sexta-feira, 3 de junho de 2016

CISNE NEGRO

NOTA 10,0

Obra alia drama, suspense,
psicologia, arte e
entretenimento para falar
sobre a busca da perfeição
Buscar a perfeição em tudo o que fazemos é um objetivo que provavelmente todos sempre querem alcançar, mas muitos passam dos limites e acabam enlouquecendo. A obsessão desloca a pessoa da realidade e a leva a um mundo onde o real e o fictício se misturam e não se sabe onde um termina e o outro começa. O cultuado cineasta Darren Aronofsky não deve ter enlouquecido, mas buscou e conseguiu a perfeição com Cisne Negro, um trabalho que reuniu drama e suspense nas doses certas e que é um ótimo exemplo de que arte e entretenimento podem caminhar juntos. O longa é praticamente um thriller psicológico que divide opiniões. Muitos o cobrem de elogios e outros o insultam sem piedade, inclusive apontando erros onde não tem, por exemplo, ao tocar no assunto homossexualismo, um preconceito um tanto ultrapassado. Quem recrimina esta produção precisa assisti-la com mais atenção e livre de pré-julgamentos. É bem diferente analisar um filme pelo que os outros dizem e quando podemos julgar por aquilo que nós mesmos constatamos. Declaradamente artística esta obra conta com um trabalho de iluminação e edição essenciais para dar o clima de tensão que combinado com a bela e relativamente escura fotografia levam o espectador a um passeio por um mundo perturbador e angustiante, principalmente nos minutos finais quando a trama ganha uma forte densidade dramática e uma dose extra de adrenalina. Poucos diretores conseguem envolver o espectador usando histórias relativamente simples, mas que se tornam complexas conforme o andamento da trama, um verdadeiro turbilhão de emoções. Aronofsky, acostumado a narrativas de conteúdo forte e reflexivo como Réquiem Para um Sonho, parece gostar de explorar o quanto elementos externos influenciam um indivíduo para chegar ao sucesso de forma sadia ou degradando-o física e mentalmente. Em O Lutador, por exemplo, ele mostra o resgate da carreira de um boxeador que há muitos anos sofria com a rejeição da filha e a incapacidade de manter relacionamentos estáveis. Ainda em busca de esmiuçar o ápice de um profissional, aqui o cineasta aponta sua câmera para o mundo do balé, mais precisamente para uma bailarina em específico que deixou que as cobranças para que ela atingisse resultados excepcionais em sua arte a levassem a adquirir um quadro de problemas psicológicos sérios.  

Nina (Natalie Portman) é uma jovem que há muitos anos sonha em ganhar um lugar de destaque na companhia de balé da qual faz parte. A oportunidade chega quando Beth MacIntyre (Winona Ryder), a primeira bailarina do grupo, anuncia sua aposentadoria. Para conseguir a vaga as candidatas precisam dançar a coreografia do clássico musical Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, um famoso número no qual precisam se dividir em dois personagens: entre a delicadeza e a pureza do Cisne Branco e a agressividade e a malícia do Cisne Negro. Nina passa a se esforçar para conseguir o papel para realizar o sonho de sua mãe Erica (Barbara Hershey), que precisou abandonar a carreira de bailarina após engravidar. A moça consegue ser escolhida para ser a protagonista do espetáculo, mas, mesmo assim, devido a pressão que o coreógrafo Thomas Leroy (Vicent Cassel) passa a exercer sobre ela, Nina não descansa e continua cobrando o máximo de esforço de si mesma, até para não perder o posto para sua principal rival, Lilly (Mila Kunis), que será sua substituta caso ocorra qualquer imprevisto. Assim, ela acaba entrando em uma angustiante paranóia onde realidade e loucura se misturam e a busca pela perfeição parece ser seu único objetivo. Ela também se divide em sua vida fora dos palcos tal qual no espetáculo. Em certos momentos ela é imaculada, de acordo com a educação que teve, mas em poucos instantes passa por uma metamorfose e explode em momentos de raiva ou de comportamentos totalmente alheios a sua personalidade, reflexo das pressões que sofre em seu ambiente de trabalho e até na própria casa. É como se ela se transformasse de uma hora para a outra de menina em mulher. A garotinha que a mãe protegia cede lugar a uma adulta que precisa lutar e até extrapolar os limites permitidos para conquistar seu lugar no mundo, mesmo que precise matar alguém. A história inicialmente simples, conforme as questões complexas vão sendo inseridas, chega ao ápice no momento em que o Lago dos Cisnes é encenado.

