sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A VIDA É BELA

NOTA 10,0

Escondendo os horrores da
guerra através de uma
criativa desculpa, o filme já
nasceu para ser um clássico
A Itália tem seu cinema reconhecido tanto por parte do público quanto pela crítica e vem conquistando diversos prêmios e legiões de fãs mundo afora há várias décadas. Além de títulos de sucesso, o país também gerou ídolos mundiais das artes dramáticas como Sophia Loren, Marcello Mastroiani e... Roberto Benigni. Bem, ele alcançou a fama na década de 1990 através de comédias simpáticas, mas teve seu ápice quando armou o maior estardalhaço na cerimônia do Oscar para comemorar seu merecido prêmio de Melhor Ator por A Vida é Bela. Podem passar anos e mais anos, mas o nome desse ator certamente ainda será lembrado pelo público brasileiro com ressalvas ou até mesmo raiva. Justamente no ano em que parecia que finalmente ganharíamos o nosso tão sonhado Oscar levamos uma rasteira. É praticamente impossível falar deste marco do cinema sem lembrar do brasileiro Central do Brasil, duas grandes produções que disputaram praticamente todos os principais prêmios de cinema da época, mas a Academia de Cinema decidiu agraciar o épico italiano, fato que deixou o pessoal aqui na terrinha com um sabor amargo de tristeza e decepção. Muita gente até hoje se nega a assistir o concorrente, mas não há como negar que ele tem um visual de encher os olhos e uma trama muito emocionante, o que certamente seduziu os votantes que avaliam as produções estrangeiras, geralmente profissionais de mais idade e defensores de um cinema tradicional e romanceado. Os dois longas, apesar de possuírem diferentes estruturas e narrativas, têm em comum a idéia de envolver em suas histórias um garoto cativante e sonhador e a personagem principal feminina ter o mesmo nome, mas as coincidências terminam por aí. É preciso deixar o espírito patriota de lado para poder esmiuçar ambas as obras e descobrir o que há de tão especial em um que o outro não tenha. Não é fácil fazer análise de produções que praticamente empatam no quesito emoção e enredo, mas a resposta pode estar mesmo no orçamento refletido nas telas. O filme de Walter Salles é bem realizado, mas apresenta um cenário muito comum, quase sem vida, um cotidiano pobre estampado a cada nova cena. Já Benigni investiu pesado em ambientações, figurinos e objetos cenográficos para conferir uma aura de conto de fadas a um trabalho que começa realmente com um jeitinho encantador, mas depois abre espaço para uma dura realidade onde as cores tristes e acinzentadas predominam, porém, os diálogos e situações tratam de manter o lúdico em evidência até o último take que, diga-se de passagem, é bem tocante, mas um tanto apressado. No final das contas, digamos que o nosso representante, visualmente falando, era um produto desnudo perante o outro vestido em trajes finos para festa. 

Deixando de lado a mágoa do passado, para descobrir as mensagens e qualidades deste filme italiano não é preciso muito esforço, tudo está bem mastigadinho na tela e meticulosamente trabalhado para levar o espectador a se emocionar e, se possível, se esvair em lágrimas. A história se divide em duas partes distintas, porém, a fantasia e o bom humor estão presentes sempre. Tudo começa às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, mas não sentimos um clima pesado e depressivo graças a alegria e otimismo exalados por Guido (Benigni), um judeu que se apaixona a primeira vista por Dora (Nicolleta Braschi), a noiva de um oficial nazista. Ignorando os perigos ou convenções sociais, este homem não perde a chance de cortejá-la e a moça se rende ao seu charme e decide fugir com ele justamente no dia de seu noivado. Cinco anos se passam e o casal está levando uma vida feliz e confortável ao lado do filho, o pequeno e esperto Giosuè (Giorgio Cantarini). Tudo ia bem até que o exército alemão aparece de surpresa e captura pai e filho e os leva para um campo de concentração. Em seguida, Dora também se oferece para ser enviada ao local. Para evitar que o menino se traumatizasse com a dura e triste realidade do local, Guido usa sua criatividade para mascarar a situação e inventa que eles estão participando de uma gincana para ganharem um tanque de guerra. Contando com a compreensão dos outros prisioneiros, todos acabam entrando nessa fantasia para preservar a inocência do garoto, este que não estranha ter que ficar escondido ou não falar uma única palavra em alguns momentos. Tudo para ele pode gerar importantes pontinhos para a realização de um sonho que na verdade era um pesadelo. Só pela sinopse já é possível se emocionar, imaginar o que vamos encontrar e entender as razões desta obra ter conquistado o Oscar de filme estrangeiro e ainda ter garantido uma vaga entre os finalistas da categoria principal, um feito raríssimo, além de ser até hoje uma das produções mais comentadas e elogiadas da história do cinema. A trama é de fácil compreensão e identificação em qualquer parte do mundo e a crítica se rendeu completamente parabenizando a ousadia de Benigni, que não só atua, mas também é o responsável pela direção e roteiro, em retratar os horrores dos campos de concentração nazistas através de um olhar mais leve e brando, com passagens divertidas e extremamente tocantes.

