NOTA 9,0 Spielberg atualiza texto clássico que coloca os humanos na mira de uma ameaça devastadora, uma alegoria que ainda faz sentido |
Um ponto a favor da trama é que desta vez
os EUA, em seu sentido político e histórico, não são o centro da trama como
normalmente são apresentados (entenda-se como os salvadores da pátria) em
longas que abordam catástrofes. Spielberg se prende a um pequeno núcleo
familiar para retratar o caos e o desespero de uma situação que inerentemente
levaria ao fim do mundo. Essa aproximação do universo dos personagens é uma
obsessão na filmografia do cineasta, mas neste caso ele não se estende na
introdução, preferindo partir logo para o que interessa e pouco a pouco
aprofundar-se na relação de Ray com seus filhos, fazendo valer a máxima de que
há males que vem para o bem. Graças aos eventos aterrorizantes que passam a
vivenciar na peregrinação que iniciam até chegar a uma região interiorana que
seria um dos poucos lugares a salvo em solo americano é que os três
protagonistas compreendem os laços que os unem. Cruise deixa o desleixo inicial
de seu personagem para vestir a carapuça de herói, mas sem aquele clichê de
salvar a humanidade. Aqui é cada um pelos seus entes queridos e olhe lá. Se um
ou outro conseguir uma mão estendida é porque o destino lhe foi generoso. Nesse
ponto é que o filme mostra seu potencial de verdade. Se para grande parte do
público este projeto não é nada mais que um passatempo lotado de efeitos
especiais (de qualidade e bem usufruídos fique claro) e altas doses de tensão e
adrenalina, algumas poucas pessoas conseguem enxergar potencial dramático em
meio a correria, gritarias e destruição. Os conflitos da família Ferrier podem
parecer insignificantes diante do mundo em colapso, mas o longa jamais abandona
tal viés, podendo assim o trio de protagonistas desenvolver seus personagens de
forma convincente, sendo que a então pequena notável Fanning rouba a cena
deixando cair a máscara de pré-adolescente antipática que vestia no começo para
permitir aflorar em si a inocência e os medos pertinentes a qualquer criança
que não pensa duas vezes antes de chorar, gritar ou falar o que lhe vem a
cabeça. Em determinado momento ela indaga, por exemplo, se os tripodes, as tais
máquinas que emergiram do solo, são os terroristas, uma clara alusão ao pânico
e a paranóia que ameaçava e ainda amedronta o povo americano após os ataques de
11 de setembro de 2001. Aliás, boa parte das cenas mais tensas inevitavelmente
nos faz recordar este fatídico e histórico dia. Todavia, mais impactante que os
ataques provenientes de forças desconhecidas é constatar que o ser humano pode
ser o seu maior inimigo. As pessoas passam a se agredir entre si e até mesmo a
matar em prol de uma chance de escaparem com vida, mas tudo isso é em vão,
afinal todos estão no mesmo barco. Bem, é lógico que existe uma manobra narrativa
para agregar ainda mais discórdia ao conflito e os Ferriers curiosamente são os
únicos que conseguem um carro que funcione e obviamente não chegarão ao destino
final com a ajuda dele. Mais a frente o ator Tim Robbins entra em cena como
Ogilvy, um personagem ambíguo para acentuar a mensagem de que no calor da
emoção a razão cede espaço a loucura.
Apreciando com olhos mais atentos, dá para
perceber que boa parte das críticas negativas que o longa recebe não tem
validade ou ao menos possuem justificativas plausíveis por parte do diretor e
sua equipe. Antes do lançamento Spielberg já havia afirmado que retrataria a
vulnerabilidade a que os seres humanos em geral estão expostos, principalmente
mediante a ameaças de proporções descomunais, trazendo certo aspecto documental
a obra, mas não abdicaria de alguns clichês hollywoodianos que na realidade
serviriam como uma espécie de reforço de valores e respeito ao público. Embora
o desfecho já seja revelado em diversas críticas e conhecido por muitos, não é
de bom tom exterminar o aspecto surpresa da obra para aqueles que ainda não a
assistiram por falta de oportunidade ou influenciados por comentários
negativos. Todavia, é bom prevenir que o cineasta evitou ao máximo chocar os
espectadores, por isso preferiu sugerir certas coisas ao invés de escancará-las
em detalhes visuais e, dependendo do ponto de vista, jogar um balde de água
fria nos minutos finais para apagar o incêndio que alimentava até então. Só
para citar um dos exemplos do pudor do diretor, não espere ver corpos
ensaguentados ou consumidos pelo fogo, simplesmente eles são desintegrados nos
ataques e suas roupas voam pelos ares trazendo um tom poético à catástrofe. Spielberg
também opta por manter sua história em uma mesma região, não sendo apresentados
ataques em outros países, o que colabora para que novamente a obra caia no olho
do furacão. Contudo, fica claro que fora uma ou outra informação através da TV
ou de algum personagem com passagem relâmpago pela trama, tudo o que sabemos
sobre esta guerra é do ponto de vista dos protagonistas, inclusive várias cenas
são apresentadas como se fosse por suas óticas, o que dá um ar mais realístico
a trama e na medida do possível menos espetaculoso. Apesar de abrandar os
conflitos para se tornar literalmente um programa para toda a família, a
segunda versão Guerra dos Mundos merece uma revisão para provar que mais que
um filme-pipoca esta é uma obra alegórica que fazia todo sentido quando
lançada, mas ainda pertinente e que serve sim como um tipo de registro histórico.
Aliás, mais interessante que o próprio longa é a sua origem, não a toa também
alegórica. O escritor H. G. Wells publicou no final do século 19 um livro que
colocava os ingleses em embate direto com alienígenas, uma metáfora que posicionava
em perigo aqueles que na realidade estavam invadindo e colonizando de forma
bruta outros países. Na década de 1930, os mesmos escritos serviram para uma
impactante transmissão de rádio do cultuado Orson Wells que fez alguns ajustes
e narrou os eventos de forma que a população em peso acreditou que o fim do
mundo chegara. Levando em consideração o contexto histórico e social do
material original, a brincadeira mal interpretada décadas mais tarde e a
transformação visual da obra em um clássico filme dos anos 50, Spielberg fez um
híbrido de marcantes elementos de todas estas etapas reforçando a ideia de que
tão amedrontador quanto o desconhecido podem ser as próprias atitudes do ser
humano, em um eterno combate onde os mais fortes tendem a colocar os mais
fracos na posição de submissos, e de quebra fazendo uma alusão de que a
natureza tão desprezada pelo homem pode ser a sua principal aliada.
Aventura - 116 min - 2005
Um comentário:
hehe, esse filme é bem maluquinho, mas provocante, a tecnologia dos ets, impressiona, quer ficar de cabelos arrepiados, assista...
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