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segunda-feira, 11 de abril de 2016

ONDE VIVEM OS MONSTROS

NOTA 7,5

Drama travestido de filme de
fantasia é carregado de
significados e com belo visual,
mas ritmo lento prejudica
Existem filmes que são difíceis de serem classificados em um gênero específico, ainda mais quando existe um improvável casamento entre o enredo e o aspecto visual da fita. Um bom exemplo é Onde Vivem os Monstros, produção dramática travestida de fantasia cujas imagens podem chamar a atenção das crianças, porém, a decepção delas é praticamente uma certeza, quiçá tal sentimento também se manifeste entre os adultos. Este filme pode ser encarado como um projeto experimental ou simplesmente como uma continuidade do estilo do cineasta Spike Jonze. Em seus trabalhos anteriores, Quero Ser John Malkovich e Adaptação, ele já demonstrava apreço por histórias criativas e complexas e neste caso quis explorar o universo infantil, mas obviamente a seu modo particular. Seguindo um conceito na linha de O labirinto do Fauno, o diretor adentra na mente de um garoto problemático que encontra refúgio em um mundo imaginário para esquecer-se de suas angústias. A trama roteirizada por Jonze em parceria com Dave Eggers tem como protagonista Max (Max Records), um garoto que parece se sentir um peixe fora d’água. Não é preciso muito para compreender que se trata de uma criança-problema. O início tumultuado e a câmera propositalmente trêmula fazem alusão ao seu comportamento hiperativo, possivelmente uma tática para chamar a atenção. Aproveitando a neve no quintal, ele constrói um iglu e sua euforia por tal feito reflete sua necessidade de respirar novos ares e de ser notado, pena que tal alegria dura pouco e termina por pura maldade. Ele é ignorado pela irmã e os amigos dela e não se conformou com o recente divórcio dos pais. Connie (Catherine Keener), sua mãe, tenta lhe dar atenção, mas também tem sua vida para tocar e quando recebe em casa um amigo (Mark Ruffalo) não tolera a indisciplina do menino e o repreende severamente. Max, vestindo uma fantasia de lobo como parte do plano para provocar, acaba fugindo de casa e magicamente pega carona em um barco que o leva a enfrentar o vasto oceano e suas ondas traiçoeiras até chegar a uma misteriosa ilha. Explorando o local, ele encontra uma comunidade de monstros que observa a distância, mas quando descoberto ele tira proveito de sua lábia e da fantasia que usava para convencê-los que não pode ser devorado por ser dotado de poderes mágicos, o que o faz ser confundido como um rei, o líder que eles tanto aguardavam. Sua grande tarefa é evitar que a tristeza tome conta do lugar, assim ele passa a criar uma série de brincadeiras e situações para mantê-los entretidos torcendo para que sua mentira não seja descoberta.

O longa é baseado no livro “Where The Wild Things” de Maurice Sendak lançado em 1963, mas isso não impediu Jonze de perpetuar sua fama de mente criativa. O material original é caracterizado pela economia de texto (surpreendentemente apenas 338 palavras) e grandes ilustrações cheias de significados implícitos para contar a história do menino deprimido que desejava muito estar em algum lugar onde realmente alguém gostasse dele. Dessa forma, cada leitor vive uma experiência diferenciada, pois pode imaginar sua própria versão do conto, algo que também pode acontecer com sua adaptação cinematográfica, ainda que de forma mais modesta. Cada pessoa pode interpretar de uma maneira diferente o filme. Ousado, inteligente, criativo, soturno, arrastado, tolo, infantil... As opiniões variam. A única unanimidade é assumir que Jonze foi corajoso, pois não é fácil convencer um estúdio a bancar um projeto que claramente não tinha força para arrecadar milhões, mas estavam em jogo outros interesses que vão além do lado comercial. Patrocinar obras com pegada mais intelectual ou experimental ajuda em uma publicidade extra para as empresas, ainda que no caso transpareça a ideia de que esta é uma produção extremamente pessoal, quase como um capricho do diretor que quis literalmente viajar pela arte visual proposta por Sendal. Geralmente são feitos storyboards (desenhos como se fosse uma história em quadrinhos) para basear as filmagens, mas no caso eles estavam praticamente prontos, só faltava uma história mais bem desenvolvida. Os roteiristas buscaram significados em cada ilustração para traçar paralelos entre o mundo real e a terra imaginária e dotaram cada um dos monstrinhos de personalidade bem definida que na verdade representam sentimentos humanos, a manifestação visual das confusas emoções vividas por Max em um momento de amadurecimento, mas medo de abandonar a infância completamente. Não é a toa que ele se identifica imediatamente com o impulsivo Carol (James Gandolfini) que, sentindo-se traído por KW (Laure Ambrose), tem um acesso de raiva e começa a destruir tudo o que vê pela frente, comportamento explosivo parecido com o de Max quando viu a mãe com um possível namorado. Para quem dizia que um ator fantasiado como um boneco não tinha mais espaço no cinema contemporâneo é melhor rever seus conceitos. É incrível como embarcamos facilmente nesta fantasia, talvez porque nos remeta a infância quando nosso melhor conselheiro em momentos difíceis provavelmente era algum bichinho de pelúcia que nos ouvia pacientemente e sempre tinha um sorriso sincero a nos oferecer. É a partir do contato de Max com os monstros que a história vai ganhando contornos mais complexos abordando temas como inveja, rejeição, consideração ao próximo, escolhas e senso de justiça. Dessa forma, os demais personagens não são meros enfeites para enaltecer o visual do longa, pelo contrário, cada um terá grande importância para o protagonista reavaliar suas emoções. O bode carente Alexander (Paul Dano), a agressiva Judith (Catherine O’Hara), o solidário Douglas (Chris Cooper), o melancólico Touro (Michael Berry Jr.) e o criativo Ira (Forest Whitaker) completam o time de “professores”, figuras alegóricas como se fosse aquela voz que ouvimos em nossas mentes de vez em quando nos apontando o que é certo ou errado, sendo que KW é a responsável por ensinar ao garoto a essência do sentimento materno, o que obviamente o fará regressar de seu mundo de sonhos com aquela imensa vontade de abraçar sua mãe e finalmente demonstrar que a ama.

