NOTA 8,0 Longa relata fato real sobre uma jovem descontente com a vida que tinha e que buscou a solução almejando a vida de outra |
Que atire a primeira pedra aquele
que nunca desejou em algum momento viver a vida de uma outra pessoa, seja ela
uma personalidade ou um indivíduo comum? A vontade de ter alguma coisa ou ser
como alguém pode ser benéfico, uma alavanca para determinar metas em busca de
um objetivo que traga satisfação, mas infelizmente na maioria dos casos tais
vontades podem se transformar em sentimentos ruins como inveja e obsessão
levando alguém angustiado ou com raiva a atos contraditórios que não raramente
traem até seus próprios princípios. Claro que em casos que chegam a situações
extremas de loucura as pessoas em questão não são normais e sofrem de
distúrbios psicológicos, problemas que podem ser nutridos desde a infância e
que muitas vezes são omitidos por quem sofre e imperceptíveis aos que convivem com
elas. Não é de se estranhar que existam tantos casos de crimes bizarros
envolvendo a inveja e o longa A Vítima Perfeita relata um deles, uma
mescla de drama e suspense baseada em fatos reais que conta a história de uma
jovem que odiava a própria vida e por isso decidiu tomar a de outra pessoa. Com
roteiro e direção de Simone North, o filme narra a história de Caroline Reid
(Ruth Bradley), uma moça solitária e que vê problemas em sua forma física e na
maneira como sua vida se desenrola, mas que deseja intensamente mudar seu
cotidiano radicalmente. O problema é que em sua mente perturbada a solução não
seria ela própria encontrar o que está errado consigo mesma e tentar mudar, mas
sim tirar uma garota de seu caminho, Rachel Barber (Kate Bell), uma jovem que
ela julga ser perfeita em todos os aspectos. Literalmente ela deseja trocar de
lugar com a vizinha de bairro e assumir sua rotina, mas até onde ela poderia em
busca desse insano desejo? Tomada pela obsessão, Caroline dá um jeito de se
aproximar de sua vítima e estreitar laços de amizade, embora já se conhecessem
a algum tempo. Com o contato estabelecido, logo Rachel demonstra confiar na
nova amiga, partilha segredos e compactua em não revelar a ninguém sobre a
amizade entre elas. Pode parecer muita ingenuidade, mas a garota aparentemente
super popular não leva a vida feliz que Caroline acredita e vê nessa relação a
amiga que ela sempre quis ter, portanto nada mais natural que tentar
preservá-la ao máximo.
O perigo raramente dá sinais de
que está por perto e geralmente está disfarçado em pele de cordeiro e é
exatamente nesta armadilha que Rachel cai. Sempre muito obediente certo dia a
jovem surpreende seu pai (Guy Pearce) não descendo do trem no ponto e no
horário que sempre combinava para virem buscá-la e imediatamente toda a sua
família fica apreensiva. Apesar de todos os esforços, inclusive de amigos
próximos, a polícia local não parece motivada nas buscas, sempre com a velha
desculpa de que fugas são comuns entre adolescentes, ainda mais entre garotas
que foram criadas sob os olhares atentos dos pais e que ficam envergonhadas em
assumir namoros. Todavia, Rachel não teria motivos para fugir. Tinha um
namorado que a família conhecia e aprovava, sempre foi boa filha e aluna e no
momento se dedicava com afinco ao balé já pensando em seu futuro, mas a sorte
lhe abandonou. Em uma única pisada de bola, sair sem dizer a ninguém aonde ia, o
pior pode ter lhe acontecido. Estaria ela morta? Sequestrada? Fugiu por conta
própria? Só existe uma única certeza: paralelo ao sofrimento dos Barbers,
Caroline está se sentindo mais leve a ponto de ironizar com as investigações.
Bem, não é difícil imaginar o que aconteceu com a desaparecida levando em
consideração o perfil de sua recente melhor amiga, mas mesmo revelando o
mistério com um bom tempo de filme pela frente, North não deixa a peteca cair e
segura a atenção mostrando as reações de outros personagens quanto as
perspectivas nada positivas em relação ao desfecho do caso como da Sra. Barber
(Miranda Otto) que tem seu sofrimento ampliado por conta da falta de
consideração da polícia que tardiamente toma consciência da gravidade do
problema. De qualquer forma, mais interessante que acompanhar as investigações
e o sofrimento dos parentes da vítima é observar o desenvolvimento da
personagem Caroline, uma envolvente interpretação que no início pode causar
estranheza, chega ao ápice em seu momento de loucura e mesmo depois ainda
continua prendendo a atenção do espectador que se sente instigado a descobrir
até que ponto chegará o masoquismo da garota que sem perceber está causando mal
a si mesma e conforme pistas surgem o cerco se fecha em torno dela
irremediavelmente. Ela pode ter achado a vítima perfeita para inocente ou
maquiavelicamente acreditar conseguir exterminar seus problemas de autoestima,
mas não bolou o plano perfeito para tanto. Contudo, é difícil ter raiva desta
jovem perturbada continuamente, pois seu dilema é compreensível e é perceptível
que ela não tem maturidade emocional para lidar com ele.
Imagine quantas pessoas
espalhadas pelo mundo vivem conflitos semelhantes levando a problemas
psicológicos, depressão e introversão. Até em fitas de terror de seriais
killers temáticas parecidas já foram abordadas de formas variadas, mas o
conceito geralmente é o mesmo: a pessoa que se sente vitimada pela sociedade
deseja dar o troco atingindo aqueles que ela acredita serem os responsáveis por
sua infelicidade. Rachel infelizmente foi a escolhida por Caroline para ela
exteriorizar seus problemas, ainda que de forma silenciosa e discreta, e assim
tentar levar a vida que sempre sonhou. É um pensamento mesquinho e idiota, mas para
uma mente perturbada é como se a aspirante a bailarina fosse a responsável pela
sua infelicidade, se ela não existisse tudo poderia ser diferente. Como a
principal suspeita tem mais tempo de tela, North tomou cuidado de na primeira
parte explorar mais o universo de Rachel apresentando a rotina feliz e perfeita
que ela levava com sua família e socialmente, uma forma do público se envolver
com a personagem e demonstrar compaixão mais adiante. Todavia, é sua rival quem
rouba a cena. A irlandesa Ruth Bradley tem uma interpretação marcante e com
cenas bem difíceis carregadas de emoção e sentimentos negativos, como na cena
em que chora desesperadamente em seu quarto ao observar seu corpo no espelho,
momento em que é flagrada por seu pai (Sam Neil) que até então parecia
desconhecer os problemas de autoestima da filha. Melhor dizendo, como ele criou
a filha praticamente sozinho é óbvio que devia notar algo estranho em seu
comportamento anti-social, mas o que fazer com o medo de tocar em uma ferida e
ela sangrar? E assim eles foram levando a vida até que no momento em que vem a
conhecimento público o sumiço de Rachel ele é o primeiro a suspeitar que a
filha está envolvida. A Vítima Perfeita aparentemente pode
parecer um filme comum desses que vão direto para as locadoras ou são feitos
com o intuito de preencher horários vagos nos canais de TV, mas na realidade
revela-se um entretenimento de qualidade e com conteúdo relevante e reflexivo,
sendo mais um exemplar que busca se aprofundar nas questões acerca dos
mistérios da mente humana. Bem, North não chega a explorar de forma
extraordinária a loucura da protagonista, mas consegue expor o tema na medida
certa para fisgar a atenção de platéias mais populares que se envolvem com o
crescente clima de tensão, mesmo prevendo qual será a conclusão de tudo.
Suspense - 108 min - 2009
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