NOTA 8,5 Misturando romance, drama e comédia, longa francês causa identificação imediata com público feminino e agrada plateias cults |
O
cinema francês infelizmente não goza de um grande prestígio no Brasil. Até
mesmo entre os que gostam de produções do circuito alternativo existem aqueles
que teimam na ideia de que os filmes oriundos da França são chatos, arrastados
e na maioria das vezes não chegam a lugar algum, apenas um blá-blá-blá
descartável. Porém, graças a Deus, existem exceções. Além de suas histórias
dramáticas nos últimos tempos tornarem-se palatáveis a um público mais amplo,
as comédias francesas também estão ganhando tramas de cunho universal, mas por
outro lado é uma pena que elas recebam títulos que para muitos se tornam piada.
Os estrangeiros tem a tradição de batizar suas obras cinematográficas com uma
única palavra enigmática ou então capricham na escolha de elementos que
aparentemente não refletem claramente a ideia do enredo, assim aguçando a
curiosidade dos espectadores. E o que dizer de um título que realmente tem a
ver com o conteúdo, mas que pode soar como piada? É o que acontece com Instituto de Beleza
Vênus, uma elogiada produção feita sob medida para agradar as mulheres,
entretanto, que já nasceu fadada a ser apreciada por um público restrito. Para
os habituados a filmes mais cults o título é excepcional, mas para os espectadores
de cinemas de shopping, ou melhor, para os fregueses de baldes de pipoca e
copões de refrigerante nem é preciso dizer que eles caem na gargalhada logo
comparando o nome do filme com o do salão de cabeleireiro da esquina. Para quem
frequenta este tipo de estabelecimento provavelmente se identificará com algum
ponto da trama que é centralizada na personagem de Angèle (Nathalie Baye), uma
esteticista que prefere encontros casuais a manter um relacionamento sólido. Vivendo
os dilemas e alegrias típicos de uma quarentona, ela já foi muito machucada e
iludida no amor e não está mais na idade de acreditar em príncipes encantados.
Cada novo homem que conquista é como se fosse um tratamento de beleza que lhe
retira as marcas de expressões de uma vida relativamente triste, no entanto,
concentrando a maior parte de seu tempo encerrada dentro do ambiente de
trabalho é como se usasse as grandes janelas de vidro como escudo protetor de
seus sentimentos, mas ainda assim usufruindo de certa forma do cotidiano do
lado de fora.
A
vida de Angèle ganha um colorido todo especial quando um garotão cruza seu
caminho. Ela se apaixona rapidamente pelo galanteador Antoine (Samuel Le Bihan)
e deseja um relacionamento duradouro com o rapaz, mas ela terá que enfrentar a
namoradinha dele que jamais admitiria ser trocada por uma mulher mais velha. Tal
situação até pode parecer engraçada inicialmente, porém, com o passar do tempo
os problemas se tornam sérios. Ela não sabe como agir e o amor parece realmente
não fazer parte de seu mundo. Aliás, o universo da esteticista parece se
restringir ao salão de beleza e suas companhias são as colegas de trabalho Nadine
(Bulle Ogier), a proprietária do estabelecimento extremamente vaidosa, Samantha
(Matilde Seigner), uma namoradeira inveterada, e Marie (Audrey Tautou – então
premiada com o César de revelação feminina), uma jovem aparentemente tímida. Apesar
de o enredo ter como atrativo principal os conflitos amorosos de Angèle,
existem outras histórias que pontuam o longa e que carregam uma essência
feminista. Por exemplo, Marie seduz um homem já de idade, mas muito rico, obviamente
atraída pela possibilidade de lucrar financeiramente com a relação. Nesse
instante, a protagonista percebe que o importante na vida é viver o presente e
finalmente se entrega ao amor de seu jovem apaixonado e passa a enxergar a vida
de outra maneira. Antes ela estava acostumada a viver o cotidiano das outras
pessoas que ela observava diariamente através dos vidros das janelas de sua
casa, restaurantes e principalmente do próprio salão. Aliás, como ouvinte e
confidente de suas clientes, os dramas e alegrias delas acabavam mexendo com
seu estado emocional também. As conversas fúteis de suas clientes colaboravam
para que ela imaginasse que a felicidade é um sonho impossível. Esse olhar
feminino, ora romântico, ora ácido, se deve muito ao fato do filme ser dirigido
por uma mulher. Embora americana, Tonie Marshall conseguiu com esta sua visão
peculiar de um salão de beleza faturar quatro troféus César, o Oscar francês,
incluindo melhor filme, direção e roteiro, assim conseguindo um rápido
reconhecimento internacional, algo que seu pai, o ator e diretor William
Marshall, não conseguiu em anos de carreira. Também roteirista, a diretora
construiu diálogos e situações eficientes e realistas graças a sua pesquisa in
loco literalmente fazendo plantão nos salões com olhos e ouvidos bem atentos às
fofocas e trejeitos de funcionários e clientela, entretanto, a busca pela
essência feminina não torna a sua obra proibida para homens.
Os
barbados amantes de cinema alternativo também encontram elementos suficientes
na trama para se divertirem. Por exemplo, a clientela do lugar é um tanto
variada. Da cliente desinibida que gosta de desfilar nua pelo salão até um
veterano de guerra que usou a pele das nádegas da própria esposa para realizar
uma plástica facial, curiosamente os personagens lembram tipos comuns em obras
do cineasta espanhol Pedro Almodóvar (entenda-se como figuras bizarras ou
alopradas envoltas com situações dramáticas), talvez até um detalhe proposital
para tentar ajudar na carreira internacional do longa. Tudo isso junto resulta
em um trabalho que mistura de forma eficiente drama e humor, mas uma pena que
ficou restrito a um pequeno público, até por conta de sua raquítica
distribuição. Muito sensível e envolvente, Instituto de Beleza Vênus é
um ótimo exemplo de obra que equilibra bem características do cinema de arte
com o comercial. A história de fácil assimilação, momentos divertidos e outros
comoventes, só derrapa no final quando o tom realista abre espaço para o
romantismo exacerbado explícito inclusive no visual. Os últimos minutos
mostram-se tão artificiais quanto a ambientação principal que vende a beleza
como uma falsa tentativa de se encontrar a felicidade. Aliás, os cenários
merecem elogios à parte por trabalharem o contraste entre o sossegado salão e a
selva das ruas. Para ampliar as diferenças entres esses dois ambientes, o instituto
ganhou ares de butique ou até mesmo de um aquário. Muitas cenas mostram as
pessoas se movendo naquele mundinho particular e as luzes de neon reforçam o
lado kitsch do local. A concentração de pessoas por lá facilita a relação de
intimidade entre personagens e espectadores, porém, limita demais o avanço da
história, mas algo recuperado quando a câmera passeia por outras ambientações.
De qualquer foram, a ação acaba sempre voltando para a casa dos cremes e
maquiagens, onde as fofocas são feitas de forma educada e em ambientes
reservados. Pode soar estranho, pois o modelo de salão de beleza brasileiro é
bem diferente, mas de qualquer forma este é um filme muito bonito e que merecia
atenção do público e crítica, pena que sua ausência no mercado nacional já dure
vários anos. Talvez reflexo da pouca procura que teve quando lançado ou até
mesmo da falência de sua distribuidora. Uma última curiosidade é que o filme
fez tanto sucesso na França e em alguns outros países que acabou gerando em
2005 a série televisiva "Vênus & Apollo", também mantendo o foco
no mundo feminino através dos olhos das funcionárias de um instituto de beleza.
Comédia Romântica - 105 min - 1999
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