NOTA 8,0 Clássico de Shakespeare é adaptado para o universo infantil com modificações e protagonizado por anões de jardim |
Tragédia não combina com o
universo infantil, isso é fato, porém, quem disse que uma história triste não
pode ser adaptada para ao universo dos pequenos? Baseado no romance “Romeu e
Julieta” de William Shakespeare, Gnomeu e Julieta é mais uma animação
a provar que o gênero pode ajudar as crianças a se aproximarem de uma
literatura mais madura e clássica, tal qual a Disney já fez com Pocahontas e O Corcunda de Notre Dame, por exemplo, mas no caso o diretor Kelly
Asbury muniu-se de um arsenal de piadas visuais e no roteiro para chamar a
atenção da criançada. Co-diretor de Spirit
– O Corcel Indomável e Shrek 2, o
cineasta procurou nesta nova incursão no campo das animações não ser tão sério
quanto na aventura do cavalinho, porém, sua incursão pelo mundo shakespeariano
também não se revela tão divertida quanto seu passeio pelo reino de Tão Tão
Distante, ou melhor dizendo, não se revela tão anárquica. Apesar de carregado
de citações a filmes de sucesso e a referências populares e modernas, Asbury
pegou mais leve no humor desta vez até porque tinha a preocupação de manter a
essência do conto original, ainda que modificando o texto em vários pontos para
atenuar a dramaticidade. A primeira cena traz um gnomo avisando que a história
que está prestes a ser contada não é inédita, pelo contrário, já ganhou
centenas senão milhares de adaptações mundo a fora seja em forma de filmes,
especiais de TV, espetáculos teatrais, histórias em quadrinhos, enfim todas as
plataformas midiáticas já usufruíram da essência daquele que é considerado o
conto mais romântico de todos os tempos. Só para nos atermos no campo da sétima
arte, considerando desde os tempos dos filmes mudos é uma conta trabalhosa
somar o número de versões que tal narrativa já rendeu, mas é uma pena que a
maioria das versões peca pela falta de originalidade, mas o desenho em questão
surpreende positivamente. A rivalidade entre os Capuletos e os Montecchios
continua sendo o mote principal, mas os visuais dos personagens e da
ambientação da história mudaram bastante. Saem de cena as pessoas e os suntuosos
cenários originais para entrarem em seus lugares os anões de jardim que vivem
em gramados cercados de vegetação abundante e de cores vibrantes. Tais adornos
de quintal conseguem conquistar logo a primeira vista com suas aparências
simpáticas e personalidades bem delineadas, mas a opção por eles foi um risco
assumido por Asbury visto que eles estão em desuso, uma ousadia ainda maior
subvertendo a tragédia a um ambiente fantasioso onde tudo pode acontecer.
Em um subúrbio londrino, os
jardins de duas residências vizinhas chamam a atenção por sua beleza e a paz
que aprece imperar, mas os bonitos enfeites de cerâmica que estão expostos por
lá não são meros ornamentos. Tal qual em Toy
Story, quando não há humanos por perto os
bonecos levam uma vida comum como qualquer pessoa de carne e osso e isso inclui
as discussões com os vizinhos. Os gnomos azuis, sob o comando da Sra.
Montecchio, vivem em pé de guerra com os moradores do outro lado da cerca, os
gnomos vermelhos, estes obedecendo as ordens do Sr. Capuleto, dois grupos
rivais que passam seus conflitos de geração para geração. Entre sabotagens,
disputas e palavras depreciativas, eis que um dia o inesperado acontece. Por
causa de uma orquídea rara que nasceu no alto de uma estufa presa a uma árvore cujos
galhos ocupam o terreno das duas propriedade quis o destino que se encontrassem
Gnomeu e Julieta, respectivamente representantes dos azuis e dos vermelhos.
