NOTA 8,5 Drama carrega consigo a nobre essência do cinema europeu e não cede ao dramalhão completamente |
É curioso que algumas produções não americanas que seguem
fórmulas consagradas por Hollywood acabem não repetindo o mesmo sucesso que
outras semelhantes, principalmente quando há no elenco pelo menos um nome de
peso. Querido Frankie é uma obra linda, melosa na dose certa e preocupada em
transmitir emoções e algumas mensagens para fazer o espectador refletir. Mesmo
contando com a participação do astro Gerard Butler, este drama é praticamente
desconhecido. Há duas explicações para isso. Além de o filme ser uma
co-produção entre a Escócia e a Inglaterra, o que implicitamente já a carrega de
uma essência européia que pode afastar o público, o protagonista era um Zé
ninguém na época do lançamento. Butler se tornaria famoso pouco tempo depois
pelo musical O Fantasma da Ópera. É uma pena que até hoje poucos tiveram o
prazer de ter contato com essa tocante obra da cineasta britânica Shona
Auerbace. Em sua estréia na direção de longas-metragens, um projeto que levou
cerca de seis anos para ser concluído devido a falta de recursos financeiros e
de um grande estúdio por trás, ela não inova e até recorre a muitos clichês,
contudo, entrega um trabalho honesto e que consegue envolver o espectador
justamente pela autenticidade que transmite, fruto do lado maternal da diretora
aflorado que ao longo dos anos se dividiu entre os preparativos do filme e os
cuidados com dois filhos gerados no período. Não é a toa que a relação de uma
mãe e seu filho é o tema principal. Frankie (Jack McElhone) é um garoto que vive
numa pequena cidade localizada no litoral escocês junto com a mãe Lizzie (Emily
Mortimer) e a avó Nell (Mary Riggans). Ele sofre de deficiência auditiva e
talvez por isso também tenha dificuldades para falar. Sua voz só é ouvida
quando ele lê em pensamentos o que escreveu nas cartas que envia regularmente
ao seu pai, mas ele jamais o conheceu pessoalmente ou pelo menos não lembra. Porém,
quem responde tais correspondências é a própria mãe do menino que não chega a
enviar as cartas e sustenta esta farsa há anos, tudo para proteger Frankie de
um trauma de infância por não ter uma figura paterna presente, mas
principalmente para conhecer melhor o garoto, pois ele só se expressa quando
escreve.
Essa família vive trocando de moradia, está sempre em uma
nova cidade na tentativa constante de Lizzie fugir do ex-marido, que entre as
mancadas do passado também se encontra o motivo da surdez do garoto. Esta
mulher acabou nestas cartas criando um pai fictício perfeito, um marinheiro que
a bordo de seu navio passa por terras exóticas e vive algumas aventuras. Porém,
ela não esperava que a embarcação que ela inventou realmente existisse e que em
breve o pai de verdade de Frankie estaria aportando naquela cidadezinha. Mesmo
assim Lizzie se recusa a encarar a realidade e faz de tudo para que Frankie
continue acreditando na invenção do pai descrito nas cartas, mas o menino
sabendo da chegada do tal barco se enche de esperanças de finalmente poder
conhecer o homem com quem ele há anos conversa sem conhecer seu rosto e até faz
uma aposta com um amigo, este que o desafia dizendo que duvida que seu pai vá
querer encontrá-lo. Para não causar mais um sofrimento ao filho, Lizzie decide
contratar um desconhecido (Butler cujo personagem não tem seu nome citado) para
viver esse pai de fantasia por um dia apenas, mas o rapaz que inicialmente não
se sente a vontade no papel acaba se afeiçoando ao garoto e à jovem. Assim, a
mentirinha gera mais problemas para Lizzie, ainda mais quando ela vê em um
anúncio de jornal em que a família de seu antigo marido a procura, pois ele
está com uma grave doença, se encontra em estado terminal e deseja rever a ex e
o filho antes de morrer. E agora? Ela deve prosseguir com a mentira ou contar a
verdade e promover esse derradeiro encontro que pode complicar a relação entre
mãe e filho? O enredo pode parecer digno de uma novela mexicana, mas embora não
seja um filme arrebatador o texto da roteirista Andrea Gibb é digno de elogios.
Além de emocionar na medida certa, sem ceder a tentação de elevar a deficiência
de audição de Frankie ao primeiro plano, o longa pode não ser tão previsível
quanto a premissa indica. É uma pena que Shona apresse as situações, um
provável erro na montagem do longa, e o espectador acabe ficando com gostinho
de quero mais. Seria preferível alguns minutos a mais para dar mais tônica a
algumas sequências, principalmente aquelas que mostram o envolvimento entre
Frankie e o desconhecido e deste homem com Lizzie. A sensação que dá é que esta
fantasiosa relação de pai e filho seria perfeitamente possível, mas
dificilmente ele ocuparia plenamente a vaga de chefe de família já que há certo
distanciamento entre ele e a moça.
Emily Mortimer encara um personagem difícil. Ela é carente,
insegura e provavelmente sofreu muito no passado com o ex-marido, mas tais conceitos
não são desenvolvidos plenamente no longa, somente são sugestionados como
podemos perceber pelo distanciamento que ela prefere manter do estranho que
contratou, embora ela demonstre em certos momentos simpatia pelo rapaz,
principalmente pelo carinho que ele sente espontaneamente em relação à Frankie,
interpretado brilhantemente por um jovem ator. O que fica mais em evidência no
perfil da personagem Lizzie é o amor incondicional que ela sente pelo filho, um
sentimento tão forte capaz de levar as pessoas as vezes a tomarem decisões
irracionais, sem medir as conseqüências de seus atos. Essa irresponsabilidade
em nome do bem é que chamou a atenção de Shona ao projeto. Os personagens principais
acabam encarando dificuldades que eles próprios criaram, inclusive o tal
estranho que embarcou nessa história seja por dinheiro ou por pena de Lizzie,
mas provavelmente não imaginou que poderia se envolver além do combinado com
essa família. Com um enredo predominantemente melodramático, com direito a
clichês batidos como o garoto desacreditado que dá a volta por cima ao se
sentir encorajado pelo pai, uma sequência envolvendo uma partida de futebol, ou
os olhares atentos do desconhecido aos objetos e detalhes do quarto de Frankie
para amolecer ainda mais seu coração que já estava balançado pela emoção,
contudo, Querido Frankie não conseguiu ser popular mesmo com seu aparente apelo
para reunir a família para uma sessão da tarde. Além da má distribuição feita
no Brasil, que automaticamente o rotulou como um projeto alternativo, a secura
das interpretações e de algumas sequências colabora para que o projeto vá além
de um agradável filme e se transforme em um produto destinado a platéias mais
maduras que procuram unir entretenimento e conhecimento, no caso um
aprofundamento na alma e nas relações humanas. Todavia, essa é uma opção
recomendadíssima para todas as idades, desde que tolere um final que não seja
100% feliz. Vencedor de prêmios em
festivais de cinema menores e selecionado para ser apresentado em eventos
consagrados como o Festival de Cannes, vale ressaltar que este drama torna-se
ainda mais interessante por a narrativa ser desenvolvida em terras escocesas,
locais ainda pouco explorados pelo cinema, mas belíssimos e que no caso
colaboram e muito para acentuar o clima de melancolia do projeto. Vale a pena.
Drama - 105 min - 2004
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