terça-feira, 16 de junho de 2015

MANUAL DO AMOR

NOTA 8,0

Comédia italiana discute o
amor através das quatro
etapas pelas quais uma
relação fracassada passa
Infelizmente vivemos em uma época em que as locadoras passam por uma fase muito difícil vendo seu público trocando o ambiente físico pelo virtual para assistirem filmes. Por outro lado, existem apaixonados por cinema que continuam investindo nesta atividade e compondo um acervo invejável para atender aquelas pessoas que não se entregam a modismos e trocam assistir o super lançamento da semana que está sendo divulgado na internet por uma boa dica de um atendente ou cliente ou ainda pela surpresa de encontrar um título desconhecido ou raro entre as prateleiras da loja. É nessas oportunidades que realmente encontramos os verdadeiros cinéfilos, aqueles que gostam de fuçar cada canto de uma locadora e que se encantam pelos títulos menos procurados que, diga-se de passagem, podem ser bem melhores que os mais comentados do momento. Cansado das comédias românticas americanas? Com um pouco de esforço para encontrar você pode se deliciar com Manual do Amor, produção italiana que certamente poucos depositariam expectativas a primeira vista. O diretor Giovanni Veronesi consegue fazer uma divertida obra fragmentada que amarra quatro histórias acerca da busca pelo amor, mas sem que necessariamente uma dependa das outras para fazer sentido, embora sempre exista um gancho para ligá-las. Cada uma das tramas é como um curta-metragem anunciadas por um título que resume em uma única palavra o tema principal das sequências. Cada episódio tem um casal protagonista específico, mas o cineasta foi esperto ao adicionar ao menos uma cena em que os personagens do próximo segmento têm contanto com os do anterior, assim o espectador não fica com a sensação de que viu uma obra picotada. Além da estrutura narrativa diferenciada, o longa também se beneficia com uma narrativa que prende a atenção usando artifícios muito simples para reproduzir momentos com os quais os espectadores podem se identificar facilmente.

É interessante notar que o enredo começa com um tom mais romântico e o humor vai sendo introduzido conforme seu desenvolvimento. As histórias são intituladas de forma a fazer alusão do início ao fim de um relacionamento, como se fossem as fases de um amor fadado ao fracasso. A primeira é "A Paixão", em que Tommaso (Silvio Muccino) se apaixona por Giulia (Jasmine Trinca), mas não é correspondido até que a moça conhece o lado família do seu cortejador. A segunda representa "A Crise", mostrando Barbara (Margherita Buy) e Marco (Sergio Rubini), um casal de meia idade buscando uma solução, possivelmente um filho, para o desgaste do relacionamento de muitos anos. "A Traição" é o terceiro conto e nos apresenta à fiscal de trânsito Ornella (Luciana Littizzetto) que está arrasada com a traição de seu marido Gabrielle (Dino Abrescia) e declara guerra aos homens usando sua autoridade. Por fim, em "O Abandono", Goffredo (Carlo Verdone) é um médico bem-sucedido que foi deixado pela esposa e se mete em uma confusão com sua secretária Luciana (Sabrina Impacciatore). Desesperado para encontrar uma solução para sua solidão, ele busca auxílio em um livro de auto-ajuda chamado "Manual do Amor", que oferece dicas às pessoas com o coração partido. Entre as alegrias e as tristezas que o amor proporciona, solteiros, apaixonados, traídos e até mesmo quem nunca viveu uma grande paixão devem encontrar motivos para se envolver e se divertir em ao menos um desses contos. A opção de oito protagonistas, uma dupla para cada segmento, ajudou a dar um dinamismo ímpar à obra, quando o caminho mais fácil seria seguir um mesmo casal ao longo dos anos, do entusiasmo do amor a primeira vista até o barraco que fatalmente colocaria um ponto final ao relacionamento. Estruturas narrativas do tipo já foram usadas à exaustão, por isso a escolha italiana é bem-vinda e até certo ponto original.

A produção é impecável tecnicamente, com uma fotografia muito bonita, principalmente nas cenas finais passadas em uma praia praticamente deserta, e surpreende por sua edição na forma de capítulos substituindo as misturas de tramas tão comuns em obras fragmentadas que acabam por unir todas as arestas na conclusão. Quanto ao texto, ainda vale ressaltar a simplicidade e a emoção implícitas no tocante das relações amorosas. As cenas reproduzem momentos com os quais os espectadores podem se identificar facilmente. Eles são universais, ou seja, podem ocorrer com qualquer um e em qualquer parte do mundo. O humor utilizado aqui é bastante natural, o que facilita a identificação do espectador, mas resquícios dos estereótipos das comédias também marcam presença como, por exemplo, no último conto, quando o médico atrapalhado precisa se esconder embaixo da cama para não ser pego pelo marido de sua secretária, a típica cena cômica do amante em perigo tão corriqueira em filmes e novelas, mas que aqui ganha um gostinho diferenciado. Todavia, as situações engraçadas passam longe de serem forçadas e são calcadas em eventos cotidianos que podem ou não acontecer em sigilo. O elenco afinado colabora para o o bom resultado oferecendo interpretações críveis e divertidas, provando que um filme não precisa de um elenco super famoso para ser bom. Claro que é preciso ter um mínimo de interesse nas relações humanas para poder aproveitar esta obra. É uma pena que o cinema italiano, ou melhor, o europeu em geral, ainda sofra um preconceito pré-histórico sendo tachado de chato, lento ou extremamente dramático. Embora já tenha dado diversas provas de sua qualidade, Manual do Amor é mais uma chance que o público tem de rever seus conceitos. Pena que seja raro encontrar o filme, mas quem sabe em uma daquelas locadoras que ainda se orgulham de estarem com as portas abertas...

Comédia romântica - 116 min - 2005 

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