recebe. Há quem acuse o diretor de praticamente refazer sua obra-prima, mas sem assumir isso. Vendo por esse prisma, em meio a tantas de suas produções com roteiros originais, embora geralmente pautados pela mesma temática e reciclando tipos de personagens, esta comédia seria o patinho feio de sua filmografia, mas ao mesmo tempo seu trabalho mais diferenciado justamente por ter essa aura de remake. 

Comédia romântica - 108 min - 2003

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Um comentário:

Gilberto Carlos disse...

Um dos poucos filmes do Woody Allen que eu ainda não vi.