Nota 8,0 Enxuto em custos e duração, longa prende atenção com trama tensa e criativa
Pela lógica, quanto mais sucessos um diretor acumula, mais generosos os estúdios e produtores ficam garantindo orçamentos polpudos para seus próximos projetos. Joel Schumacher tem em seu currículo diversos filmes com toda pinta de blockbuster, mas a julgar por Batman e Robin e Em Má Companhia, por exemplo, não sabe lidar com muito dinheiro em jogo. Curiosamente, seus melhores trabalhos são aqueles realizados quase de forma independente, com recursos escassos e cronograma limitado. Por Um Fio é um deles. Trata-se da situação angustiante vivida por Stuart Shepard (Colin Farrell), ou simplesmente Stu, um jovem e ambicioso relações públicas que não se importa em mentir para conquistar seus objetivos, sejam eles profissionais ou pessoais. É dessa forma que ele consegue fazer seus clientes ganharem na mídia, mas também é com base em meias-verdades que ele enrola sua esposa Kelly (Radha Mitchell) e sua amante Pamela (Katie Holmes), esta com quem se comunica sempre de uma mesma cabine telefônica pública para evitar rastros em seu celular. Certo dia, logo após conversar com a moça, o telefone toca e ele decide atender a chamada e, para seu espanto, a voz do outro lado da linha o informa que ele está sob a mira de um rifle e o proíbe de desligar a chamada demonstrando saber muitos detalhes sobre sua vida particular.
Aparentemente, as intenções do bandido é dar uma lição no rapaz e mostrar que o mundo não gira em torno dele. Enquanto tenta convencer o franco-atirador a deixá-lo ir embora, Stu é cercado por uma grande escolta da polícia, mas não para salvá-lo. Uma mulher que desejava usar o telefone é destratada pelo rapaz aflito e ela o denuncia, assim o relações públicas mais do que nunca precisa ter jogo de cintura e usar sua lábia para enrolar o criminoso na ligação e ao mesmo tempo lidar com os policiais liderados pelo Capitão Ed Ramey (Forest Whitaker) que não se dão conta do que está ocorrendo e o tratam como um indivíduo perigoso e descontrolado. Basicamente sustentado por um confronto verbal entre dois personagens e em tempo real, o filme busca manter a adrenalina em alta e ininterrupta a partir do momento que o conflito é estabelecido, o que não demora muito a acontecer felizmente. Escrito por Larry Cohen, que havia proposto o mesmo argumento décadas antes para Alfred Hitchcock que o recusou, este suspense não se deixa prejudicar pelo espaço limitado no qual a ação acontece, já que o roteirista mantém um constante clima de tensão ao jogar seu protagonista em situações cada vez mais complexas e desafiadoras.
Inicialmente, a voz ameaçadora alega estar apenas observando de longe os movimentos de Stu, mas não demora muito a dar pistas de que está muito mais próximo da vítima do que ela própria imaginava. Em paralelo, a interferência de outras pessoas que insistem em utilizar o telefone acaba gerando um confronto explosivo capaz de deixar o espectador, única testemunha do que se passa dentro e fora da cabine, com vontade de entrar dentro do filme para defender o protagonista. Para torturá-lo ainda mais psicologicamente, o maníaco também consegue atrair para a armadilha as mulheres com quem ele se relaciona, recurso apenas para dar um respiro feminino à tensa atmosfera. O enredo apoia-se em uma interessante metáfora com a cabine funcionando como uma espécie de confessionário e colocando o vilão na posição de um padre ou até mesmo como Deus forçando o pecador a revelar e se arrepender de seus atos, mesmo que não seja por livre e espontânea vontade. O algoz brinca e manipula a situação ao seu bem querer usando como arma os próprios segredos da vítima e a partir disso o roteiro propõe uma reflexão sobre invasão de privacidade e até mesmo sobre como cada indivíduo conduz sua vida, muitas vezes tomando atitudes sem pensar nas consequências para outras pessoas e até para si mesmo.
Interessante perceber como nos cinco minutos iniciais já é estabelecido com eficiência o caráter desprezível do protagonista, ilustrando ao público os motivos que o levaram a ficar na mira do maníaco. Curiosamente, custa ficarmos a favor do rapaz e acompanhamos com prazer sua desconstrução do homem confiante e antipático para a figura de um covarde e patético. Deixando vícios de superproduções de lado, o longa custou uma ninharia e foi todo rodado em apenas doze dias em locações reais, mas a produção sofreu atrasos para seu lançamento, até mesmo nos cinemas americanos, por conta de um episódio real de grande repercussão envolvendo um franco-atirador. A espera acabou sendo de certa forma benéfica. Na época das filmagens Farrell ainda era praticamente um ilustre desconhecido, o tipo que você sabe que já viu em algum filme, mas não lembra nem mesmo de seu personagem. Por Um Fio só foi lançado depois que ele se destacou como vilão em Demolidor - O Homem Sem Medo e estrelou o thriller de ação O Novato. O ator praticamente carrega o filme nas costas, já que os coadjuvantes tem espaço mínimo, embora Kiefer Sutherland também chame a atenção simplesmente emprestando apenas sua voz imponente e boa dicção ao franco atirador, deixando latente o cinismo e rancor de seu personagem. Isso é o bastante para o ator criar um vilão fascinante pela sua forma peculiar de encarar o mundo e agir. É claro que em versões dubladas perde-se o bônus da participação de Sutherland, mas também pode ser um ponto benéfico, pois sem referências visuais de quem empresta a voz ao criminoso a ideia de imaginá-lo como seria fisicamente torna-se ainda mais instigante.
O filme não chega a durar uma hora e meia, mas apresenta um vasto leque de situações para prender a atenção. O plano do maníaco caminha de vento em pompa e ganha o reforço dos populares que cercam a cabine e ajudam a aumentar a tensão criando conflitos paralelos, além do próprio Stu com suas atitudes e reações descontroladas fomentar a ideia de que ele é um bandido. É uma pena que muitas das situações que surgem acabam sem resoluções, pois o foco na reta final é todo voltado ao acerto de contas entre o acuado e seu algoz, mas nada que desabone a obra que mostra-se bem criativa ao retratar a deterioração psicológica e emocional de seu protagonista preso em um espaço reservado e claustrofóbico ironicamente incrustado em meio a uma grande e movimentada metrópole. Todos voltam suas atenções para a cabine, mas ao mesmo tempo ele está sozinho. Hoje a fita tem até certo apelo nostálgico visto que cabines telefônicas praticamente estão extintas e uma refilmagem contemporânea acabaria com a limitação que move o conflito. Com um celular seria muito fácil para Stu prender o assassino na linha e disfarçadamente buscar ajuda. Tomara não inventem de refilmar o roteiro com a desculpa de se conectar com as novas gerações.
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