A Segunda Guerra Mundial, um dos momentos mais tristes da história da humanidade, já foi o pano de fundo de diversos filmes dramáticos, mas aqui o tom de fábula deu um realce para o trabalho não ser apenas mais um. Isso se deve as memórias que Benigni guardou de sua infância quando seu pai lhe contava as terríveis histórias reais do período de formas muito criativas. Assim, todas as situações criadas para escamotear a verdade, apesar de inverossímeis, acabam tornando-se extremamente convincentes, quase como mágica. Muitos alegam que o roteiro é um grande pastiche, mas é preciso prestar atenção para perceber que por trás de todas as situações fantasiosas, existem muitos fatos históricos reais, inclusive alguns sobreviventes da época participaram da pré-produção ajudando a reconstituir o ambiente de um campo de concentração e corrigindo possíveis erros do roteiro. Com tanta precisão é impossível não pensar em quantos inocentes perderam suas vidas neste conflito acéfalo e como deram continuidade as suas vidas os sobreviventes que certamente guardaram para sempre em seus corpos e mentes as feridas que não cicatrizam nunca. Esse é um ponto forte do roteiro para criar um vínculo com o espectador. Dificilmente alguma família em qualquer parte do mundo não tenha alguma história de um antepassado que sofreu no período, precisou se refugiar em outro país ou, na pior das hipóteses, faleceu em combate ou sem nem mesmo saber que sua origem ou religião foram as razões de uma morte tão estúpida. No Brasil, por ter abrigado várias colônias e fugitivos de outros países, a identificação com o tema é coisa certa. A emoção da produção não reside apenas no fato de explorar um capítulo da história mundial que cada nacionalidade viveu de uma maneira diferente, em menor ou maior intensidade, mas também se deve a cativante relação entre pai e filho mostrada na tela, graças ao excepcional trabalho do estreante Giorgio Cantarini que empresta toda sua pureza e doçura a seu personagem, e, obviamente, ao próprio Benigni, que se inspirou em Charles Chaplin e nos ideais do socialista russo Leon Trotsky para criar um tipo otimista que olha tudo com bons olhos, mas nunca pendendo para o lado caricatural. A Vida é Bela é aquele tipo de filme que já nasceu para ser um clássico e que deve ser assistido diversas vezes. Em cada uma delas certamente renovamos emoções e sentimentos que nos fazem lembrar que a vida é feita de pequenos momentos de felicidade e que ela é curta, por isso é preciso aproveitá-la ao máximo.
Vencedor do Oscar de filme estrangeiro, ator (Roberto Benigni) e trilha sonora

Drama - 116 min - 1997 

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2 comentários:

Rafael W. disse...

Um belíssimo titulo pra um filme mais belo ainda. Inesquecível.

http://cinelupinha.blogspot.com/

marcosp disse...

ai ai ai, tenho sentimentos contraditórios pela a vida é bela, amooo CENTRAL DO BRASIL, foi uma pena os dois filmes serem no mesmo ano, enfim... a vida é bela é daqueles melodramáticos que te pega, raridade nos dias de hoje, onde se pratica com pouco amor uma paternidade...vale a pena ver
e chorar...