Nota 5,0 Com tom novelesco e muitos personagens, drama é cansativo e refém do deslumbre visual
A alta sociedade inglesa do século 19 geralmente é retrata pelas obras audiovisuais de maneira bastante crítica. Por trás das festas, jantares e demais eventos em que os nobres mostram-se formais, gentis e trajam vestimentas pomposas, além das damas capricharem nos penteados e na escolha das joias e adornos, na intimidade eles revelam suas verdadeiras personalidades deixando as boas maneiras de lado e transparecendo toda a hipocrisia, orgulho e inveja que os corrói. Em Feira das Vaidades, a diretora indiana Mira Nair, que consagrou-se mundialmente com Um Casamento à Indiana, perpetua tal padrão dando sua interpretação visual e peculiar deste universo de aparências. Com uma paleta de cores quentes e usando e abusando de adereços exóticos nos figurinos e cenários, sua ideia era fazer um contraponto à imagem cinzenta com a qual geralmente é retratada a Inglaterra imperial.
Bastante extravagante, de fato visualmente a cineasta conseguiu imprimir seu estilo à adaptação do romance homônimo de William Makepeace Thackeray publicado orginalmente em 1848. O livro já teve diversas versões cinematográficas, desde os tempos do cinema mudo, mas nenhuma memorável, nem mesmo esta requintada produção, que concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, e estrelada por Reese Witherspoon que fracassou nos EUA e chegou ao Brasil com cerca de dois anos de atraso e provavelmente no embalo do Oscar por Johnny e June conquistado pela atriz. Ela interpreta Rebecca Sharp, ou simplesmente Becky, uma plebeia, filha de um humilde pintor e de uma desconhecida cantora de origem francesa, mas nunca se conformou com sua condição. Independente e decidida, a típica mulher à frente do seu tempo, desde a infância ela alimentou o desejo de subir na vida e chegar a patamar social semelhante ao do Marquês de Steyne (Gabriel Byrne), um aristocrata que visitava o ateliê de seu pai para comprar suas obras, mas sempre pagando menos que o pedido.
Becky se tornou órfã muito cedo e nunca poupou esforços para ascender socialmente, assim acostumou-se a fomentar intrigas, tolerar inimigos e até casa-se por interesse. Seu primeiro passo rumo à alta sociedade britânica é quando consegue o emprego de governanta na casa do excêntrico Sir Pitt Crawley (Bob Hoskins), ganhando a simpatia de Matilda (Eileen Atkins), a tia solteirona da família, e tornando-se uma figura indispensável em eventos. Ao casar-se com o Coronel Rawdon (James Purefoy), sobrinho de seu patrão, Becky ainda não se dá por satisfeita e continua usando seu charme e perspicácia para galgar novos degraus na aristocracia, mas chegará uma hora que perceberá que sua ambição tem um alto preço. Infelizmente, o excesso de tramas paralelas e desinteressantes prejudicam o andamento do filme, embora a superficialidade que as cercam sejam importantes para definir o perfil da protagonista, uma deslumbrada com um universo de aparências e muita falsidade.
Com quase duas horas e meias de duração, Nair imprime um tom que flerta com o tradicional folhetim televisivo. Não a toa temos a sensação de que a sua interpretação de Feira das Vaidades é uma minissérie compilada, algo acentuado por certas passagens apressadas que enfraquecem os efeitos de fatos históricos nas vidas dos personagens. Não deve ter sido fácil para o roteirista Julian Fellowes, vencedor do Oscar por Assassinato em Gosford Park, resumir as cerca de novecentas páginas do livro que preza pela riqueza de detalhes da trama em si e descrições minuciosas de cenários e vestimentas, o que ajuda a justificar o apuro técnico da obra. Na verdade, a adaptação já vinha sendo desenvolvida há mais de uma década pela dupla Matthew Faulk e Mark Skeet, porém, assim que assumiu o projeto, Nair pediu a Fellowes para reescrever boa parte do material e foi ideia dele dar uma personalidade com mais leveza à Becky e ainda a inserção de um final feliz, contrariando tais aspectos da obra de Thackeray.
A direção pecou por não estabelecer uma visão mais objetiva e tampouco encontrar o tom certo para narrar as ações da anti-heroína, ficando em cima do muro entre a opção de condená-las ou justificá-las como necessárias para a sobrevivência da jovem uma vez que já estava inserida na nobreza. Para uma personagem inescrupulosa e com postura altiva, talvez Witherspoon não tenha sida a melhor escolha, ainda que se esforce para tonar crível o desejo de alpinismo social de Becky que a certa altura descobre estar grávida. A atriz coincidentemente também acabou engravidando, o que obrigou a produção a ser acelerada, mas ainda assim aproveitou-se o crescimento de sua barriga para dar mais veracidade a algumas passagens. Todavia, o projeto, já de longa gestação, poderia ter sido adiado em busca de uma melhor lapidação.
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