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segunda-feira, 23 de maio de 2016

MINHA VIDA SEM MINHAS MÃES

NOTA 9,0

Drama finlandês faz alusão a
um drama que milhares de
crianças vivenciaram, uma visão
diferente da Segunda Guerra
Quando se fala em filme que tem como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial automaticamente nos vem a mente as imagens de sofrimentos, combates, mortos, feridos, tiroteios, bombas e conchavos políticos. Isso se deve ao fato dos inúmeros filmes que já trabalharam com a temática, mas sempre apostando nos velhos clichês que servem para impactar o espectador ou levá-lo as lágrimas. Também é comum enxergarmos os fatos da época através do olhar americano, já que os EUA é um dos países que mais produz obras calcadas no tema e teve uma participação importante no conflito, fato que até hoje gera certas discordâncias já que alguns episódios ocorridos no período parecem ser conhecidos pelo público pela ótica da fantasia e do patriotismo americano. Felizmente, existem cineastas e produtores que preferem ver estes tempos difíceis por uma ótica diferenciada, mais branda, pelos olhos inocentes das crianças, mas este viés também já rendeu demais. Para quem gosta de obras que retratam esta época marcante da História mundial, mas está cansado da mesmice, que tal procurar títulos do mesmo tipo em filmografias de outros países? Infelizmente, graças ao enxuto currículo escolar que temos no Brasil e até mesmo pela falta de vontade das pessoas em buscarem cultura por outros meios, há uma tendência de algumas pessoas acharem que o impacto dessa guerra que marcou a década de 1940 só tenha sido sentido em solo americano e em alguns países europeus e asiáticos, mas os conflitos surtiram efeitos em todo o mundo, em maior ou menor grau. Uma boa pedida para ver tal tema de modo atípico é Minha Vida Sem Minhas Mães, um belíssimo trabalho da Finlândia comandado pelo diretor Klaus Häro, um promissor talento que aqui assinava então seu segundo projeto atrás das câmeras. Nessa produção encontramos um novo ângulo para compreender o período da Segunda Guerra Mundial que nos ajuda a montar uma pequena parte do quebra-cabeça da época e entender a situação de alguns países em relação ao conflito. Por sua origem nórdica, este longa pode causar certa estranheza inicial devido a forma como a narrativa se desenvolve, um ritmo lento e contemplativo, mas vale a pena fazer uma forcinha e acompanhar a trama até o final.

A história, baseada num romance de Heikki Hietamies, se passa em 1943, quando a guerrilha entre países se acirrava cada vez mais. O pequeno Eero (Topi Majaniemi) vivia muito feliz ao lado dos pais na Finlândia até que seu pai Lauri (Kari-Pekka Toivonen) foi convocado para a guerra. Ele prometeu que voltaria logo e que tudo ficaria bem, mas o destino não quis assim. O pai de Eero morre no front e sua mãe, Kirsti (Marjaana Maijala), toma a difícil decisão de mandar seu único filho para a Suécia, território considerado na época neutro em relação à guerra, onde ele poderia ficar em segurança com uma das famílias do local que se ofereceram para prestar ajuda acolhendo as crianças que corriam risco em países vizinhos. O garotinho finlandês com apenas nove anos de idade vai então morar com os Jönssons, um clã tradicional que vive em um ambiente bucólico. Muito bem recebido pelo senhor Hjalmar (Michael Nygvist), o mesmo não ocorreu por parte de sua esposa, Signe (Maria Lundgvist), que o recebeu em sua casa, mas não em seu coração. Sem falar a mesma língua e possuir os mesmos hábitos, Eeros se sente desconfortável vivendo com essa família e a falta de atenção e carinho de Signe só acentua essa situação.  Ela esperava uma menina que a ajudasse nos serviços de casa e não gostou nada de abrigar um garoto. Sua mãe adotiva também passa a esconder as cartas da mãe biológica e lhe entrega apenas aquelas que considerava conveniente após ela própria ler e avaliar. Assim, com a escassez de notícias da mãe verdadeira e com a hostilidade da adotiva, ele se sente sem o carinho de suas duas mães, mas as circunstâncias tratam de aproximar Signe de Eero e ele descobre as razões desta mulher o ter desprezado inicialmente. Contudo, ninguém sabia até quando a guerra se estenderia e o menino passou a viver com dúvidas conflitantes. Quando a situação se normalizasse ele voltaria a ver Kirsti? E como ficaria sua relação com os Jönssons? A infância de Eero é relatada por intermédio de cenas em flashback quando o próprio, já um sexagenário, é vivido pelo ator Esko Salminem e está indo ao funeral de Signe relembrando como foi dura a sua vida dividindo suas atenções entre duas mães, seja quando se sentia rejeitado por ambas ou depois que se tornou alvo da disputa de suas atenções. É interessante que o presente de Eero é mostrado em preto e branco enquanto seu passado é exibido em imagens coloridas, ou melhor, em tons pastéis cativantes que retratam com fidelidade o clima bucólico do interior sueco.

Com trama desenvolvida por Jimmy Karlsson e Kirsi Vikman, baseado no roteiro de Veikko Aaltonens, este drama não nasceu de um fato real específico, mas deve ser interpretado como uma alusão, um retrato de uma situação delicada que provavelmente se repetiu em diversos lugares e milhares de vezes. Na época muitas pessoas procuraram refúgios em países considerados seguros, inclusive no Brasil, e boa parte delas jamais voltou aos seus locais de origem preferindo se estabelecer nas terras que as acolheram. No caso da Finlândia, aliada da Alemanha e em luta contra a antiga União Soviética, milhares de crianças foram enviadas para a Suécia (estima-se que cerca de 70 mil) sem os pais e foram adotadas temporariamente por famílias voluntárias, pois havia o medo de represálias aos finlandeses. Provavelmente, muitos desses adotados sofreram para se adaptar as novas condições de vida e também pela falta de notícias de seus parentes, assim vivendo sem saber ao menos se um dia voltariam a encontrá-los. Exibido em 2005 com sucesso na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, inclusive escolhendo como Melhor Atriz Maria Lundgvist, e conquistando mais de dez prêmios em festivais mundo a fora, Minha Vida Sem Minhas Mães é um belíssimo filme que merecia ter tido maior visibilidade, sendo que seu lançamento foi diretamente em DVD e sem pompas. É uma pena que hoje ele seja uma raridade e só as boas locadoras ou colecionadores possuem uma cópia legítima. Se encontrar alguma delas, não pense duas vezes. Assista e se emocione com mais uma bela história que expõe outro lado das consequências do triste período da Segunda Guerra Mundial. Porém, mais que fazer um retrato de como a Suécia vivenciou tal época, o longa traz uma mensagem universal e atemporal: a importância dos laços familiares, principalmente a ligação entre mãe e filho. E se uma imagem vale mais que mil palavras, o mesmo se pode dizer dos sentimentos. Com diálogos econômicos, Häro entrega uma obra cuja essência está em pequenos detalhes, como o simples olhar entristecido de uma criança que por si só deixa claro toda a emoção de uma cena.

Drama - 111 min - 2005

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