NOTA 9,0 Longa baseado em comédia dos anos 60 ganha uma bela repaginada seguindo padrão de espetáculo da Broadway |
Os musicais ressurgiram com fôlego renovado nos anos 2000
e o público foi apresentado a um novo estilo do gênero que une as características
tradicionais a certas inovações. Tivemos o amor cantado em prosa e verso de Moulin Rouge, a crítica e o sarcasmo
implícito de Chicago e Hairspray e ainda o apelo popular das
canções famosas e nostálgicas que embalam Mamma
Mia!. Curiosamente um representante da categoria que tem toda a pompa e
requinte necessários para agradar aos fãs cativos do gênero e novos
espectadores infelizmente não fez o sucesso esperado. Os Produtores é a
refilmagem de Primavera Para Hitler,
uma comédia dos anos 60 dirigida por Mel Brooks e vencedora do Oscar de roteiro
original. Bem, a produção assinada por Susan Stroman foi bastante elogiada e
concorreu a alguns prêmios, mas foi totalmente desprezada pela Academia de
Cinema e consequentemente pelo público que preferiu ir ao cinema ver os longas
oscarizáveis da temporada. Uma pena, mas uma falha que felizmente pode ser
corrigida e mesmo quem já viu poderá se divertir novamente. No Brasil optou-se
pela tradução literal do título e não se apegar ao do passado. A primeira vista
pode ser uma atitude sem cabimento ou tino comercial, mas para quem já viu as
duas versões certamente ela fará todo sentido. O primeiro filme é curto e quase
sem nenhum resquício que o lembre como um musical, caracterizando-se muito mais
por ser uma comédia estereotipada. Já o remake é 100% melhor e agrega muito
mais elementos necessários para que mantivesse a aura do espetáculo teatral
homônimo (este que foi lançado em 2001 sendo reescrito e musicado pelo próprio
Brooks), a verdadeira fonte de inspiração para esta obra. Por isso não estranhe
as interpretações exageradas e os números musicais, cenários e figurinos que
transpiram teatralidade. Susan é uma premiada coreógrafa dos palcos que estreou
no cinema com o pé direito adaptando o próprio espetáculo musical da Broadway
de maneira que talvez ninguém mais esperava ver na modernidade. Investindo no
visual exagerado, praticamente um show de luzes e cores em alguns momentos, a
cineasta convida o espectador para reviver a era dos musicais de Hollywood. Tudo
flui com tanta naturalidade justamente por ela ter conseguido reunir
praticamente todo o elenco original da montagem. Nathan Lane e Matthew
Broderick permaneceram com seus papéis de protagonistas defendendo-os de forma
excepcional.
A trama gira em torno de uma dupla de vigaristas. Bem, um
é realmente um explorador que seduz velhinhas solitárias para garantir o
financiamento de seus projetos teatrais. O outro entra de gaiato na
malandragem. Max Bialystock
(Lane) é um produtor
arrasado pelo fracasso de sua última peça de teatro, mas quer virar o jogo.
Junto com Leo Bloom (Broderick), seu contador, ele trama um esquema para
enriquecerem rapidamente. Eles pretendem levar aos palcos a pior peça já
escrita, obter um grande número de investidores e contratar um elenco e um
diretor sem talento algum, assim a produção será um fracasso e eles fugirão com
todo o dinheiro investido. O argumento da peça fica a cargo do entusiasmado e
patriota autor alemão Franz Liebkind (Will Ferrell) e um dos papéis principais é
dado à fogosa atriz estrangeira Ulla (Uma Thurman). O tema escolhido para o
musical é Hitler e o nazismo, um prato cheio para os críticos e o público
massacrarem o espetáculo já que não iriam tolerar ver uma figura história sendo
achincalhada e mostrada de forma afeminada, por mais questionáveis que tivessem
sido as atitudes do ditador em vida. Porém, nem tudo sai como esperado e o
plano pode ir por água abaixo na última hora. No elenco ainda merecem destaque
Gary Beach como Roger De Bris, o diretor e protagonista do espetáculo, e Roger
Bart como Carmen Ghia, amante e assistente dele, ambos repetindo seus papéis da
Broadway. No geral, esta é uma comédia rasgada que alterna momentos de pura
ingenuidade com outros sarcásticos, mas jamais se tornando apelativa, o que é
bastante favorável para marcar a produção que em todos os aspectos se difere do
que estamos acostumados no campo do humor. Como puro entretenimento ela
funciona perfeitamente, mas ainda reserva recursos suficientes para fazer a
alegria daqueles que preferem um cinema mais cabeça, mas ainda assim divertido.
Claro que o fato de ser um
musical que segue a risca o molde dos clássicos do gênero de antigamente pode
não agradar muita gente também. O visual extremamente colorido pode chocar e as
constantes músicas que substituem ou entrelaçam diálogos passam a incomodar a
certa altura. Embora com letras divertidas e sonoridades deliciosas e
marcantes, as canções tornam-se um empecilho para muitos espectadores, mas na
realidade não parece que elas sejam o grande problema. O que atrapalha o filme
é sua longa duração, duas horas cravadas. Após vermos o tal espetáculo de
Hitler é praticamente impossível não ter a sensação de que chegamos ao fim, mas
ainda há um pouco mais de história. Alguns minutos a menos seriam benéficos,
mas de qualquer forma a extensão da narrativa não é nenhum sacrifício a ser
acompanhado. Brooks realmente estava
inspirado quando atualizou seu texto. O original foi feito na ânsia de lançar
algo inovador, mas a falta de incentivos atrapalhou e a proposta ficou pelo
meio do caminho, ainda que tenha conquistado certo prestígio. Embora sejam
corriqueiras as transposições de peças para o cinema ou vice-versa, muitos
ainda rejeitam essa vertente afirmando que são formas de artes distintas e que
um trabalho que deu certo em uma área certamente falhará quando adaptado para
outro tipo de apresentação. Os
Produtores é mais um exemplo que joga a teoria por água abaixo. De
quebra, ainda ficamos com uma ironia no ar. O mote do filme é justamente criar
uma peça que se tornasse um retumbante fracasso, mas tanto no cinema quanto na
Broadway real o espetáculo grandioso consolidou-se com sucesso. A produção foi
premiada com nada menos que dozes Tonys, o respeitável Oscar do teatro. Já a
Academia de Cinema mais uma vez provou que pouco está ligando para criatividade
e arte de verdade. O negócio dela é lucro e política de boa vizinhança.
Perderam a chance de ao menos indicar um produto que resgataria o que deveria
ser o principal objetivo da festa: premiar a arte de fazer cinema com qualidade
e conteúdo.
Musical - 134 min - 2005
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