NOTA 7,0 Apesar da boa história, longa deixa a desejar considerando-se seu histórico de indicações a prêmios e elogios |
Todos os anos ao menos uma produção pequena e que
possivelmente passaria pelos cinemas em brancas nuvens é acolhida pela alta
temporada das premiações e ganha um gás em sua campanha de divulgação. No caso
de Os Descendentes chama a atenção em seus créditos o nome Alexander Payne,
diretor e roteirista que ainda pode vir a ser conhecido como uma grife
cinematográfica tal qual Woody Allen ou os irmãos Coen. Este profissional teve
uma ascensão rápida na carreira, embora em pouco mais de uma década tenha se
envolvido em apenas quatro projetos. Para ele vale mais qualidade que
quantidade. Seu nome ganhou a atenção dos holofotes timidamente com a pequena projeção
que tiveram A Eleição e As Confissões de Schmidt, mas ganhou brilho quando Sideways
– Entre Umas e Outras conquistou indicações importantes para o Oscar, embora
muitos considerem que os críticos ficaram embriagados com a tal viagem etílica
proporcionada pelo cineasta. Na realidade, enquanto muitos quebram a cabeça
buscando a fama através do emprego cada vez maior de tecnologias nas filmagens,
Payne segue o caminho inverso. Minimalista e emotivo, histórias e personagens
são suas matérias-primas, mas não é de se estranhar a quantidade de críticas
negativas que este seu trabalho recebeu, pois o público depositou nele muitas
expectativas por causa das premiações. Se fosse simplesmente vendido como um
projeto independente sem o respaldo de indicações ao Oscar, Globo de Ouro e
outros eventos renderia menos dinheiro e exposição na mídia, mas certamente venderia o produto de uma maneira mais honesta
e a reação do público poderia ser outra. Matt King (George Clooney) é um advogado
que sempre se dedicou muito ao trabalho, vive no Havaí, é casado há muitos
anos, tem duas filhas e possui uma conta bancária generosa, enfim a vida
perfeita que qualquer um sonharia. Errado! Quando sua esposa Elizabeth
(Patricia Hastie) sofre um grave acidente e fica em coma, King começa a ver que
não sabia de tudo que se passava em seu próprio lar. Ao se dar conta que se
dedicava demais ao trabalho e pouco à família, o que acabou o afastando das
filhas Scottie (Amara Miller), a caçula que não anda se comportando bem na
escola, e Alexandra (Shailene Woodley), a mais velha que recusa qualquer gesto
de carinho ou preocupação do pai, King finalmente descobre o porquê dessa
repulsa e da briga entre ela e a mãe que já durava alguns meses. A garota sabia
que ela tinha um amante. Transtornado por saber que Elizabeth desejava o
divórcio e que agora suas filhas dependiam unicamente do pai, o advogado
resolve levar a vida adiante de forma digna, assim ele decide descobrir quem
era seu rival ao mesmo tempo em que precisa lidar com as negociações envolvendo
um terreno herdado de seus antepassados, uma tarefa que acaba o aproximando de
seus primos que estão de olho no que podem faturar.
Adaptado do livro homônimo escrito por Kaui Hart Hemmings,
Payne contou com a colaboração de Nat Faxon e Jim Rash para construir um
roteiro simples e eficiente, seguindo a tradição dos projetos independentes. O
longa cativa o espectador da forma mais honesta possível apostando em uma
narrativa tradicional que encontra apoio na suavidade para expor até mesmo os
pontos mais críticos da história, como a questão da traição ou do conflito
entre mãe e filha. O entrecho sobre a venda das terras justifica o título, mas
também pode fazer uma alusão ao que King quer deixar para suas filhas, riquezas
materiais ou emocionais? Nessa jornada para ajeitar sua vida, este homem terá a
oportunidade de reavaliar seu passado e repensar seu futuro a tempo de
reconquistar o amor e a confiança de suas meninas. Após cerca de sete anos de
ausência nos cinemas, Payne voltou mais uma vez se mostra interessado em
refletir sobre os problemas de pessoas comuns e consegue realizar um drama que
não nos faz chorar ou nos emocionar ao extremo, pelo contrário, até nos faz rir
em alguns momentos. É difícil contar uma história extremamente crível e que
flerta com dois gêneros opostos, mas ambos fazem parte da vida de qualquer ser
humano e este criativo profissional consegue captar com maestria pequenos
detalhes do cotidiano de seus personagens que a identificação com o público
acaba sendo inevitável. Todavia, errou ao dedicar boa parte de seu filme a uma
cansativa narração em off esmiuçando os pensamentos do protagonista ao invés de
traduzi-los de forma visual para que assim o espectador pudesse participar mais
ativamente da trama. De qualquer maneira o longa caiu no gosto da crítica e das
premiações. Para turbinar ainda mais a carreira de seu longa, o cineasta ainda
conseguiu recrutar Clooney para protagonizar seu trabalho, um ator cada vez
mais em evidência em Hollywood que tinha tudo para viver confortavelmente de
papéis tolos em produções repetitivas, mas ele não quis para si o título de
mocinho honorário das comédias românticas e está sempre em busca de desafios. E
talvez não exista prova de fogo maior para um ator que simplesmente interpretar
com perfeição um indivíduo comum, o que justifica os elogios e prêmios que
recebeu.
O grande ponto de destaque é observar como os personagens
vão se adaptando as suas novas realidades de maneira natural e crível. King,
por exemplo, sofre ao saber que foi traído, mas não pensa em se vingar da
esposa devido seu estado de saúde delicado. A solução então seria no ápice da
raiva sair por aí quebrando tudo que se vê pela frente? Não. O personagem vai
pouco a pouco se acostumando a lidar com seus problemas e anseios, ou seja, evoluindo
como ser humano. Assim como o protagonista, todos os demais personagens
carregam algum conflito ou características que os aproximam de pessoas de
verdade e não é de se estranhar o interesse e a intimidade que eles geram nas
plateias. Além de deixar os estereótipos de lado, é interessante observar que
nesta produção somos surpreendidos não por um grande momento nos minutos
finais, mas ao longo de toda a narrativa pequenos detalhes como uma troca de
olhares ou um diálogo tratam de nos comunicar que a compreensão entre as
pessoas se estabeleceu. Talvez os críticos de cinema tenham exagerado nos
elogios e colocado a produção em um patamar acima do que realmente mereça, mas
pensando bem devemos encarar esse positivismo como algo bom. É louvável que
trabalhos menores sejam reconhecidos pelos esforços de seus realizadores em
tentar fazer uma produção diferenciada e contando com os elementos mais básicos
para se fazer cinema. Emoção, talento e história boa são indispensáveis, mas
Payne vai além em seu minimalismo e não se deixa levar nem mesmo pelas belas
paisagens havaianas, optando por apresentar a região por uma ótica mais urbana
e pouco conhecida, rendendo-se aos clichês visuais somente no final. A primeira
vista pode parecer que Os Descendentes é mais um daqueles projetos cabeça que
são feitos para poucos apreciarem, mas não se engane. De fácil digestão e
compreensão, a produção, no fundo, é apenas uma forma menos piegas de entregar
ao público mais um filme edificante daqueles que nos ajudam em certos momentos
da vida e que as vezes espantosamente parecem talhados para atender nossas
expectativas.
Vencedor do Oscar de roteiro adaptado
Vencedor do Oscar de roteiro adaptado
Drama - 115 min - 2011
Um comentário:
Não sei se a melhor definição pra ele é "filme cabeça" não, mas tudo bem. Sou fã do diretor e esse filme é excelente!
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