À medida que Nina vai se transformando e a data de estréia do espetáculo se aproxima, o diretor mostra com sutileza as mudanças em sua personalidade e comportamento e Natalie Portman dá um show de interpretação, chegando ao ápice da loucura bem no momento da tão esperada apresentação de balé. Não é por acaso que conquistou os principais prêmios pelo papel, inclusive o Oscar. Seus olhos vermelhos e movimentos firmes e ágeis atrelados a uma poderosa iluminação no momento em que se transforma em Cisne Negro são de arrepiar. Aliás, tecnicamente a produção é um primor contando com um trabalho de luz especial para criar efeitos de penumbra e outros de luz estourada, como se quisesse passar a idéia que a protagonista se apaga em sua versão mais recatada e brilha nos momentos em que seu lado malicioso aflora. A trilha sonora é outro grande destaque, o que já era de se esperar já que o pano de fundo é uma obra do famoso compositor russo Tchaikovsky. Além da música tradicional do balé, também foi adicionada uma trilha original cuja função principal é auxiliar na construção do clima de suspense. A junção das duas é espetacular e de grande importância nas cenas finais. O conjunto todo é de um deleite visual incrível e só mesmo os mais insensíveis para não se envolverem com um enredo que, apesar de dramático, envolve o espectador numa teia de situações intrigantes de forma que em certos momentos é difícil saber o que é de verdade ou delírio da protagonista. Todo este processo degradante de uma artista em busca de reconhecimento é trazido à tona aos poucos. Vemos a construção de um sucesso profissional aniquilando a felicidade pessoal, mas para quem vive o conflito a realização na carreira significa sua alegria em todos os sentidos. Cisne Negro é uma obra densa e ao mesmo tempo muito delicada que não serve apenas para passar o tempo. É preciso ter no mínimo a sensibilidade apurada para usufruir deste verdadeiro estudo da obsessão e dos aspectos psicológicos e externos que regem a vida dos seres humanos. Os aplausos dados no final do filme coroando a apoteótica conclusão devem ser retribuídos em dobro à Aronofsky, que atingiu a perfeição em seu trabalho, assim como sua protagonista.

Vencedor do Oscar de atriz (Natalie Portman)

Drama - 108 min - 2010 

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7 comentários:

Rafael W. disse...

Simplesmente maravilhoso e arrebatador. Portman está inesquecível.

http://cinelupinha.blogspot.com/

renatocinema disse...

Perfeita sua visão que muitos passam dos limites e acabam enlouquecendo na busca pela perfeição.

Concordo novamente quando diz que o cultuado cineasta Darren Aronofsky construiu uma obra-prima.

Esse diretor comprovou mais uma vez sua força para contar histórias. Sou fã de todos os filmes, principalmente Requiem para um Sonho.

Tsu disse...

Oi Guilherme ^^
Eu nã otive coragem de ver Marley e Eu pois sei que irei chorar horrores. Mas independente disso, sei que continuarei gostando mais de Hachiko até porque é uma história mais profunda e reflexiva. E obrigada pelo comentário!

Sobre Cisne Negro...foi o melhor filme da atualidade...uma mostra que o cinema ainda é capaz de fazer a verdadeira arte. A arte e a beleza do pesadelo paranóico, repleto de figuras de linguagem.

Só é importante lembrar que mesmo toda a originalidade do diretor advém de uma animação japonesa chamada Perfect blue que o próprio diretor confirmou ter copiado a essência. Ele chegou até a comprar os direitos da produção.

bjs

http://www.empadinhafrita.blogspot.com

Anônimo disse...

Amei esse filme, Guilherme! *.*
Vc arrasou na resenha.
Vejo esse filme como uma obra-prima e a atuação de Portman não poderia ser melhor. Ela foi sensacional!
Bjs ;)

marcosp disse...

Cisne negro demonstra o lado negro da perfeição, se ela existisse é claro, nem o Pai Eterno foi perfeito, com certeza a loucura será feita para os pobres mortais que as tentares viver.
Nesse intuito Portman revela-se agressiva, malucada e estonteante! Valeu o Oscar com certeza!

Amanda Aouad disse...

De fato, um filme excepcional. A força da direção de Darren Aronofsky, a entrega de Natalie Portman. Uma obra-prima mesmo. Merece todos os aplausos.

P.S. Guilherme já coloquei os links dos seus blogs lá no CinePipocaCult. Aguardo ele aqui como você sugeriu.

abraços

Tiago Britto disse...

Esse filme é demais...gostei muito mesmo. Assisti uma duas vezes! Portman fantástica! MUITO MUITO MUITO