NOTA 8,0 Refilmagem de inesperado sucesso sueco literalmente copia o original e traz uma nova visão sobre os vampiros |
O cinema produzido fora do circuito hollywoodiano cada vez
mais vem ganhando projeção e admiração não só da crítica especializada, mas
também do público. Porém, basta fazer sucesso que logo os produtores ianques se
entusiasmam e correm atrás dos responsáveis para comprar os direitos de
refilmagens. Isso acontece há anos, mas essa onda tem se intensificado devido a
escassez de ideias que o cinema americano frequentemente enfrenta. Um dos
trabalhos do tipo que gerou certo burburinho foi o suspense Deixe-me Entrar,
produção que foi lançada com a propaganda extra de ser baseada no longa sueco Deixa
Ela Entrar, um sucesso inesperado que foi exibido em diversos festivais de
filmes de terror e independentes e chamou a atenção dos americanos. Produção de
horror fazendo um paralelo com a chegada da adolescência, o longa de Tomas
Alfredson reúne uma série de virtudes, ainda mais se considerando o gênero ao
qual pertence. Roteiro inteligente, boas atuações, efeitos especiais usados com
parcimônia e uma fotografia invejável são alguns dos elogios que cabem à fita. Como
em Hollywood hoje em dia pouco se cria e muito se copia, não demorou muito e o
texto já estava nas mãos do diretor Matt Reeves para ganhar uma refilmagem.
Diretor do inesperado sucesso Cloverfield - Monstro, o cineasta foi
escolhido justamente por saber como aguçar a curiosidade dos espectadores.
Somado a isso o entusiasmo pela boa aceitação da obra original e a atração que
vampiros sempre exerceram em um público cativo, o projeto já nascia com tudo
para dar certo e até serviu para mostrar uma nova forma de enxergar tais
criaturas, não tão sanguinolentas e perversas como nos filmes de terror e longe
da aura romântica que ganharam em Crepúsculo. A trama gira em torno
de Owen (Kodi Smit-McPhee), um garoto solitário que vive com a mãe após a
separação dos pais. Frequentemente ele é provocado e humilhado pelos valentões
da escola e nutre dentro de si um desejo de vingança que extravasa as
escondidas e para si mesmo. Certa noite ele conhece sua vizinha Abby (Chloe
Moretz), uma garota que aparenta ter a mesma idade que ele, vive nas sombras e
é tão quieta e sozinha quanto Owen, o que gera uma identificação imediata entre
eles. Logo os dois estão trocando confidências e debatendo sobre a solidão ou a
sensação de se sentir diferente dos outros, porém, o garoto nem desconfia que a
jovem guarda segredos muito peculiares: ela é muito mais velha que sua
aparência indica e precisa se alimentar de sangue. Para consegui-lo, seu
acompanhante (Richard Jenkins) realiza assassinatos na calada da noite com o
intuito de retirar o sangue das vítimas e levá-lo para Abby que se esforça ao
máximo para não deixar que seus instintos a dominem forçando-a a matar para
sobreviver, mas certamente uma hora será impossível conter seu instinto de
violência. Ambos tentando se esconder daqueles que podem lhes fazer algum mal,
não é de se estranhar que a noite para eles é uma benção e o momento que se
sentem mais a vontade.
