NOTA 7,0 Apesar do jeitão de comédia romântica, refilmagem de obra alemã investe mais em drama, mas não poupa açúcar |
Nem só de refilmagens de terror
e suspenses orientais vive o cinema americano quando existe escassez de ideias.
Muitas obras europeias pouco a pouco vão ganhando suas versões americanizadas e
antes que alguém se desespere acreditando que um filme muito bom será reduzido
a pó em sua releitura é bom deixar avisado que sempre há uma luz no fim do
túnel. A comédia romântica Sem
Reservas é um bom exemplo que mostra que o que já era bom pode ficar
ainda melhor. Baseada no longa alemão Simplesmente Martha, esta
produção é um achado em meio a mesmice que se encontra no gênero das comédias
românticas, em geral sempre repetindo velhas e manjadas fórmulas que não
acrescentam nada de novo. Neste caso as coisas não são muito diferentes, porém,
é perceptível que a atualização do texto original para os padrões
hollywoodianos foi bem feitinha, as atuações são vigorosas e sentimos certo ar
europeu na idealização das imagens e narrativa. Ok, pode ser um pouco de
exagero dizer que este trabalho do diretor Scott Hicks é excepcional, mas ao
menos o remake não manchou a reputação da obra original de Sandra Nettlebeck,
ainda que muitos o considerem apenas mais uma historinha água com açúcar para
agradar a mulherada e facilmente esquecível. O longa conta a história de Kate Armstrong
(Catherine Zeta-Jones) uma famosa chef de restaurante reconhecida por seu
talento, perfeccionismo e personalidade forte. A moça leva uma vida solitária e
encontra na cozinha o seu melhor refúgio, porém, sua rotina irá mudar
drasticamente por causa de um fato inesperado. Sua irmã morre em um acidente de
carro e ela é obrigada a tomar conta de sua sobrinha de apenas dez anos, Zoe
(Abigail Breslin), embora ela não seja muita amigável com crianças. O
relacionamento das duas não é dos melhores, mas as coisas pioram quando os
ânimos de Kate ficam em ebulição com a chegada de um novo cozinheiro, o
espaçoso e animado Nick Palmer (Aaron Eckhart), o que ela encara como uma
ameaça a seu emprego. Bem, com uma trinca de atores talentosos e simpáticos em
cena dificilmente alguém não se sente instigado a dar uma conferida no filme.
Obviamente a maioria se encanta
pelo profissionalismo absurdo da então atriz-mirim Abigail Breslin que
despontou em Pequena Miss Sunshine e já era uma substituta
natural e imediata a vaga deixada por Dakota Fanning como garota prodígio do
cinema, embora a diferença de idade entre elas não deve ser tão grande. A jovem
intérprete sem querer rouba as atenções para sua personagem e em certo momento
parece que as mudanças comportamentais da tia e até seu entendimento com seu
rival no fogão dependem unicamente da pequena. Vale destacar que a protagonista
não chega a ser um grande personagem capaz de extrair todo o potencial da
galesa Catherine, mas é um tipo interessante com o qual muitas mulheres podem
se identificar graças aos desafios e mudanças na vida pessoal e profissional da
chefe de cozinha. Transitando na casa dos trinta anos, é como se Kate estivesse
vivendo uma crise interna talvez por viver sozinha, não ter tido filhos, porém,
não deixa a mágoa transparecer protegendo-se atrás de uma imagem de mulher
metódica e firme. Já o galã da história é o típico homem dos sonhos do
público-alvo da fita. Bonito, culto, simpático, com sensibilidade apurada e, o
melhor de tudo, um ótimo cozinheiro. Todavia ele também usa o trabalho como
escudo para não deixar que sua solidão tenha vazão. Juntos Catherine e Eckhart
formam um belo e cativante casal que temperam com ingredientes suaves esta
receita que ora emociona e ora faz o espectador esboçar sorrisos. É preciso
ressaltar que ambos apresentam interpretações acima da média para o tipo de
produção, um prato cheio para atores folgados que curtem atuar no melhor estilo
piloto automático. Aliás, para quem espera ver uma guerra de alimentos a la
“Guerra dos Sexos” procure outra opção. O humor aqui é adicionado em pequenas
quantidades e até mesmo o romance não é utilizado com exagero. O tom de drama
leve é que prevalece, mas como é preciso atrair público o rótulo de comédia
romântica é o mais comercial, embora possa não atender plenamente as
expectativas de quem seja atraído por ele.
A obra original é um romance
com carga dramática mais acentuada e algumas poucas pitadas de humor, mas
Hicks, que ganhou fama com as indicações a prêmios que recebeu por Shine
- Brilhante, preferiu trilhar o caminho da comédia romântica seguindo alguns
conceitos da cartilha do gênero, motivo que afugenta muitos de conhecerem esta
obra que não se envergonha e assume seu caráter previsível afinal de contas um
final feliz é o que o público deste tipo de filme deseja, algo que a versão
alemã não contemplou totalmente. Ainda assim, até mais ou menos a metade do
longa a equipe técnica tentou reproduzir ao máximo a atmosfera do filme alemão
repetindo inclusive enquadramentos, situações e até detalhes e acessórios da
cenografia, porém, o restante seguiu os padrões hollywoodianos inclusive
substituindo o mocinho da fita antes bonachão por um homem desejável de forma a
ser mais crível a relação amorosa que irá ser criada entre os protagonistas.
Para completar, como já dito, uma dócil criança na mistura fisga a atenção de
qualquer um, ainda mais quando ela tem um choro tão sincero como o de Abigail. Com
a sensível direção de Hicks, aliada a uma narrativa agradável escrita pela
autora Carol Fuchs e ainda carregando um pouco da essência feminista da obra
original, é inegável que Sem
Reservas é fadado a ser rotulado eternamente como um filme exclusivo
para o público feminino, mas os homens que se aventurarem a encarar esta viagem
gastronômica e romântica não devem se arrepender. O roteiro enxuto e com
diálogos ágeis e eficientes ajudam a envolver o espectador que acredita na
relação sentimental que nasce aos poucos entre uma solteirona sisuda, uma
criança esperta e cativante e um trintão de bem com a vida. O relacionamento é
construído com muito cuidado, apesar de nos minutos finais as coisas
acelerarem, mas nada que estrague o conjunto que deve saciar a vontade de se
emocionar de muita gente. Para aqueles que não curtirem nem um pouquinho da
produção pela pegada romântica, ao menos os deliciosos pratos e garrafas de
vinhos que desfilam por pouco mais de uma hora e meia em cena devem servir de
consolo.
Romance - 104 min - 2007
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