NOTA 6,0 Apesar da premissa batida envolvendo o universo dos cassinos, longa ganha pontos com o refinamento do texto e direção |
É curioso como filmes acerca do
mundo dos jogos de azar conseguem chamar a atenção principalmente dos chamados
cinéfilos de final de semana, mesmo sendo uma temática bastante fechada. Claro
que existem nichos de pessoas que conhecem as regras das roletas, carteados e
afins, mas a grande maioria é alheia a esses assuntos, principalmente pelo fato
dos cassinos serem proibidos no Brasil, assim não sendo uma atividade bem vista
e frequentemente associada ao submundo dos crimes e drogas. Crupiê -
A Vida em Jogo de certa forma reitera tais preconceitos, mas faz
isso com certo refinamento. Na trama escrita por Paul Mayesberg, de O Último Samurai, os gêneros drama,
thriller e policial se mesclam de maneira um pouco disforme, mas compensa com
um estilo sóbrio que combina com o estilo do protagonista, um homem que também
de maneira cautelosa planeja seus passos para se dar bem, mas acaba envolvendo
as pessoas que o cercam em ciladas. Jack Manfred (Clive Owen) sonha em se
tornar um escritor de sucesso, mas em meio as suas tentativas para publicar seu
primeiro romance acaba afogando-se em dívidas. Ele fica sabendo sobre uma vaga
de emprego em um cassino londrino como croupier, mas ele tinha prometido a si
mesmo que não se meteria mais com jogatinas. Contudo, as dificuldades o forçam
a correr atrás deste emprego e, diga-se de passagem, seu desempenho surpreende
dia após dia, sem essa de sorte de principiante, mas sua namorada Marion (Gina
McKee) insiste para que ele peça demissão e retome a carreira literária. Mal
sabe ela que seu companheiro está nesse negócio justamente para observar os
frequentadores do cassino e se inspirar para escrever um novo livro sobre um
assunto que domina. Não demora muito para que Manfred se desvirtue,
principalmente quando se envolve amorosamente com Bella (Kate Hardie), uma
colega de trabalho, ao mesmo tempo que não resiste as investidas de Jani (Alex
Kingston), uma jogadora que lhe faz uma ousada proposta. Ela quer a ajuda do
rapaz para acobertar um grupo de criminosos em um plano para roubar a casa de
jogos. Por fim, todas essas experiências o inspiram a escrever a história do
croupier Jake, claramente seu alter ego.
Hoje um ator de sucesso e capaz
de atrair público facilmente, na época Owen estava tentando conquistar seu espaço
e aqui encontrou um bom personagem, um tipo que exigia uma interpretação
ambígua, quase uma dupla personalidade, um desafio e tanto para qualquer
intérprete, ainda mais em início de carreira. Ora ele é o mocinho pelo qual
deveríamos torcer para conseguir conquistar seus objetivos pessoais e
profissionais, ora ele se apresenta como um canalha mulherengo, ganancioso e
metido até o pescoço com negócios ilícitos. Responsável por embaralhar e
distribuir cartas para os apostadores e supervisionar as partidas, aos poucos
percebemos que um bom croupier jamais deve ter destaque no salão e sim se
portar como uma figura onipresente, mas ao mesmo tempo quase invisível. Discretamente
ele deve observar a tudo e a todos e se controlar para não cair na tentação de
assumir o posto de jogador, regras seguidas á risca por Manfred e que
contraditoriamente o levam a ser notado pelo chefe do cassino e seus colegas de
profissão. O roteiro apresenta inteligentes analogias entre o ofício do
protagonista e as suas próprias escolhas pessoais, sendo assim a vida
desequilibrada do rapaz apenas reflete as escolhas que faz, a forma como decide
seus próximos passos de acordo com as cartas que recebe para continuar o jogo,
sempre lidando friamente com os sentimentos dos outros. Todavia, chega uma hora
que ele perde o controle e forçosamente tem que aprender a ser manipulado para
sobreviver nesse universo onde ricaços se divertem e tentam enriquecer ainda
mais à custa de dinheiro alheio. Tal papel caiu como uma luva para Owen que
carrega a fita praticamente nas costas em meio a um bando de rostos
desconhecidos, embora ele próprio praticamente fosse reconhecido apenas em seu
país natal, a Inglaterra, onde passou a ser apontado como o ator ideal para
assumir a vaga de James Bond, talvez a figura mais icônica da cultura inglesa.
A ideia não vingou, mas a carreira do astro sim.
Produzido na Europa em 1998, o
longa só teve lançamento em alguns países após dois anos engavetado, embora
tenha sido exibido na televisão holandesa antes mesmo de estrear em solo
americano. Esse teria sido o motivo de seu impedimento para estar na lista dos
pré-selecionados para o Oscar, foi considerado como um telefilme, uma pena
visto que se tornou um inesperado sucesso de bilheteria e de crítica nos EUA
mesmo em circuito de exibição restrito. Caiu nas graças de um público mais
maduro e seletivo. Já no Brasil, além do atraso, chegou aos cinemas com um
mínimo de divulgação. Sem a publicidade das premiações, Mike Hodges acabou
perdendo a chance de ter seu nome elevado ao primeiro time de cineastas.
Responsável por trabalhos de qualidade como Carter
- O Vingador e O Diário de Um
Gângster, o diretor estava a quase uma década dedicando-se apenas a
projetos de televisão após uma sucessão de fracassos nas telonas. Talvez por
isso seu retorno ao cinema carregue em sua estética, ritmo de edição e até na
narrativa um quê do estilo televisivo, ainda que a premissa seja no mínimo
interessante, embora batida. Além dos inúmeros verbetes e gírias utilizados nas
cenas de jogatinas que não fazem muito sentido os leigos em carteado, Crupiê - A Vida em Jogo no fundo não traz
novidades, apenas conta com certo refinamento pela enésima vez a história do
cara que quer viver dignamente, mas acaba corrompido pelo ludibriante mundo do
dinheiro, drogas e sexo fácil. Já vimos esse conto várias vezes. O diretor
apenas joga um verniz em um argumento envelhecido. É um passatempo ligeiro, por
vezes divertido, mas que tem algumas sequências que comprometem o interesse do
espectador. É até difícil especificar o que é, mas existe a nítida sensação de
que falta algo ou há certo exagero no roteiro, principalmente para os mais
tradicionais que defendem que os mocinhos dos filmes devem dar bons exemplos.
Todavia, nem só de heróis se faz o cinema. Os anti-heróis estão na moda... E há
tempos.
Drama - 94 min - 1998
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