sábado, 17 de setembro de 2022

A MULHER DE PRETO


Nota 6 Terror aposta em atmosfera gótica e melancólica para contar uma história à moda antiga


Quem nunca sentiu um calafrio ao passar pelas redondezas de uma casa abandonada ou uma construção distante em meio a um matagal? Hollywood sempre gostou de explorar o filão das residências assombradas, mas nos últimos anos esse tipo de produção acabou perdendo seu charme ao ter que dividir seu público com as fitas de seriais killers ou de exorcismos, ou seja, precisaram se adaptar aos novos tempos e apostar em sustos fáceis, escatologia, erotismo e muito sangue para agradar. Só por fugir deste esquema batido já vale a pena dar uma conferida em A Mulher de Preto, um dos principais projetos da produtora Hammer que retomou suas atividades em 2007. Para quem nunca ouviu falar dela, basta dizer que a empresa praticamente moldou um subgênero do terror principalmente na década de 1970 ressuscitando Drácula, Frankenstein, Múmia e outras criaturas horripilantes clássicas ou que tinham ligações com esses monstros famosos. Hoje quem consegue assistir pelo menos uma dessas pérolas do terror de antigamente pode tanto achar que está diante de uma maravilha do cinema quanto também considerar uma verdadeira obra trash, mas o fato é que não se pode negar a importância do estúdio em determinada época para a História da sétima arte. 

Tentando resgatar um pouco da áurea dos filmes de terror clássicos, mas ainda visando faturar alto com as novas gerações, o diretor James Watkins conta uma história levemente baseada no tema espiritismo protagonizada por Daniel Radcliffe, que despido de seu famoso Harry Potter precisa se dedicar ao máximo para provar que pode assumir novos papéis e bem mais maduros. Embora ainda continue com um pé na fantasia neste caso, o ator se esforça para convencer o público com um personagem que já é pai de uma criança pequena e que ainda sofre com a morte precoce de sua esposa. Ele vive Arthur Kipps, um advogado que foi enviado por seu escritório para regularizar os documentos de uma mansão cujo dono recentemente faleceu e que fica próximo a um vilarejo inglês no qual algumas crianças estão sofrendo mortes misteriosas de tempos em tempos. O rapaz chega ao local sem saber de tais boatos, mas quando começa a ter uma série de visões misteriosas, incluindo as constantes aparições de uma mulher vestida totalmente com roupas pretas, ele descobre que existe algo relacionado entre a tal mansão e as mortes das crianças. Ele decide investigar estes casos com a ajuda de seu amigo Samuel Daily (Ciarán Hinds), outro cético quanto ao espiritismo, mas acaba provocando a ira dos moradores e suas preocupações aumentam quando seu pequeno filho também chega ao vilarejo sem saber que corre riscos estando por lá.


Baseado no livro "Woman in Black", escrito por Susan Hill, romance já adaptado para os cinemas em um filme homônimo de 1989, o roteiro de Jane Goldman consegue prender a atenção mesmo lançando mão de praticamente todos os clichês do gênero. Com uma trama enxuta e eficiente, o grande chamariz desta produção é a atmosfera que rapidamente envolve o espectador. As equipes de direção de arte e de fotografia capricharam para construir uma ambientação que exala mistério, parecendo que a qualquer momento algo inesperado pode acontecer entre as vielas da vila, nos corredores da mansão ou até mesmo nas regiões campestres que envolvem o vilarejo que sempre é acometido por um clima nebuloso, um ambiente perfeito para ser palco de uma boa história de fantasmas. Dos cenários aos figurinos e passando obviamente pela iluminação, a grande característica visual desta obra é a ausência quase total de cores vivas, predominando os tons acinzentados para acentuar o tom melancólico do local ou até mesmo como uma estratégia para fazer uma alusão ao estilo gótico tão presente nas produções do passado da Hammer. É interessante que a história se passa no início do século 20, mas a atmosfera apresentada deixa claro que a tal cidade assombrada parou no tempo, muito por conta de sua própria população provinciana repleta de tipos esquisitos ou misteriosos. Esta estagnação social obviamente tem algo a ver com a secular mansão e com as aparições da mulher vestida de negro. 

O longa não tenta esconder que recicla clichês e procura resgatar o espírito dos filmes de terror mais clássicos, tanto que o bom gancho do conflito interno do protagonista em acreditar ou não na maldição da tal mulher de preto não é bem desenvolvido, certamente algo que acaba por enfraquecer o personagem de Radcliffe que inicialmente pode parecer deslocado no papel, mas quando os sustos começam a surgir já está bem adaptado. Embora o ator carregue o filme nas costas sendo exigido em quase todas as cenas, ele também pode ser o calcanhar de Aquiles da produção, visto que seu nome em destaque deve causar repulsa por alguns que podem não apostar no talento do ator. Não tire conclusões precipitadas. Se optaram por limar os conflitos psicológicos do enredo o jeito foi recorrer ao batido tema do choque de classes ou de cultura para dar sustentação ao longa. O Sr. Kipps, como educadamente o jovem é chamado, representa o homem da cidade grande. Vindo de Londres, ele é culto, parece ter uma vida financeira confortável e é cético quanto as crendices populares do vilarejo, um local habitado por pessoas mais simples e menos instruídas. Só que a razão não triunfa sob a emoção. É previsível que o medo do povo tem fundamentos e que uma hora atingirá o advogado, se não fosse assim e concluído com uma reviravolta mais racional o longa não atingiria seus objetivos plenamente, tornando-se uma obra mais para intelectuais e distante dos populares.


Os grandes personagens desta adaptação são a própria mansão e a cidade nas quais a trama se desenvolve. O diretor pode não ter inovado nos sustos, cedendo inclusive a tentação dos efeitos sonoros mais incisivos antevendo situações e anulando assim qualquer surpresa para o espectador, mas a forma como ele explorou os detalhes dos cenários são dignos de elogios. Sua câmera passeia pelos interiores da mansão dando a nítida impressão do isolamento no qual o protagonista se encontra e até quando ele está em áreas abertas a sensação de vazio se faz presente. É como se cada imagem tivesse muito mais a falar do que os próprios diálogos, algo que aproxima esta produção ainda mais das tradições do cinema europeu. Em síntese, Watkins optou por mais insinuar do que mostrar, afinal não há nada mais horripilante do que sentir medo do que não podemos ver ou tocar e é justamente nessa escolha que a maioria dos produtos do gênero escorrega preferindo escancarar o sobrenatural obtendo um resultado artificial ou até mesmo ridículo. Infelizmente, A Mulher de Preto não fez o sucesso esperado, mas é uma ótima opção para curtir em um fim de noite chuvoso ou de baixas temperaturas.

Terror - 95 min - 2011 

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