quarta-feira, 19 de outubro de 2016

ALPHA DOG

NOTA 6,0

Não era a intenção, mas trajetória
de jovem e bem nascido traficante
soa como uma apologia às drogas e aos
crimes, um perigo para mentes fracas
Baseado em fatos reais. Tais palavras são um chamariz e tanto para a publicidade de um filme, mas é fato que muitas histórias divulgadas como verídicas são extremamente mirabolantes, coisas que dificilmente até o mais criativo dos roteiristas poderia conceber. A trajetória de Jesse James Hollywood é um bom exemplo. Quem? Seu nome, uma fusão de um lendário criminoso dos EUA com a alcunha da maior fábrica de celebridades do país, não é muito conhecido fora dos EUA, mas com apenas 25 anos simplesmente era a pessoa mais jovem na lista dos procurados pelo FBI, “honra” que conquistou às custas de tráfico de drogas e homicídio. Para colaborar com a imagem do Brasil, nosso país serviu como esconderijo deste delinquente e também foi palco de sua prisão ocorrida especificamente na cidade de Saquarema no Rio de Janeiro em março de 2005. O filme Alpha Dog trocou nomes e fatos para narrar os acontecimentos que antecederam sua captura (na ficção realizada no Paraguai), assim o bandido com nome de artista virou Johnny Truelove (Emile Hirsch) que aos 19 anos já era um notável traficante em sua área, um subúrbio na Califórnia. Contudo, não bastava ter lucros, era preciso também bancar uma imagem respeitável para botar medo nos inimigos e domar seus subordinados. Jake Mazursky (Ben Foster) é um jovem que está lhe devendo uma grana, mas no fundo sabe que jamais verá a cor do dinheiro, a não ser na base da pressão. A solução encontrada é sequestrar o irmão do caloteiro, Zack (Anton Yelchin), mas como não havia a intenção de machucá-lo a temporada no cativeiro acabou se tornando umas férias curtas, porém, luxuosas para o rapaz que ficou aos cuidados de Frankie (Justin Timberlake), outro jovem que encara a vida como uma balada sem fim. O “refém” passa a curtir festas seja dia ou noite regadas a muita bebida, drogas e garotas bonitas e promíscuas. Zach adora a experiência, afinal qual garotão não gostaria de levar uma vida sem regras e repleta de diversão, o problema é que Jake não tem como pagar a dívida e nem como revelar a verdade para sua mãe que obviamente envolve a polícia no caso. Mais tarde Frankie e Truelove também não teriam como explicar às autoridades que o sequestro foi apenas uma farsa, o que revelaria os negócios sujos em que estão metidos. Em tempos em que muitos pedem a legalização das drogas alegando que a perda da aura de proibido é a melhor maneira de acabar com o vício, a ideia seria que o filme reforçasse que “fumar unzinho” ou “dar uma cheiradinha” não é algo normal e que mais cedo ou mais tarde trará prejuízos físicos e sociais, mas a sensação é que mais de 90% da narrativa exalta tais hábitos e o estilo de vida de seus usuários que nem de longe lembra o drama daqueles que chegam a morar na rua por conta da dependência.