O início já apresenta cenas que deixam o espectador
intrigado, mas o roteiro volta no tempo para explicar como as coisas chegaram
até esse ponto. Essa história macabra e ao mesmo tempo dramática e com toques
de atualidade (o tema bullying) é baseada na obra do romancista John Ajvide
Lindqvist que desmistifica, como já dito, a imagem do vampiro que o cinema
ajudou a construir. O sadismo, glamour e sensualidade são deixados de lado para
apresentar os aspectos negativos das vidas de tais criaturas. Vivem muitos
anos, precisam matar para sobreviver e não conseguem controlar seus instintos,
tudo para afastá-los de qualquer possibilidade de viver uma vida comum. São
seres deslocados que ou se adaptam a sua triste ou feliz realidade, dependendo
do ponto de vista, ou se escondem do mundo, vivem nas sombras para não serem
notados, como faz a protagonista que sofre por aparentar ser uma criança comum,
mas que carrega o peso da idade em sua consciência e não pode ter
relacionamentos estreitos com humanos, pois qualquer um pode ser a sua próxima
vítima. Apesar de a trama ter um viés inovador, não é difícil imaginar no que
vai dar a amizade entre duas pessoas que passam por conflitos semelhantes e que
aqueles que durante todo o longa humilharam Owen no final irão pagar pelo que
fizeram, aliás, em uma cena que pode decepcionar aqueles afoitos por sangue,
mas que deixa a câmera e a sonorização (ou a falta dela) fazerem o trabalho de
amedrontar o espectador. A versão original ganhou destaque na internet e em
jornais e revistas brasileiros assim instigando a curiosidade do público, mas o
remake é mais fácil de encontrar, embora optando por esta versão muita gente tenha
levado para casa gato por lebre. Ou quase isso. Os nomes muito parecidos das
duas produções podem confundir aqueles que querem optar por uma versão apenas,
mas tanto uma quanto a outra são praticamente idênticas. Reeves levou a sério o
ditado "em time que está ganhando não se mexe" e não adaptou a produção
sueca, preferindo refilmá-la literalmente. Tal medida tem um por que bem
patriota do cineasta ou por parte do estúdio: agradar o público americano que
em geral odeia legendas e quase sempre ignora filmes estrangeiros.
Passado na década de 1980, o filme conta com muitas
referências a época, como o popular jogo Cubo Mágico e o costume de frequentar
pequenos comércios em busca de doces (raridade hoje em dia), além de uma trilha
sonora também datada, tudo para ajudar a manter o clima sombrio e de suspense
das produções do período, porém, evitando os efeitos especiais, imagens
bizarras e sangue jorrando por todos os lados que eram uma coqueluche do cinema
de terror antigamente. Pensando bem, atualmente esses elementos também estão em
alta e talvez por isso mesmo Deixe-me Entrar se destaque. Explorando a ideia de
que um vampiro só pode entrar em uma casa quando é convidado, a trama é bem
intrigante e deve deixar muita gente roendo as unhas sem recorrer a sustos
fáceis, o que certamente decepciona aqueles que procuram um ataque
sanguinolento a cada cinco minutos. Bem avaliado pela crítica, todavia, a obra
perde alguns pontos por ter sido lançada com pouco tempo de distância da versão
original e sem acrescentar nada. Querendo aproveitar a evidência do original sueco
na mídia, Hollywood correu para providenciar sua versão crente no sucesso e
acabou se decepcionando com a bilheteria. Já diz o velho ditado: quem tem
pressa come cru. Todavia, é preciso elogiar o bom senso de Reeves, também autor
do roteiro, que não quis dar seu tom autoral a obra e respeitou o texto
original, fazendo apenas algumas pequenas modificações, porém, a maior parte
com sutileza. Suas únicas intervenções mais chamativas é o fato de retirar da
narrativa alguns fragmentos de cunho sexual, provavelmente já pensando na
classificação etária do longa, e de embaralhar a cronologia das cenas. Dessa
forma, o diretor claramente não quis correr o risco de arruinar a imagem de uma
obra positiva em todos os aspectos, preferindo preservar ao máximo a essência
original. Isso não deve ser visto como preguiça, mas sim como inteligência de
um profissional competente e que sabe colocar limites a si mesmo, coisa que
muito cineasta precisaria aprender. O produto final não é excelente, mas vale
uma conferida, principalmente pelo foco diferenciado da história que, no fundo,
coloca em pauta a situação dos excluídos da sociedade, ainda que em uma versão
alegórica. Em resumo, digamos que este é um suspense com uma pegada
intelectual.
Suspense - 115 min - 2010
Não acho a versão americana "vergonhosa", porém, prefiro muito a obra original.
ResponderExcluirEu ainda não assisti este, mas o original é um filme brilhante. Espero que este mantenha um pouco da mesma essência (não confio em refilmagens).
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com/
Não vi o original, mas achei bem interessante a versão americana. O problema é que sempre a segunda versão acaba ganhando mais evidência, independente de ser boa ou não, e a obra em que foi baseada acaba virndo artigo de luxo, raridade.
ResponderExcluirTanto o sueco quanto o americano são muito bons. Ótimo post. Abç e bons filmes.
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