Nenhum dos intérpretes dos monstrinhos é visto na realidade, pois estão cobertos com belíssimas fantasias que chegam a passar a sensação de suas texturas de tão perfeitas que são e não seria um erro dizer que suas concepções lembram o estilo do famoso cachorro voador de A História Sem Fim ou das criaturas fantásticas de Labirinto – A Magia do Tempo. Utilizando o mínimo possível de computação gráfica e apenas alguns bonecos animados, foi uma ousadia de Jonze resgatar a opção de figurinos reais ao invés de recorrer as novas tecnologias para criar perfeitos personagens digitais, no entanto, o estilo retrô dos monstrinhos, além de fiel as ilustrações originais,  traz um charme todo especial à película, uma identidade única em tempos de tantos produtos similares em termos visuais. Apesar da impressão dos seres fantásticos terem sido talhados com base em técnicas ultrapassadas, foram necessárias quase três décadas para que o livro fosse dignamente adaptado para as telas. No início dos anos 80, John Lasseter, que viria a ser o diretor da Pixar, trabalhou para a Disney buscando alguma técnica inovadora para unir personagens animados à mão com cenários digitais que representariam com fidelidade o universo e os tipos criados por Sendak, mas o resultado dos testes não agradou e o projeto ficou engavetado até que foi oferecido à Jonze já levando em consideração seu talento para trabalhar com situações anormais, além das modernas tecnologias disponíveis terem ajudado a despertar novamente interesse. Um produto com uma narrativa singular realmente pedia uma parte artística à altura, algo ainda intensificado pela excelente cenografia e fotografia que realçam a fria realidade do mundo real em contraste com as cores quentes e tons amarelados da ilha dos monstros. Apesar de todo apuro técnico e narrativa com conteúdo relevante e universal, é fato que Onde Vivem os Monstros não é para todos os paladares, sendo facilmente taxado como esquisito ou chato, ainda que a Warner Bros, produtora que encarou o desafio de gastar sem expectativas de lucrar mais que o necessário para cobrir o orçamento, pediu para o cineasta trabalhar em uma segunda versão que equilibrasse sua visão autoral com as necessidades de mercado. Corta aqui, adiciona ali, mas infelizmente o resultado não atingiu o grande público e até os críticos analisaram a obra com ressalvas. Todavia, as mensagens subliminares foram mantidas. Para ser adulto não é preciso deixar morrer a criança que existe dentro de si. Quando pequenos fazemos coisas que não sabemos explicar o porquê, mas de certa forma eram necessárias naquele momento, ainda que acarretassem arrependimento tardio. Todos tem seu lado selvagem, só é preciso saber domá-lo para que ele não nos domine. Ninguém é perfeito, portanto, não podemos exigir que os outros sejam como idealizamos, assim como também vários eventos da vida são dotados de imperfeição e temos que aprender a aceitá-los. Enfim, Jonze faz seu passeio pelo universo infantil com olhar maduro. Não questiona que é um momento de alegrias e de experimentações, mas faz isso de forma a ressaltar que é o tempo de mostrar o que é certo ou errado, que as frustrações existem, que o respeito é necessário, que nossas ações e decisões podem interferir também na vida do outro, em suma, de forma lúdica mostra o quanto é difícil amadurecer ainda mais em tempos em que o próprio curso da vida exige tal crescimento cada vez mais cedo.

Drama - 100 min - 2009 

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