Nota 2 Datado, longa é mais um entre tantos filmes oportunistas a explorar teorias apocalípticas
O final do ano de 1999 foi atípico. Um misto de entusiasmo e tensão pairava no ar em todos os cantos do planeta. A chegada do ano 2000, também confundida com a virada para o novo milênio (que na verdade aconteceria somente no réveillon seguinte), era embalada por diversas teorias apocalípticas a respeito do fim do mundo e cientistas e especialistas em informática se preparavam para passar a noite de ano novo de plantão com o intuito de evitar um bug, uma falha de alguns softwares que poderiam não atualizar a mudança de data corretamente e acabar retrocedendo o relógio no tempo trazendo graves problemas para alguns setores como, por exemplo, o financeiro que sofreria prejuízos com taxas de juros e prazos de cobranças absurdamente alterados. Para o pessoal de Hollywood pouco importava o impacto no dia-a-dia das pessoas, o que estava em jogo era aproveitar o climão e soltar os demônios, literalmente! E nem Arnold Schwarzenegger escapou dessa onda. Autoexplicativo até no título, Fim dos Dias é uma colcha de retalhos e não deixa dúvidas quanto a razão de ter sido produzido.
No final daquele ano muitas produções foram lançadas a toque de caixa explorando temáticas sobrenaturais, a maioria descaradamente reciclando porcamente o argumento do Diabo vindo à Terra para procriar. O longa dirigido por Peter Hayams bebe nessa fonte e não desperdiça nenhuma gota. Tudo que já se viu em outros filmes do tipo é reaproveitado. Schwarzenegger, longe das telas desde o fracasso de Batman e Robin, foi obrigado a ficar pouco mais de dois anos afastado do trabalho por conta de uma cirurgia cardíaca e seu retorno foi marcado pelo oportunismo. Ele interpreta Jericho Cane, um ex-policial que após perder a esposa e filha em um assalto perdeu totalmente a fé e agora vive depressivo e entregue ao vício em bebidas. O perfil é bastante manjado, mas dramático demais para o talento restrito do ator mais acostumado a lidar com armas do que com pessoas. Após enfrentar alienígenas, máquinas, terroristas e outros tantos vilões de tudo quanto é tipo, chegava a hora do brutamontes bater de frente com um perigo sobrenatural, mais precisamente o Satanás em carne e osso. Gabriel Byrne encara o coisa ruim com toda a propriedade e sua versão humana é bem mais assustadora que a criatura computadorizada que surge no clímax, algo tão extravagante que parece inspirado em alegoria de escola de samba.
Byrne, visto no mesmo período como um padre em Stigmata, mais um título que explorava o filão das teorias apocalípticas e fanatismo religioso, aqui não apresenta o Diabo em aparições sensacionalistas. Assumindo o corpo de um humano para poder transitar a vontade pelas ruas de Nova York, ele mete medo com sua lábia e expressões de cinismo, principalmente para tentar convencer Cane a se aliciar ao lado das trevas e ajudá-lo a cumprir sua missão. O plot do roteiro de Andrew W. Marlowe não poderia ser mais previsível. O Diabo veio para a Terra com o intuito de engravidar uma jovem predestinada, Christine York (Robin Tunney), e assim perpetuar as trevas. Ainda recém-nascida, ela passou por um ritual satânico dentro da própria maternidade e agora não só tem que fugir do demônio e seus aliados como também de religiosos que acreditam que sua morte é um sacrifício necessário para o bem da humanidade. Embora na época os produtores tenham afirmado que a construção do roteiro foi baseada em estudos do catolicismo, o filme sofreu repressão por membros da Igreja que reclamou de do excesso de cenas violentas e de mau gosto, como a introdução com um bebê submetido a um rito com uma serpente, e principalmente criticaram o uso indevido de ícones e temas católicos. Mesmo com tal polêmica, o filme não foi beneficiado.
Híbrido de suspense, terror e ação, no saldo final obviamente prevalece o último gênero para favorecer Schwarzenegger. Não faltam explosões, tiroteios, perseguições, acidentes de trânsito e lutas. Ainda assim, o astro não consegue esconder seu desconforto nesta produção. Hyams não teve habilidade para desarmar o ator e suas cenas dramáticas são sofríveis. Como já dito, o perfil do protagonista é de um homem vulnerável e merecia um intérprete mais condizente, alguém que pudesse transmitir suas tristezas e dúvidas com mais competência. Cane no fundo é deprimido, sente que não tem mais motivos para viver, assim não é muito convincente que de uma hora para a outra ele aceite arriscar sua vida para assegurar o futuro da humanidade. De qualquer forma, não se pode creditar o fracasso de Fim dos Dias exclusivamente ao protagonista. O fraco roteiro empurra goela abaixo dos espectadores uma série de explicações estapafúrdias, coisas para deixar os católicos de cabelos em pé como a teoria de que o repudiado numeral 666 invertido teria alguma relação com 1999... Oi?
É óbvio que quem curte filmes com enredo inteligentes não esperariam algo profundo estrelado pelo eterno Exterminador do Futuro, mas para os fãs do ator e do gênero que ele tão bem representa eis aqui uma boa pedida. Se faltou esmero no enredo e interpretações, é digno de nota os esforços do diretor em construir boas sequências de ação auxiliado por efeitos sonoros estridentes e edição frenética. Porém, o filme se estende além do necessário comprometendo o clímax que, como de costume em produções do tipo, oferece reviravoltas em tempo recorde e show pirotécnico. E assim temos apenas mais um filme que enquanto se assiste entretém, mas se apaga da memória tão logo começam os créditos finais. E olha que o argumento bebe na fonte do clássico O Bebê de Rosemary, guardadas as devidas proporções. Será que Hyams realmente assistiu com atenção para se inspirar? Pelo resultado é difícil acreditar, mas uma maratona das fitas de Schwarzenegger certeza que encarou. Tirando a briga com Satanás, tudo que o astro já vivenciou nas telonas bate cartão.
Ação - 124 min - 1999
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