Ambos resistem inicialmente ao interesse que sentem um pelo outro, mas aos
poucos começam a evidenciar que estão apaixonados, mas como viver esse amor
quando as famílias inimigas estão tão próximas? O primeiro encontro dos dois é
uma cena belíssima, digna de filmes de romance, mas não tarda para a sequência
ser ironizada. De qualquer forma, mais uma vez o tema dos dois jovens
apaixonados que vivem um amor impossível devido aos conflitos existentes entre
suas respectivas famílias pode conquistar novas gerações. O romance é meloso e
paradinho demais? Esqueça as adaptações clássicas. O roteiro escrito pelo próprio
Asbury, inacreditavelmente dividindo os créditos da função com mais oito
pessoas, prioriza o ritmo frenético e toma diversas liberdades para atenuar o
texto shakespeariano para conquistar os mais novinhos, mas sem esquecer-se de
homenagear um dos mestres da literatura mundial. Uma estátua do autor aparece
em determinado momento para dialogar com Gnomeu sobre “Romeu e Julieta”, sem
dúvidas a sua obra mais popular, e entrega que sua história é muito boa porque
literalmente é uma tragédia, morre todo mundo no final. Tal citação é uma
ironia do cineasta que obviamente teve que fazer uma manobra para garantir um
final feliz ao casal de pombinhos, mas assistir a este trabalho já sabendo que
a felicidade impera no final, com direito a show de dança a la Shrek e sua
turma, não estraga a agradável surpresa de acompanhar os eventos que convergem
em tal conclusão. O contentamento é ainda maior ao descobrirmos que existe sim
a possibilidade de filmes de animação fora das empresas Disney, Pixar ou
Dreamworks, modelos de sucesso, mas que também já contabilizam alguns fracassos
devido a repetição de fórmulas.
Pequenos detalhes visuais ou nos diálogos comprovam o eficiente emprego
do humor e da criatividade de todos os envolvidos. Seguindo tendências,
obviamente não faltam referências a outros filmes de sucesso para fazer graça
como, por exemplo, Gnomeu se disfarçando como um guerrilheiro no melhor estilo Rambo. Outras piadas surgiram do próprio
conto escrito em meados do século 16, assim algumas referências foram readaptadas
como os clássicos duelos de espadas que foram substituídos por uma corrida de
aparadores de grama, que por sua vez fazem alusão as famosas disputas de bigas
de Ben-Hur (diga-se de passagem,
situação que levou ao estopim de mais uma briga entre as famílias). Ainda há referências a O Exterminados do Futuro, Tango e Cash e
a modismos como uma brincadeira com a empresa Apple no qual seu símbolo é
trocado, uma maçã por uma banana. Além do roteiro divertido e criativo, merece
atenção o visual dos anões de jardim, totalmente verossímil, quase real. Os
mais novos tem um brilho sutil enquanto os mais velhos aparecem com alguns
defeitos na pintura indicando o seu tempo de uso e em ambos os casos os sons
que eles fazem quando se movimentam lembram o toque de uma peça de cerâmica ou
de gesso em uma outra. São pequenos detalhes que encantam e diferem a produção,
assim como Shrek e sua turma que tem traços e aspectos característicos e que
viraram marca registrada. Embora este projeto seja mais modesto, tanto em objetivos
quanto visualmente, isso não foi problema para as equipes de criação e animação
cujos trabalhos ganharam mais vida com os hits selecionados para a trilha
sonora, alguns sucessos conhecidos e outros inéditos, inclusive alguns
compostos por Elton John, um dos produtores executivos do longa. A opção de
levar uma narrativa adulta e dramática para o universo infantil em um primeiro
momento pode espantar negativamente, mas felizmente Gnomeu e Julieta dosa bem
o seu nível de infantilização. Apesar da pouca duração e do mal aproveitamento
dos personagens coadjuvantes, como o flamingo Featherstone e a rã Ama, ambos a
favor do relacionamento dos protagonistas, esta é uma boa oportunidade de
instigar o público infantil a se interessar por literatura de uma maneira
envolvente e sem ferir a inteligência ou a paciência dos adultos que também
devem se divertir bastante. Para quem conhece o conto romântico até de traz
para frente, esta animação sacia com folga o anseio por novidades em termos de
adaptação. Apesar das liberdades tomadas Shakespeare não deve ter ficado
chateado.
Animação - 84 min - 2011
3 comentários:
Adorei esse filme. Tem umas músicas bem bacanas do Elton John, além da hilária dublagem de Jason Statham fazendo o vilão.
Gostei dessa animação. Porém, esperava algo melhor.
Não é espetacular, mas agrada.
Gostei do filme. A trilha sonora é muito boa. Mas o roteiro achei fraco, mas mesmo assim achei uma boa animação.
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