Nota 6 Embora esquemático, longa cumpre sua função de entreter e também de denúncia social
Muitas mulheres sonham com um casamento perfeito e duradouro, mas casos em que se descobre tardiamente que o príncipe encantado na verdade é um baita de um vilão infelizmente são extremamente comuns. Esse é o ponto de partida de Nunca Mais, suspense com pitadas de drama estrelado por Jennifer Lopez, para variar em um papel com um quê de latinidade que desperta a atenção dos homens. Ela vive Slim, uma dedicada garçonete que certa vez passa a ser incomodada por um cliente inoportuno que acha que a moça é do tipo fácil, claramente um preconceito inerente a sua profissão e aos seus traços étnicos. De repente, oportunamente, um outro homem surge cheio de marra e logo livra a moça do canastrão. Ele é Mitch Hiller (Billy Campbell), um sujeito bonitão e que aparenta ser de boa índole. Imediatamente, pinta um clima entre a garçonete e seu herói e Ginny (Juliette Lewis), a melhor amiga dela, a incentiva a investir nesse relacionamento e em menos de dez minutos de filme já estamos acompanhando o casamento deles. Ela não só ganha um marido que parece super apaixonado como também uma vida confortável, afinal ele é milionário e assim ela vira exclusivamente uma dona de casa que não precisa se preocupar em ter uma profissão.
A ação avança alguns anos e o casal então tem uma filha pequena, Gracie (Tessa Allen), mas a relação entre eles sinaliza desgaste. A rapidez do roteirista Nicholas Kazan para desenvolver esta introdução tem justificativa. Seu objetivo não era fazer um drama choroso, mas sim um thriller envolvente capaz de fazer o espectador se identificar a tal ponto de não ligar para algumas situações inverossímeis. Então para que se preocupar com pormenores do casal? Vamos logo ao que interessa! Slim descobre que Hiller está tendo um caso com outra mulher e confronta-o ameaçando se separar, mas como todo bom cafajeste ele se defende dizendo que seus instintos masculinos o obrigam a procurar prazer com outras e que não pretende deixar de dar suas puladas de cerca. Ele ainda deixa claro que ela não pode reclamar de nada, afinal ela tem tudo o que quer e em troca ele só pede liberdade para suas aventuras sexuais, mas exige a permanência da esposa que no final das contas vive para ele como uma espécie de empregada dentro de casa e nos eventos sociais como uma peça de adorno indispensável para a manutenção de sua imagem pública. Disposta a encerrar o casamento depois das revelações sinceras e insensíveis do marido, Slim ainda tem receio de se separar por conta da adoração da filha ao pai, todavia, a cada dia a situação piora.
Certa vez, Slim leva um grande susto ao chegar na escola para buscar Gracie e descobrir que Hiller já havia passado por lá. Ele a levou para uma visita ao zoológico, mas o passeio foi feito com segundas intenções, um aviso para que a mulher se conformasse com a situação e parasse de afrontá-lo, caso contrário ela ficaria sem a filha e na miséria. No limite da resistência, ela aceita a ajuda de Ginny e do amigo Phil (Christopher Maher) para fugir com a garota de madrugada, mas Hiller descobre o plano, surpreendendo a esposa e a agredindo como nunca antes. Entretanto, os cúmplices invadem a casa e conseguem realizar a fuga de mãe e filha e assim começam suas desventuras tentando recomeçarem suas vidas. Porém, o marido estará no encalço delas e disposto a tudo para trazê-las de volta, assim Slim se vê obrigada a fugir para vários lugares em tempo recorde, mudar de visual e até mesmo assumir uma nova identidade para poder ter onde se hospedar, por exemplo. Entretanto, lhe escapa alguns detalhes, assim ela não pensou que Hiller seria capaz de imediatamente cancelar seus cartões de crédito e tampouco que ele teria o raciocínio de pedir o rastreamento da conta de Ginny, que lhe financiou a primeira estadia. Com a mesma inocência também não pensava que uma simples ligação da filha ao pai feita em um telefone público a muitos quilômetros de distância poderia denunciar o exato local onde elas estavam.
Fora os deslizes da própria fugitiva, Hiller parece bem relacionado no submundo e tem capangas espalhados por todos os cantos, assim foi fácil chegar até a casa de Joe (Dan Futterman), antigo namorado da moça que lhe cedeu abrigo provisoriamente. Como última cartada, Slim chega até mesmo a procurar Jupiter (Fred Ward), seu suposto pai biológico, a quem recorre no desespero para conseguir o dinheiro necessário para dar uma guinada em sua vida. Nada de mudar de país e viver sob a tensão de a qualquer momento ser encontrada. Ela manda Gracie para o Havaí na companhia de um amigo, contrata uma sósia para confundir os cúmplices do marido e paga aulas com um grandalhão instrutor de autodefesa (Bruce A. Young) que lhe ensina valiosos golpes e truques para ela se sentir confiante para encarar o ex para uma luta de igual para igual. O ato final funciona para divertir e dar um merecido troco ao vilão com a mesma moeda, porém, além de uma revanche inverossímil, a conclusão vai contra todas as instruções de segurança oferecidas em casos de agressão a mulheres. O diretor Michael Apted acaba levando em consideração uma regra básica dos filmes de ação protagonizados por machões: violência se combate com violência.
Não dá para negar a sensação de que você já viu este filme antes. A temática e as situações clichês já bateram ponto em muitas outras obras, inclusive o longa guarda muitas semelhanças com Dormindo com o Inimigo estrelado por Julia Roberts. Por que então dar um voto de confiança a este trabalho? A violência doméstica é um assunto atemporal e vale a pena trazê-lo à tona rotineiramente, mas são poucos os casos que chegam a conhecimento das autoridades de segurança. Casos como o de Slim podem acontecer em todas as classes sociais, mas curiosamente os que tornam-se públicos geralmente envolvem pessoas mais pobres e desprovidas de educação, pois é da natureza delas resolverem os problemas na base da violência. Casais de classe média ou alta tendem a manter a insatisfação enclausurada dentro de casa, assim preservando a felicidade de fachada para a sociedade. Todavia, em geral, o que rege a submissão das mulheres e aumenta a agressividade dos homens para persuadi-las, seja lá qual for a situação econômica ou intelectual dos envolvidos, é o medo dos comentários maldosos, a dependência financeira e o receio de ferir terceiros. Pela denúncia social, Nunca Mais vai além do bom entretenimento que promete.
Suspense - 115 min - 2002
2 comentários:
Ainda não assisti esse filme. Lembro da crítica da Revista Set: "Para ver uma vez e NUNCA MAIS", fazendo alusão ao título.
Então Gilberto o filme até que entretém, não diria que é todo indigesto, mas o final realmente é o calcanhar de Aquiles da produção com J-Lo atacando de ninja hehe
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