Nota 5 Trama é o que menos importa em produção frenética feita para ressaltar beleza das atrizes
Em 1976 estreava na TV norte-americana um seriado de ação e policial no qual os tradicionais heróis barbados e destemidos eram substituídos por belas donzelas que de frágeis não tinham nada. Astutas e sem perder o charme, ao mesmo tempo que lutavam contra o crime elas encantavam e ditavam moda com seus figurinos e cortes de cabelos. Foram pouco mais de uma centena de episódios, mas as inúmeras reprises por anos a fio fizeram com que o programa se perpetuasse no imaginário coletivo de várias gerações. Ficaram devendo um longa-metragem para as três gatas e se a imagem desgastada da série e suas cenas de ação para os padrões do século 21 pareciam exibidas em modo slow motion, por que não finalmente levar as aventuras das garotas para as telonas usufruindo de tudo que a tecnologia poderia oferecer para criar cenas impactantes e de tirar o fôlego? Com tais justificativas foi lançado As Panteras, título homônimo ao que o programa de TV ganhou no Brasil, mas bem menos charmoso que o original, "Charlie's Angels". Com certo quê de sensualidade implícito, a alcunha nacional não deixa de vender bem o peixe. Com saias curtas ou calças bem justas, blusas decotadas e montadas em saltos altos, os Anjos de Charlie esbanjam sensualidade e praticamente a cada cinco minutos viram o rosto sensual e vagarosamente para a câmera de modo a exaltar o brilho e a maciez de seus cabelos como em uma publicidade de shampoo.
Logo na introdução, passada dentro de um avião, um passageiro comenta em tom jocoso que o filme exibido durante a viagem é oriundo de um antigo seriado. Com a própria produção constatando suas limitações nesta simples manifestação, está aberta a sessão pipoca sem fazer rodeios. E foi justamente a partir desta sequência inicial totalmente pronta, com direito a salto livre nas alturas, que os roteiristas Ryan Rowe, Ed Solomon e John August alinhavaram as demais situações que pensaram para as heroínas, o que explica as inúmeras trocas de figurinos e cenários, tudo como se fossem diversos episódios condensados. A única diferença é que existe um único e intricado caso para solucionarem. Charlie, que só se manifesta através de um rádio comunicador do arco da velha, é um milionário que investe pesado na luta contra o crime e tem como braço direito o boa praça Bosley (Bill Murray) que acompanha mais de perto o trabalho das garotas. Natalie (Cameron Diaz) é uma adolescente em corpo de mulher, atrapalhada e divertida, parece não se dar conta da intensidade de sua beleza e sensualidade. Já Alex (Lucy Liu) é extremamente inteligente e cheia de aptidões, mas também sabe usar seus dotes físicos como ninguém. Por fim, Dylan (Drew Barrymore) tem um lado masculino bastante aflorado, adepta de esportes radicais e de uma vida estilo porra louca, mas também sabe encantar com seu jeito descolado. O tempo de tela e as situações são bem distribuídos entre as três beldades que deixam transparecer o clima de camaradagem e a sensação que se divertiram à beça durante as filmagens. Algumas cenas soam tão naturais que a sensação é que o diretor simplesmente ligou a câmera e disse divirtam-se.
O longa foi dirigido por uma sigla, McG, simples assim. Pelo que se vê na tela, estaria no comando um software de ponta capaz de gerar cenas de tirar o fôlego e manter a adrenalina em níveis estratosféricos? Na verdade, a assinatura é de alguém de carne e osso preocupado em manter o ritmo de videoclipe do início ao fim bem ao gosto da geração MTV, canal jovem vivendo seu auge na época, mas as sequencias de ação são prejudicadas por péssimos efeitos especiais, embora escamoteados em meio a closes generosos dos corpos das protagonistas que usam mil e um tipos de disfarces para irem atrás de pistas para solucionar o confuso crime que serve como desculpa para o filme existir. Elas devem descobrir o paradeiro de Eric Knox (Sam Rockwell), um magnata da informática que inventou uma tecnologia capaz de localizar pessoas através da captação de suas vozes pelo celular. Ele supostamente foi sequestrado e está prestes a perder toda sua fortuna caso sua invenção caia em mãos erradas. O que poderia ser simples torna-se uma intricada tarefa com o envolvimento de tipos estranhos como Vivian Wood (Kelly Lynch), Roger Corwin (Tim Curry) e do bizarro homem magro e sem nome vivido por Crispin Glover que não diz uma palavra sequer, mas tem atuação marcante com seu olhar sinistro e semblante macabro.
McG, então estreando no mundo do cinema, fez questão de engajar suas heroínas à onda do politicamente correto e literalmente as desarmou, uma exigência de Barrymore que também assina como produtora. Nada de armas de fogo para o trio de justiceiras, embora os vilões não façam cerimônia alguma antes de puxar o gatilho. Para se defenderem, foco em lutas minuciosamente coreografadas para ficar em pé de igualdade com o estilo de Matrix, fenômeno lançado poucos meses antes. Aliás, tudo neste filme parece inspirado em algum outro, até mesmo nas aventuras de James Bond bebe descaradamente, revelando que a criatividade passou a quilômetros de distância. Não descartaram nem mesmo a ideia dos créditos finais serem acompanhados de erros de gravações somados a armações de bastidores, característica de muitas produções estreladas por Jackie Chan. Com a ação atualizada para o século 21, o gostinho de nostalgia que muitos esperavam ficou diluído. Temos um ou outro automóvel antigo estrategicamente espalhados e a trilha sonora que se divide entre hits setentistas e contemporâneos. Faltou discoteca nesta mistura, sendo que temos apenas uma rápida cena de Diaz arrasando na pista que deixa um gostinho de quero mais. Outra decepção é que não houve um acordo com as intérpretes originais do seriado para realizarem pequenas participações, o que daria um charme todo especial ao longa.
O roteiro, que absurdamente passou pelas mãos de mais de vinte pessoas, deixa transparecer que o trio por fim assinante não entrou em um consenso. Como esquetes forçosamente alinhavados, não conseguimos perceber muita estrutura nas ações das mocinhas para chegarem ao resultado de suas investigações. Tudo parece desculpa para se fantasiarem e tirarem algum riso das situações. Executivos, garotas de telemensagens, massagistas, dançarinas de boate... Cada plano é uma superprodução com direito a traquitanas das mais modernas para investigações, mas é incômodo saber que não há obstáculos capazes de derrubar as garotas que sempre se safam sem machucados. As Panteras usa e abusa do inverossímil e se por si só já é uma grande piada, ainda força suas protagonistas a fazerem gracinhas a cada take e busca reforçar o lado humorístico com os personagens de Matt LeBlanc, Luke Wilson e Tom Green, cada um como o interesse romântico de uma das gatas, mas completamente desperdiçados.
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