quinta-feira, 21 de setembro de 2017

UM SONHO DE PRIMAVERA

NOTA 8,5

Drama de época narra um
curto período na vida de
distintas senhoras, mas um
tempo de grandes transformações
Todos os anos é a mesma coisa. Quando começa a temporada de premiações todas as atenções são voltadas aos filmes que estão marcando presença nos principais festivais e festas, levando natural vantagem em termos de publicidade os títulos que mais recebem indicações para conquistar troféus. Curiosamente, não são raras as vezes que os títulos que concorrem a menos categorias ou até mesmo secundárias são bem mais interessantes e se tornam até mais marcantes que as produções mais bombadas da época. Esse é o caso de Um Sonho de Primavera, um belo filme de época que conquistou dois Globos de Ouro e foi indicado a três Oscars em 1993 (foi lançado cerca de um ano depois de concluídas as filmagens). Misturando drama e humor leve em meio a belíssimas paisagens e cenários, o longa também conta com um impecável elenco feminino, destacando-se Miranda Richardson, uma das atrizes mais requisitadas daquele período e dona de uma beleza exótica e traços fortes. A trama se passa na Inglaterra em meados da década de 1920 e narra as emoções vivenciadas por Lottie (Josie Lawrence), uma inquieta mulher que vive em Londres e se sente frustrada devido ao materialismo de seu marido, o advogado Mellersh Wilkins (Alfred Molina), que pouco dá atenção à esposa. Já Rose (Miranda Richardson) é a esposa do escritor de contos eróticos Frederick Arbuthnot (Jim Broadbent), mas também está insatisfeita com seu casamento. Vivendo situações semelhantes, as duas se conhecem em um clube frequentado apenas por mulheres e juntas decidem alugar um castelo de estilo medieval em uma remota ilha italiana para passarem alguns dias em um local que é um verdadeiro paraíso. As novas amigas também colocam um anúncio no jornal sobre a ideia e mais duas damas, a viúva Fisher (Joan Plowright) e a jovem Caroline (Polly Walker), resolvem fazer a viagem e ajudar na divisão das despesas.

Duas mulheres em busca de um refresco para a clausura que viviam em seus casamentos, uma viúva solitária e adepta da leitura e uma bela jovem que até então nunca havia vivido um grande amor. Estas quatro mulheres de personalidades e costumes diferenciados irão passar por experiências que as farão reavaliar suas vidas e a traçar novas metas para o futuro, mas a principal lição que terão com estas férias inusitadas será a de encontrar a felicidade nas pequenas coisas e momentos do dia-a-dia. Todo esse processo ocorre em um mês de abril típico da primavera europeia, assim a fotografia do longa impressiona os espectadores com imagens belíssimas e idílicas de paisagens ornamentadas por uma vegetação abundante e colorida, além da luz solar constante que as inspira a buscar a realização de seus desejos. Tal ambientação contrasta com a cena londrina que introduz a história quando predominam as cores mais tristes que acompanham com perfeição o clima chuvoso e frio tão comum para os ingleses. O cuidado com a iluminação, cenários e adereços ajuda a narrativa a partir do momento que deixam explícitas na palheta de cores utilizadas a diferença entre o antes e o tempo presente do passeio. A tristeza dá lugar a alegria. Ao longo do filme vamos percebendo de forma sutil as características bem distintas de cada uma das protagonistas e como elas lidam para aceitar as diferenças. Uma é sofisticada, outra é autoritária, temos a religiosa e também uma garota carente. Nem mesmo quando dois homens chegam ao local o equilíbrio se quebra, pois as mulheres aprendem que ser egoísta ou medrosa não vale a pena. A troca de experiências transforma a vida destas senhoras e a mensagem edificante do longa é atemporal, assim sendo válida até os dias de hoje e correspondendo aos desejos, contradições e dúvidas da mulher moderna que ainda luta por reconhecimentos e busca do equilíbrio, ainda que muita coisa tenha mudado para elas durante o século 20.

Tanta sensibilidade para captar a alma e desejos das mulheres tem uma explicação: por trás das câmeras está um expert quando o assunto é o mundo delas. O diretor Mike Newell, diretor do divertido Quatro Casamentos e Um Funeral e do tocante O Sorriso de Monalisa, mostra muita sensibilidade ao conduzir uma trama construída meticulosamente para agradar as plateias femininas de idades variadas, mas que acaba envolvendo o público masculino também, isso desde que sejam barbados apreciadores de um bom cinema. Por retratar um período pós-guerra, o cineasta toca levemente na questão de como a sociedade machista e preconceituosa da época controlava as mulheres, mas nunca deixando tal tema dominar sua produção. Baseado no romance homônimo escrito por Elizabeth von Arnim, este Um Sonho de Primavera na realidade é um remake. A primeira versão cinematográfica do livro foi produzida em 1935, mas a visão de Newell para a obra é bem mais ampla, assim como o requinte da produção que ganhou ainda mais com o tratamento do texto e diálogos dispensado pelo roteirista Peter Barnes, não por acaso indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Este é mais um exemplar de uma vertente do cinema em evidência no final dos anos 80 e começo dos 90 tendo como grandes representantes, por exemplo, os sentimentalistas Flores de Aço e Tomates Verdes Fritos, ambos também liderados por um elenco feminino talentoso. Já que as mulheres é que arrastam maridos e namorados para o cinema, nada melhor que filmes pensados sob medida para agradá-las.  A diferença é que ao contrário dessas últimas obras citadas, este belíssimo trabalho solar e positivista de Newell inexplicavelmente nunca foi lançado em DVD no Brasil, amargando assim um inverno sem fim no limbo cinematográfico. Quando será que uma bondosa distribuidora vai resgatar este título e fazê-lo florescer novamente? Quantas primaveras precisaremos esperar?

Drama - 93 min - 1992 

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