Muito se fala sobre os problemas de educação dentro de casa e suas consequências e este filme mostra bem tal conflito. Aparentemente, Johnny levava uma vida de luxos e promiscuidade às custas de crimes apoiado pelo pai, interpretado por um canastrão Bruce Willis, que devia se orgulhar do jeito machão do filho, certamente resquícios também de uma péssima criação familiar. Já a mãe de Zach, vivida por Sharon Stone, lhe ofereceu uma educação mais sufocante, porém, quando o garoto teve a oportunidade de viver uma realidade diferente não pensou duas vezes e se jogou. O longa faz um contundente retrato da futilidade que impera entre a classe média norte-americana e cujo padrão de vida acaba se refletindo na cultura de outros países como no Brasil onde os filhinhos de papai tentam copiar ao máximo hábitos e se afogam no consumismo de bugigangas ianques. Enquanto a americanização se concentra na aquisição de bens de consumo e culturais tais como vestimentas e música as coisas podem ser controladas, mas o problema é quando o comportamento também é copiado, seara que engloba as drogas, bebidas e libertinagens. Aquela inocente “ficada” na balada é um reflexo disso, mas o que parece só curtição em excesso pode se tornar um problemão e é isso que o diretor Nick Cassavetes quis mostrar neste trabalho. Filho do conceituado e saudoso cineasta e ator John Cassavetes, que atuou no clássico O Bebê de Rosemary, é espantoso ver sua travessia pelo gênero da denúncia social após dirigir o romântico e lacrimoso Diário de Uma Paixão. Parece outra pessoa atrás das câmeras para contar uma história que repudia, mas ao mesmo tempo conquista. Apesar de tantos palavrões, orgias, violência, químicas e ócio que preenchem o universo dos jovens do filme, ainda assim ficamos tentados a saber qual será o desfecho da trama, ou melhor, descobrir quais os eventos que levaram à prisão de Johnny, mas não é qualquer um que tem paciência para acompanhar o cotidiano porra louca dessa rapaziada. Difícil não se imaginar como um personagem onipresente tentado a mandar bala nos miolos dessa turma ou esfaqueá-los como os seriais killers mascarados de antigamente que puniam os jovens desvirtuados. Eita, não é filme de terror, que viagem! Se bem que rola tanta bagaça alucinógena que os personagens parecem estar constantemente fora da realidade. De qualquer forma, por trás de toda a babaquice que enche boa parte do longa, no fundo temos uma boa crônica da juventude burguesa e alienada contemporânea, mesmo a ação se passando em meados dos anos 90. De lá pra cá pouca coisa mudou e se mudou foi para pior. Talvez por isso a fita não tenha sido um sucesso. A molecada que se empolgou com o chamativo trailer não deve ter gostado nada de se ver retratada de maneira tão ordinária, mas a realidade infelizmente é essa.

Também responsável pelo roteiro, Cassavetes criou uma obra de difícil classificação. Por se tratar de uma história real e no fundo trágica, a rigor rotula-se como um drama, mas há espaço para o thriller policial e até toques de documentário. O diretor teve acesso a toda documentação arquivada pela polícia a respeito de Johnny, embora a trama se concentre nos três dias que marcaram para sempre sua vida e também a de seus amigos. O promotor que liberou o material foi punido, mas como já dito o diretor driblou possíveis processos substituindo os nomes das pessoas envolvidas, contudo, ainda manteve o aspecto realista investindo em depoimentos de acusados e testemunhas em formato jornalístico (algo dá errado no sequestro de Zach), um recurso válido, porém, que neste caso teve um encaixe falho. Os personagens dialogam com a câmera, mas o conteúdo não soa interessante, sendo a mais chamativa destas cenas quando Stone surge exageradamente maquiada para lamentar o que aconteceu com a família Mazursky, tentando sorrir enquanto chora, uma clara crítica ao jogo de aparências que faz com que muitos problemas sejam varridos para debaixo do tapete. É a abordagem do desajuste social e suas consequências que dão valor à fita. A certa altura, por exemplo, uma garota indignada com o sequestro vai conversar com a mãe, mas a ajuda é negada porque simplesmente os pais estão trancados no quarto chapadões. Os excessos são usados como válvula de escape e entre a classe média ianque as drogas são de fácil acesso por todos, a melhor opção para fugir da realidade. Mais cedo ou mais tarde essa menina também se envolveria com entorpecentes incentivada dentro da própria casa ou por outros jovens que aceitariam lhe ouvir desde que desse um trago. Experimentou uma vez e já era. Parece bobagem, mas casos do tipo são muito comuns e a explicação para tantos jovens bem nascidos caírem nesse mundo sujo, afinal não basta os pais deixarem dinheiro em casa para seus filhos terem independência. A grana acaba virando a munição para eles procurarem a pior forma de serem notados. O próprio Frankie é a personificação do jovem que nada conforme a maré sem ter tempo para calcular riscos, assim vive cada dia como se fosse o último e não mede as consequências de seus atos. No conjunto, Alpha Dog não diverte, tampouco emociona, mas ainda assim não conseguimos ficar inertes, pois consegue despertar reações negativas por conta de seu conteúdo que mostra com naturalidade como adolescentes são absorvidos facilmente pelas armadilhas do submundo que aqui não é apresentado na penumbra e cercado por lugares fétidos, pelo contrário. Aqui os bandidos andam de cara limpa, exibem corpos sarados e tatuados e bebem e flertam à beira da piscina, um convite e tanto para mentes fracas. Mesmo reiterando ao fim que o crime não compensa, o filme acaba deixando uma imagem contraditória para lembrança.

Drama - 116 min - 2006 

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