segunda-feira, 9 de agosto de 2021

NAMORADOS PARA SEMPRE


Nota 8 Casal em crise tenta reatar laços reexaminando seus atos no passado em uma noite decisiva


É comum nos entusiasmarmos a assistir a um filme apenas pelo título, mas provavelmente muita gente deve se decepcionar ao constatar que Namorados Para Sempre está longe de ser uma narrativa açucarada e com o tradicional felizes para sempre. "Blue Valentine", o título original, é uma expressão que faz um elo da celebração do dia dos namorados com o sentimento de tristeza ou derivados, bem mais apropriado a esta obra escrita e dirigida por Derek Cianfrance. Experiente na área de documentários, ele incorporou elementos do gênero na sua estreia no cinema de ficção. Quase todo o tempo sentimos a câmera, por vezes tremida, seguindo os atores e procurando gestos e olhares relevantes ou até mesmo detalhes que aparentemente não significam nada, mas quando praticamente só temos dois atores em cena até a maneira de respirar pode indicar algo. O longa gira em torno de um casal que discute a relação relembrando seu passado para enxergar onde erraram. Em flashbacks, alguns personagens que foram ou são importantes na trajetória dos protagonistas oferecem um respiro ao espectador imerso numa narrativa na qual momentos de carinho se alteram com outros de raiva e alguns de pura melancolia. 

Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) são casados há cerca de cinco anos e atualmente vivem mais por conveniência e para não ferir a pequena filha do casal. O que antes era pura paixão e harmonia com o passar do tempo foi se transformando em um fardo para os dois e os problemas do dia a dia acabaram se tornando gigantescos por menor que eles fossem na verdade. Porém, o rapaz que acabou assumindo um compromisso assim que a namorada descobriu estar grávida, ainda deseja reverter a situação. Ele reserva uma suíte de motel para passar uma noite a sós com a esposa e discutir o que aconteceu com o amor deles, mas a moça demonstra resistência aos carinhos do marido do primeiro ao último minuto da noitada que termina de forma forçada e longe do que Dean esperava. Durante esse período em que se trancam em um ambiente inebriado de claustrofobia, o espectador passa a acompanhar cada passo deles ao mesmo tempo em que são revelados os detalhes do início desse relacionamento, desde o primeiro encontro por acaso, passando por momentos de pura ternura até chegarmos nos momentos de crise. Sem seguir uma ordem cronológica para os fatos, é incrível o trabalho de edição. De forma eficiente conseguimos acompanhar praticamente duas tramas paralelas que vão e vem e essa dinâmica consegue envolver o público que passa a torcer por um final feliz. 


Como já dito, este não é um filme de felizes para sempre, embora exista um ensaio para tanto. Os minutos finais partem os corações dos mais românticos, mas servem para justificar o título nacional. Cindy e Dean viveram o amor deles o tempo que puderam, o quanto ele sobreviveu. O até que a morte nos separe dito na cerimônia de casamento não existe, é pura ilusão. O casal, por fim, chega a conclusão de que é melhor guardarem as lembranças dos bons tempos do que viverem as turras por comodismo ou para não sofrerem repressões de terceiros. Assim, mesmo separados, eles ficam com a sensação de serem namorados para sempre e passam a manter relações cordiais nos encontros que fatalmente terão daqui para a frente, afinal eles tem um elo eterno e fruto do amor que um dia sentiram um pelo outro. A lição do casal deveria ser compreendida e colocada em prática por muitas pessoas. Existem inúmeros casais que se separam na ideia, mas na prática continuam juntos. Alguns vivem sob o mesmo teto como amigos. Outros passam a morar em casas separadas, mas brigam tanto por bens, dinheiro e guarda dos filhos que acabam por prolongar o convívio nada saudável por tempo indeterminado. E existe também aqueles que agem de forma civilizada e preferem terminar a relação antes que ela se torne insuportável, preservando assim a integridade pelo menos de um sentimento de respeito de ambas as partes. 

O casal do filme talvez vá um pouco além e prefira guardar um pouco de amor um pelo outro e o futuro a Deus pertence. Temos uma conclusão no longa que aponta a decisão momentânea dos personagens de manterem um convívio pacífico em respeito a filha, mas tudo pode mudar futuramente para pior ou melhor, ninguém tem o poder de decidir sobre isso, apenas o tempo é que dita tais regras. Mas por que assistir um filme se você já sabe como tudo acaba? A resposta é simples: mais importante que o final é o desenrolar dos fatos, pois é aí que nos enriquecemos cultural ou emocionalmente. Cianfrance enriquece seu trabalho com uma direção apurada que abusa dos closes e artifícios visuais, como a iluminação e a fotografia, para evidenciar estados de espíritos, mas tudo seria em vão caso a dupla protagonista falhasse. Gosling e Williams chegaram a viver juntos por um mês em uma mesma casa para criarem intimidade e o período de afastamento de suas rotinas e familiares também funcionou como uma espécie de laboratório para as cenas mais dramáticas e tensas. Não é a toa o realismo que encontramos nesta obra e os atores trouxeram toda a bagagem emocional que adquiriram durante o período de pré-escalação. 


O projeto seria realizado em 2008 com Heath Ledger no papel masculino principal, mas sua morte precoce adiou os planos e os produtores escalaram Williams simbolicamente. Eles foram namorados e tiveram uma filha, mas a escolha da atriz está longe de ser apenas pelo tom de homenagem. Reconhecidamente uma das melhores intérpretes de sua geração, talvez imaginar que poderia estar contracenando com seu amor do passado acentuou a dramaticidade e o realismo de sua atuação, encontrando perfeito equilíbrio na parceria com Gosling que também oferece um personagem repleto de nuances emocionais. Namorados Para Sempre, em suma, é uma obra de estilo mais intimista e com certo quê de intelectual ou de produto destinado a plateias mais elitistas, mas vale a pena dar um voto de confiança a este drama maduro e coeso que pode levar a reflexão, afinal quem nunca viveu, de forma real ou platônica, os prazeres de amar fervorosamente e os dissabores de esquecer uma paixão.

Drama - 112 min - 2010 

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2 comentários:

Luís disse...

Concordo com você: apenas dois atores e o filme todo praticamente tem toda a sua vida, o que é incrível. Excelentes interpretações, dessas que cativam. Não apenas Michelle merecia uma indicação ao Oscar, mas também Ryan, que foi esnobado ano passado e, de novo, esse ano.

Marcos disse...

Assisti faz poucos dias e gostei muito, exceto por uma coisa. Para mim, a história de Namorados para sempre é um daqueles filmes que não dá pra ser explicado em 2 horas, o que exige um trabalho que dê atenção a detalhes relevantes e que enriqueçam a história. O resultado final ficou bom mas na minha opinião poderia ter uma visão maior da vida da família de Cindy, fato que me deixou muito curioso mas que ficou no ar, renderia um ótimo gancho.

Bom