Nota 3 Premissa razoável é desperdiçada em longa cheio de citações preconceituosas implícitas
Chris Rock é um ator que dedica praticamente toda a sua carreira as comédias e, curiosamente, criou a fama do seu nome às custas de personagens estereotipados que já vimos encarnados ao longo dos anos por nomes consagrados como, por exemplo, Will Smith e Martin Lawrence. No entanto, a repetição de papeis é o de menos, o que pega mais negativamente é que quando vemos o intérprete cercado por outros negros no material publicitário de um filme é impossível não sentir automaticamente um desânimo. Lá vem mais uma daquelas produções que ao invés de quebrar preconceitos implicitamente acaba por reforçá-los visto que dificilmente algum longa do tipo não joga seu protagonista em um mundo a parte, um lugar onde os brancos parecem não ter lugar e os próprios representantes da raça negra alimentam algum tipo de preconceito entre o grupo. Assim, para aqueles que sentem essa sensação de que já viu esse filme diversas vezes e com todas as variações possíveis deve ser difícil embarcar na dinâmica de Acho Que Amo Minha Mulher.
Rock interpreta Richard Cooper, um executivo bem sucedido que tem dois filhos pequenos e é casado com a professora Brenda (Gina Torres). Ele teria a vida perfeita, isso se não estivesse passando pela famosa crise de sete anos de casado. Sem ter intimidades com a esposa há um bom tempo, o rapaz constantemente sonha com outras mulheres, mas jamais extrapola os limites da fantasia. Quer dizer, sua fidelidade é colocada em xeque quando ele reencontra a sensual Nikki (Kerry Washington), uma antiga amiga que mexe com seus sentimentos, mas valeria a pena ele colocar seu casamento e família em risco em troca de uma experiência que poderia não passar de uma aventura descartável? Ainda que lutando contra os seus instintos, Cooper passa a sair de vez em quando com Nikki, mas jamais tenta algo a mais com ela. Para ele a relação é de pura amizade, porém, quem os vê junto logo pensa que são amantes e mais cedo ou mais tal boato pode chegar aos ouvidos de Brenda.
O protagonista aproveita os momentos de escapadinha de seu personagem para colocar em cena seus dotes humorísticos tão conhecidos, mas aqui Rock experimenta uma criação diferente, um tipo que, embora esteja em meio a situações constrangedoras ou divertidas vez ou outra, na realidade está passando por um dilema. Além de exercitar seu lado dramático, o ator também assumiu as funções de produtor, diretor e roteirista, este último crédito dividido com Louis C. K. que também escreveu uma versão modernizada de O Céu Pode Esperar para Rock estrelar. Nesta nova parceria, o material inspirador foi o roteiro de Eric Rohmer utilizado em Amor à Tarde, longa datado de 1972, mas essa atualização para o universo negro e contemporâneo, embora traga algumas novidades, ainda carrega resquícios de características que só reforçam estereótipos do cinema americano.
Cooper conversa de forma agradável, tem bom vocabulário, está sempre bem vestido e cercado de brancos no ambiente em que trabalha, uma realidade diferente da qual a maioria dos negros são retratados, geralmente segregados, com um repertório baseado em gírias e vestidos de maneira extravagante ou de forma peculiar. Por outro lado, o executivo é casado com uma negra, seu alvo de desejo também é de cor, na sua roda de amigos no restaurante os desbotados parecem não ter lugar e até nas conversas os representantes de sua etnia estão no olho do furacão, sobrando até para o finado Michael Jackson (na época ainda vivo) uns comentários preconceituosos, além de deixarem latente que eles próprios não querem contato com os caucasianos.
Coisas do tipo só servem para reforçar preconceitos arcaicos e que não mostram fielmente a realidade americana, visto que lá assim como em praticamente todo o mundo a união entre as raças é comum e há um bom tempo já não representam praticamente tabu algum. Se seguisse essa linha de avaliar a real situação do negro hoje em dia (lembrando que o filme é de 2007), dando atenção ao fato de que eles próprios podem se excluir da sociedade levando adiante pensamentos obsoletos, Acho Que Amo Minha Mulher poderia render um bom trabalho, mas o compromisso com o rótulo comédia fez com que a trama abandonasse bons ganchos para investir em um dilema amoroso enfadonho que culmina em uma conclusão musical que acaba sendo o calcanhar de Aquiles de todo o filme.
Comédia romântica - 94 min - 2007
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