Nota 7 Homem desiludido recebe apoio de seu ídolo para compreender seus erros e buscar acertos
Dizem que em momentos de dificuldades nada melhor que um ombro amigo para chorar as pitangas ou para ver o problema sobre uma nova perspectiva e propor soluções, agora o que dizer quando essa tal pessoa é nada maia nada menos que o seu maior ídolo? Essa é a premissa básica de À Procura de Eric, drama com pitadas de humor dirigido por Ken Loach. Para quem acompanha a carreira do cineasta, de obras como Ventos da Liberdade, deve se surpreender com este seu trabalho que preza por uma leveza não habitual em seu currículo, porém, sua temática preferida ainda se faz presente: as relações humanas, a forma como um ser humano pode denegrir ou regenerar sua personalidade perante as influências de seu círculo de convivência. Por outro lado, ao saber que o filme fala sobre futebol os ânimos podem vir a esfriar. Existem vários esportes que já serviram de pano de fundo para boas histórias, mas é fato que a prática esportiva considerada a paixão dos brasileiros não goza de muito prestígio no meio cinematográfico, porém, neste caso não há o inconveniente de um leigo no assunto ficar entediado. Os jogos e seus detalhes só entram em cena como adorno, afinal de contas o protagonista é fanático por um time, ou melhor, é fã incondicional de um ex-astro dos campos.
Durante a década de 1990, o Manchester United se consolidou como o time de futebol mais importante da Inglaterra e boa parte de sua fama se deve especialmente a um francês, Eric Cantona, jogador que após uma pisada de bola com um torcedor de um time rival amargou um longo período no banco de reservas, mas quando retornou aos campos voltou com toda a garra e levou seu grupo a um patamar invejável. Quando deixado de lado pelo técnico de sua seleção na Copa de 1998 o esportista estava no auge de sua carreira, mas resolveu se aposentar, contudo, deixou uma legião de fãs. Provavelmente avaliando tamanha popularidade, Loach foi procurado por produtores interessados em bancar uma obra que focasse a relação do jogador com um fã, tarefa bem executada pelo roteirista Paul Laverty que conseguiu aliar uma trama ficcional à realidade dos campos sem tornar o filme maçante. As imagens de arquivos com lances protagonizados pelo francês servem até como curiosidade e são usadas com parcimônia, mas a grande sacada da produção é que conseguiram convencer o próprio Cantona a interpretar a si mesmo na película. Para a surpresa de muitos, ele leva jeito para a coisa surgindo em cena como uma espécie de conselheiro fantasma, uma ilusão criada por Eric Bishop (Steve Evets), um carteiro de meia-idade que está vivendo um período confuso sentindo que até hoje só desperdiçou tempo de vida. Sofrendo com repentinos ataques de pânico, em um desses primeiros surtos ele saiu de casa abandonando sua esposa e a recém-nascida filha.
O tempo passou e a situação de Bishop só piorou, acumulando problemas e frustrações e apenas o futebol parece lhe dar alguma alegria. Ele não consegue mais conversar civilizadamente com a ex-mulher Lily (Stephanie Bishop), embora ainda seja apaixonado por ela, mas agora terá que conviver mais com ela já que terá que cuidar da netinha enquanto a filha Daisy (Dylan Williams) se dedica aos estudos. Não será nada fácil para o carteiro que ainda sofre com o peso de ter abandonado sua família e não ser feliz com sua atual. De seu segundo casamento, cuja esposa fugiu de casa, herdou também enteados, dois adolescentes indisciplinados que correm o risco de seguirem caminhos torpes devido a falta de uma figura paterna forte para servir de inspiração. Desgraça pouca é bobagem e para relaxar ele recorre a baseados e é dessa forma que ele consegue fazer contato com Cantona que salta do pôster que está em seu quarto e passa a aconselhá-lo para superar as dificuldades do presente e corrigir os erros do passado. Tal qual no futebol, a vida também pode ganhar novos rumos a cada novo lance e nada está definido até o último minuto do segundo tempo com direito a prorrogação. Graças a ajuda de seu ídolo, que faz questão de convencer seu fã que sua vida também não é um mar de rosas e incentivá-lo através de metáforas futebolísticas, Bishop recobra forças para tentar se reaproximar de Lily e viver em harmonia com os enteados, principalmente com Ryan (Gerard Kearns) que talvez por ingenuidade tenha feito amizade com um criminoso local sem pensar nas consequências que isso teria.
Até a metade da projeção o filme é bem divertido e despretensioso, mesmo recorrendo aos clichês dos amigos despachados tentando levantar a moral de Bishop, mas é sem dúvida a relação entre os Erics que conquista o espectador. Visualmente as cenas em que conversam podem soar como chatas sessões de terapia, mas os diálogos que travam são carregados de ironias e mensagens positivas. Pouco a pouco nos sentimos tão íntimos de Cantona quanto seu fã, assumindo um papel importante do imaginário coletivo afinal de contas quem ao menos uma vez na vida não sentiu a segurança que um ídolo teoricamente deveria passar? A relação estabelecida aqui deixa explícita tal ideia e o contraponto entre o aspecto combalido de um e a aura de vencedor do outro é o ponto alto, lembrando que o esportista tenta a todo instante provar que é um homem comum procurando equiparar-se àquele que deseja ajudar. Contudo, é bom deixar claro que Bishop não faz as vezes de maluco, tendo consciência que o futebolista é fruto da sua imaginação, uma forma de fugir um pouco da realidade. É uma pena que mais próximo da conclusão a magia da situação ceda espaço para um drama tenso envolvendo a criminalidade e a fragilidade da população de bem, mas Cantona retorna à cena mais a frente para a redenção de Bishop, ainda que seu plano para se livrar de bandidos soe um tanto implausível diante da gravidade da situação. De qualquer forma, essa mudança de ritmo não compromete a fita que alcança seus objetivos.
À Procura de Eric deseja falar sobre a importância da união das pessoas. Assim como no futebol Cantona precisava de seus companheiros de campo para ter sucesso, Bishop também necessita daqueles que tem apreço por perto para ser feliz e é a partir do momento que toma consciência disso que sua vida começa a dar sinais de revitalização. A identificação do protagonista com o espectador também é essencial nesta produção. O carteiro cabisbaixo é um homem comum vivendo problemas corriqueiros que qualquer um poderia ter, independente da classe social, raça ou nível intelectual, e suas imperfeições é que tornam o personagem tão carismático. Por fim, Loach não perde a chance de fazer uma sutil crítica a exploração comercial que se tornou o futebol, um entretenimento cada vez mais caro e elitista que pouco a pouco veta seus verdadeiros fãs das arquibancadas. Ainda bem que o cineasta evitou polêmicas envolvendo possibilidades financeiras e educação nos estádios. Pobres ou ricos? Quem são os arruaceiros que estragam os espetáculos? A discussão vai longe e obviamente fora desta proposta relativamente leve e atípica no currículo de Loach.
Drama - 116 min - 2009
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